quarta-feira, 16 de abril de 2025

EXPRESSÕES E SOTAQUES

Geralmente a criança aprende a falar com os pais. É um processo natural de assimilação de palavras e seus significados. Ao longo do tempo as palavras vão formando o vocabulário e com ele a capacidade de se comunicar.

Com o aprendizado natural, a pronúncia de certas letras ou palavras vai assumindo o formato peculiar de cada idioma, processo que também produz o chamado sotaque.

Indisfarçável como a impressão digital, o sotaque é uma espécie sombra que teima em tornar-se audível toda vez que o seu titular se expressa pela fala.

Se existe algo que é difícil esconder é o sotaque. Por exemplo, no idioma alemão a letra "v" soa como "f", enquanto que a letra "w" soa como "v", tudo isto sem contar com a incorrigível troca do "b" pelo "p", o “c” pelo “g” e assim por diante.

O tormento para os ítalo-brasileiros se dá na pronúncia de palavras que começam com a letra jota, a qual tende a soar como "z". Peça para um oriundi dizer José e ele terá que policiar-se para não pronunciar Zozé.

Também denuncia a origem italiana a troca do som do xis pelo esse. Escreve Caxias mas pronuncia cassias. Mas o maior desafio de todos é a supressão de um "erre" quando a palavra contém dois. Não é difícil cair na armadilha quando ao pronunciar correio o coitado, instintivamente será induzido a pronunciar coreio.

Junto com o sotaque que denuncia a origem da pessoa, temos também as expressões típicas de cada idioma. Um descendente de alemães não dirá que está gripado, mas sim, que ganhou uma gripe. Não dirá que seu time perdeu. Desavisadamente dirá que seu time ganhou uma derrota. Daí a piada de que alemão nunca perde.

No idioma italiano temos as famosas bestemas, as quais, sendo levadas ao pé da letra, são blasfêmias dirigidas contra Deus, Jesus Cristo, Nossa Senhora, etc. Na verdade, as bestemas representam apenas uma forma típica de expressão, ofensas contra ninguém. Coisa de italiano, dirão alguns.

Esta pequena digressão se faz necessária para compreender o que sucedeu numa Comarca do oeste catarinense. Uma pequena empresa que se dedicava ao fabrico de esquadrias de ferro, aceitou e executou a encomenda de uma determinada pessoa.

O objeto negociado era um corrimão que foi colocado na casa do comprador. Encomenda entregue, o cliente, alegando que o produto adquirido não estava de acordo com as especificações do pedido não pagou a conta que lhe foi apresentada.

Ao fornecedor não sobrou alternativa senão a de recorrer ao Poder Judiciário. Para tanto, contratou os serviços profissionais de um conhecido advogado da praça, através do qual ingressou com a ação de cobrança.

Na audiência o comprador/devedor insistiu na versão de que o produto adquirido continha graves falhas de acabamento. Pelo sim, pelo não, o juiz determinou a realização de prova pericial.

O perito entregou o laudo dentro do prazo estabelecido e na audiência de prosseguimento, um tanto perplexo com o conteúdo do laudo, o juiz suspendeu os trabalhos e chamou o perito para uma conversa reservada em seu gabinete.

Ninguém entendeu muito bem a atitude do magistrado. É que a resposta a um dos quesitos dizia com bastante ênfase, que o corrimão havia sido fabricado com esmero e "gabricho", pintado nas cores solicitadas pelo comprador, ou seja, em "assul" e "pranco", e mais, que o comprador não havia ganho qualquer prejuízo.

Ao olho do juiz não passou despercebido que dentre todos os que tinham atuado no processo, principalmente o perito, o advogado do devedor da empresa vendedora era o único com sangue germânico correndo nas veias. Notou igualmente a expressão "ganhar prejuízo" ao converter o sentido do alemão para o português.

Dias depois, as partes chegaram a um acordo. O vendedor, além de arcar com as custas do processo, concedeu um substancial desconto ao comprador.

Àquelas alturas, os custos de uma nova perícia, aliada à demora no desfecho da ação, e ainda os riscos de outros desdobramentos, fez com que a empresa vendedora, providencialmente, acabasse com a "priga".

Nenhum comentário:

Postar um comentário