Houve um tempo em que eu usava a barba mais longa. Não tinha nada a ver com ideologia política ou coisa que o valha. Simplesmente era para evitar que a pele ficasse irritada ao barbear-me diariamente.
Em determinado dia fui ao barbeiro - Mário era o seu nome, e pedi-lhe para raspar a barba totalmente. Com um pincel passou uma generosa porção de creme de barbear no meu rosto e, depois de preparada a navalha, numa assentada única ele raspou minha barba sem quaisquer danos para a pele.
Tornei-me seu cliente. Também tomei conhecimento que aquela mão firme era famosa, ao menos entre amigos e clientes.
Indiquei o Mário para um amigo cujos fios da barba eram grossos e bem espessos. Para ele era um tormento barbear-se, decorrendo daí a minha indicação.
Fomos juntos à barbearia. Devidamente instalado na cadeira, o Mário avaliou as eventuais dificuldades e pôs-se a trabalhar. Primeiro, usando toalhas quentes e úmidas para amaciar todo o conjunto peludo. Depois, lambuzando a cara do meu amigo com generosas camadas de creme de barbear.
Entre uma e outra pincelada veio o ritual de afiação da navalha numa espécie de cinta de couro. Aí seguiu-se a cena teatral.
Enquanto aguardava a ação amaciante do creme, o Mário, fumante inveterado, acendeu mais um pito, segurando-o com a mão esquerda. Muniu-se da navalha na mão direita e passou a ensaiar movimentos característicos de que vai realizar seu trabalho.
Mas a mão do Mário tremia, tal como ocorre com as pessoas portadoras do Mal de Parkinson. Aproximava a navalha do rosto do pobre cliente para em seguida voltar atrás.
O meu amigo percebeu aquela tremedeira e começou a acompanhar os movimentos inquietos da mão direita do Mário. A cada investida ou ameaça de finalmente iniciar o desbaste, o meu amigo arregalava mais os olhos. Podia não estar apavorado, mas estava com medo, o que era bem visível.
Quando finalmente o Mário apagou o cigarro, aproximou a mão do rosto do meu amigo e deslizou a navalha suavemente, carregando consigo aqueles pêlos rebeldes. Findo o serviço, com direito a loção e outros quetais, o Mário comentou:
- Você me pareceu nervoso, estou certo?
Seguiram-se risos e mais risos e nada mais precisou ser explicado.
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