Certa tarde chegou ao escritório um cliente do Dr. Cláudio e dada à sua ausência momentânea, fui atendê-lo, tendo em vista a urgência invocada ao falar com a nossa secretária. Se fazia acompanhar da esposa, a qual parecia não acreditar muito na versão dos fatos relatados pelo marido. Naquela tarde ele havia concretizado a venda de um automóvel. O documento de transferência já havia sido assinado em cartório e o pagamento se realizaria quando chegassem na casa do vendedor. Como residia a uma distância considerável do centro da cidade, o comprador entraria na posse efetiva do veículo ao chegarem em casa, ocasião em que efetuaria o pagamento, como combinado. Por alguma dessas faíscas que de vez em quando parecem antecipar coisas boas mas também coisas ruins, no trajeto para sua casa o vendedor resolveu parar nas proximidades do cartório de protesto de títulos onde trabalhava um amigo seu. Pediu para o comprador aguardar no carro pois, segundo o engodo utilizado, precisava pagar um título que estava apontado em cartório. Lá chegando, relatou a venda do veículo ao seu amigo e pediu informações acerca do comprador, quando, para sua surpresa, ficou sabendo de que o mesmo não era coisa boa. Voltando ao carro disse ao comprador estar arrependido da venda e como não havia entregue os documentos ao mesmo e nem recebido qualquer importância em dinheiro, nem mesmo a título de sinal, dava por não realizado o negócio. Para sua surpresa o comprador sacou um revólver e ordenou que o vendedor desse partida ao automóvel, no que foi prontamente atendido. Foram para o interior do município onde o vendedor foi obrigado a entregar o certificado de propriedade do veículo, assim como o documento de transferência que, como disse, já estava assinado. Temendo pelo própria vida, o vendedor não esboçou qualquer reação e simplesmente obedeceu às ordens de seu algoz. Depois de tudo, foi abandonado numa estrada distante de qualquer sinal de habitação enquanto que o agora assaltante se afastava com o automóvel devidamente documentado. Teve sorte em conseguir uma carona de alguém que por ali passava e deixá-lo em casa, onde relatou o ocorrido para a esposa e com o automóvel dela foram a procura de auxílio jurídico com o Dr. Cláudio, velho conhecido de ambos. Depois de ouvir o relato e de certificar-me de que tudo ocorreu a descoberto das vistas de qualquer testemunha, disse-lhe que dificilmente conseguiríamos alguma ordem judicial para suspender a transferência da propriedade. Expliquei que o documento de transferência assinado em cartório e com firma reconhecida como verdadeira, tinha fé pública e a questão jurídica, no caso, já não era a transferência do veículo, mas sim o não pagamento. Mas como no documento de transferência constava a própria quitação, toda a história relatada, embora a sua possibilidade factual, deixava pouca margem para algum sucesso no âmbito judicial. Ele saiu do escritório um tanto inconformado e disse-me que voltaria mais tarde ou no dia seguinte para falar com o Dr. Cláudio. Realmente, um ou dois dias após ele retornou, falou com o seu advogado, e diante da mesma orientação que eu lhe havia dado, conformou-se com o prejuízo, não sem antes reconhecer que não havia tomado as devidas cautelas antes da venda. Algum tempo depois, eis que o enganado cliente retornou ao escritório querendo falar comigo. A secretária ainda tentou encaminhá-lo ao Dr. Cláudio que o atendia frequentemente, mas ele insistiu em falar comigo. Logo que adentrou à minha sala notei um certo ar de vitória, de júbilo ou coisa parecida, o que me deu a certeza de que não se tratava de outro assunto senão a velha questão do veículo roubado. Disse-me, então, que precisava contar-me o que havia sucedido. Num sábado à noite, ele e a esposa foram a um baile num dos clubes da cidade e já de madrugada indo para casa, eis que numa das ruas da cidade depararam com o carro roubado. Na mesma hora ele resolveu ir até em casa para apanhar uma chave reserva que ainda estava em seu poder, algumas roupas e algum dinheiro extra. Também apanhou uma fotocópia do certificado de propriedade que tinha guardado para fins de declaração de bens à Receita Federal. Voltou para onde estava estacionado o “seu” automóvel e sem qualquer dificuldade abriu a porta, acionou a ignição e partiu em disparada. Como o tanque de combustível estivesse quase cheio, andou algumas horas até o próximo abastecimento. Partiu em direção a Foz do Iguaçu onde residia um tio seu. Como temesse alguma barreira policial, o trajeto final foi feito pelo interior do Parque Nacional do Iguaçu. Chegou ao seu destino sem maiores problemas. Relatou o ocorrido ao seu tio e os planos de venda do automóvel para além fronteira, onde se sabia, a legalização da propriedade de veículos automotores, não era rigorosa como no Brasil. Assim pensado, assim foi feito e em breve espaço de tempo. Antes mesmo que eu perguntasse ele esclareceu que já havia verificado junto à Delegacia de Polícia e nenhum Boletim de Ocorrência fora aberto dando conta do “desaparecimento” do automóvel. Certamente o medo de outras conseqüências não permitiu que o seu algoz tentasse ser mais sagaz.
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