quarta-feira, 5 de março de 2025

CINEMA

Rádio e cinema se completavam como divertimento e cultura. Minha iniciação ao cinema ocorreu no início dos anos cinquenta com dois filmes que a memória insiste em guardar. No meu bairro, antes mesmo da construção do convento das carmelitas existia uma propriedade que suponho era dos Padres Paulinos. Nela havia uma construção de madeira, um pavilhão de apenas um pavimento. Pelo tipo de material existente em seu interior, concluo que naquele local funcionava a gráfica dos paulinos. Atrás da construção havia um campo de futebol e mais para os fundos havia um pequeno prédio edificado com pedras, muito antigo. Naquele local tomei conhecimento da maravilha do cinema. Assisti ao Conde de Monte Cristo e um filme sobre Joana D'Arc, com a Ingrid Bergmann. A minha idade? Não sei mas o Google me informa que o filme é de 1948 e a beleza daquela Joana é eterna. Mas o conforto do cinema perto de casa durou pouco. A gráfica naquele local foi desativada, o prédio demolido e as sessões cinematográficas que eram esporádicas já não aconteceram mais. Mas o SESI surgiu com um programa social do tipo "cinema na rua". Nas noites quentes de verão o Serviço Social da Indústria anunciava que no bairro tal, horário tal, estaria exibindo no local de costume o filme tal. Era um tremendo programa. Os funcionários do SESI colocavam uma tela branca na fachada de uma casa, de onde era possível a conexão elétrica e de um veículo postado em local apropriado era feita a projeção da película. Normalmente eram comédias, tanto nacionais como estrangeiras. Foi através dos filmes de rua que fiquei sabendo da dupla Bud Abbot e Lou Costello, do Gordo e o Magro, dos Irmãos Marx, além de alguns mocinhos e bandidos dos bang bang. Era diversão garantia. Sim, éramos felizes. Aos poucos o bairro distante foi sendo engolido pela cidade e o cinema nas ruas foi sendo engolido pelo progresso, ou seja, pelo surgimento das casas apropriadas - os cinemas. Em Caxias tínhamos cinco (5) cinemas que funcionavam todos os dias da semana. Guarani, Central, Ópera, Imperial e Real. Por diversas razões fui assíduo frequentador dos dois primeiros. Ficavam próximos um do outro - talvez menos de cinquenta (50) metros e pertenciam a donos diversos, de modo que não havia sobreposição de títulos. Aos sábados e domingos a primeira sessão do Cine Guarani iniciava às 19,30hs enquanto que a do Cine Central tinha início às 20,00hs. A diferença de horário conjugada com a proximidade dos dois estabelecimentos, permitia sair de um e imediatamente ingressar em outro cinema para desfrutar de dois filmes na mesma noite. A mesma tática era possível entre os cines Guarani e Ópera, da mesma empresa. Os horários eram mais elásticos e geralmente eram utilizados quando havia algum filme do tipo longa metragem. Uma particularidade: A diferença de horário nas salas de exibição pertencentes à mesma distribuidora se dava por questões meramente logísticas. Por exemplo, os cines Central e Real pertenciam à mesma distribuidora e no sábado exibiriam o mesmo filme. Os filmes em rolos eram seccionados em partes e acondicionados em recipientes metálicos. Iniciada uma sessão no Cine Central às 20,00hs, ao final daquela primeira parte um funcionário recolhia o recipiente e saía às pressas em direção ao cine Real para, exibir o mesmo filme, em outro horário e em outra sala de projeções. E assim era a rotina de um funcionário todos os finais de semana. Mas antes da minha liberdade de ir ao cinema nos horários noturnos, houve a época das matines. Nossa preferência era pelo Central pois além de exibir dois filmes com um pequeno intervalo entre um e outro, o mais aguardado de todos era o episódio dos famosos seriados, uma espécie de novela que sempre terminava com o mocinho enfrentando uma situação crítica que poderia levá-lo à morte. Como ele iria safar-se da armadilha que os agentes do mal havia armado contra ele era a grande incógnita que durante toda a semana aguçava a imaginação de todos. Foram muitos os seriados: Zorro, Círculo Vermelho, Homem Bala, etc... E depois da matine ainda ocorriam os escambos de gibis, revistas em quadrinhos que eram trocados na frente do cinema. Outra particularidade acontecia na sexta-feira com a chamada Avant Premier, quando determinado filme seria exibido pela primeira vez. Muitos preferiam assistir no lançamento para não correr o risco de ficar sabendo do desfecho de uma determinada trama revelada por algum incauto ou mesmo algum estraga-prazer. Mas em termos de programação o ponto alto se dava nas quartas-feiras, tradicionalmente o dia de namorar. Era "Dia da Dama", oportunidade em que moças acompanhadas de seus pretendidos não pagavam ingresso. Por aquela época cumpri com certa regularidade o meu papel de "Chá de Pera", aquele que acompanha a irmã e o futuro cunhado, tanto ao cinema quanto a outros passeios. Tradicionalmente uma moça não saia de casa acompanhada apenas pelo namorado. Um tercius, mesmo que fosse um menor de idade, devia estar junto para empatar avanços mais ousados de parte a parte. Por fim faço um registro acerca do cenário musical dos cinemas, e de modo especial do Cine Guarani. Antes do início da exibição cinematográfica, o tempo era preenchido com música através do sistema de som, geralmente com música orquestrada. Um LP, de. modo especial, marcou época na minha memória: Yellow Bird com a Orquestra de Lawrence Welk. Cada cinema, no momento de apagar as luzes, anunciava o início do espetáculo com a música que identificava aquela casa. Era executada a chamada "Característica Musical". O Cine Guarani era identificado pela ópera do mesmo nome de Carlos Gomes. Já o Real tinha como marca identificadora a Marcha Triunfal da ópera Aida, de Verdi. O Ópera entoava O Coro dos Ferreiros, igualmente de Verdi, enquanto que o Central era mais popular com a Cavalaria Rusticana, que nas matines provocava a juventude a acompanhar o ritmo batendo com os pés no chão. Por fim o Imperial com a Cavalaria Ligeira, de Franz Von Suppé. .... Os filmes? Conforme a época dançamos de acordo com a música. Houve o tempo dos bang-bang ou faroeste. Tarzan teve seu tempo. As chanchadas brasileiras com Oscarito e Grande Otelo e as comédias com o inesquecível Cantinflas. Como esquecer os água e açúcar com Joselito ou com a Marisol? E o Gordo e o Magro? Chegou o tempo dos épicos italianos com o fortão Maciste. Mas chegaram as comédias com Ugo Toniazzi e companhia. Os filmes franceses disseram presente e como tudo que é bom dura pouco brotaram os Kung Fu, que proliferaram de modo avassalador. Já não foi possível aguentar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário