Becky S. Korich
Estamos entre os 15 piores na competência de pensamento criativo
Que o Brasil é uma vergonha na
matemática, não é novidade. De cada dez brasileiros com 15 anos, só três conseguem resolver problemas simples, como converter moedas e comparar distâncias. A surpresa é que somos um fracasso também em criatividade. A esperteza e o inventivo jeitinho brasileiro pararam no tempo.
Esta foi a conclusão da maior referência em avaliações internacionais de educação, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que
divulgou seu último relatório em junho (18). A avaliação concluiu que mais da metade (54,3%) dos alunos brasileiros ficou nos níveis 1 e 2 —abaixo do considerado básico— e não foram capazes de resolver problemas simples e expressar ideias inovadoras. Só 10% tiveram um desempenho alto.
O Pisa, que até 2022 avaliava os conhecimentos em matemática, ciências e leitura, passou a mensurar também a capacidade criativa dos estudantes, que é inegavelmente um dos maiores estímulos para a própria aprendizagem e desenvolvimento.
Ao lado de outros exemplos de erudição, como Cazaquistão, Peru, Panamá e Arábia Saudita, o Brasil ficou entre os 15 piores na habilidade e competência de pensamento criativo. Em termos comparativos, Singapura, o mais alto no ranking, ficou com 41 pontos, enquanto o Brasil ficou com 23, dez pontos abaixo da média da
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), responsável pelo exame.
Se por um lado estamos na lanterna da excelência, por outro ocupamos o primeiríssimo escalão da mediocridade quando se trata do sistema de
educação.
Entre 50 países, somos o terceiro com o pior investimento público por estudante, só "perdendo" para o México e a África do Sul. Além disso, o óbvio: não seguimos um projeto coerente nem uma política consolidada que valorize a importância da educação para o país.
Com tudo isso, ou melhor, sem nada disso, o Brasil está emburrecendo os brasileiros.
O desprezo pela educação transforma o país em uma usina de genialidade às avessas. Convivemos com escolas sem estrutura adequada, gestores nomeados por indicação política, professores mal preparados, desvalorizados e mal pagos. Ter que administrar, por exemplo, 13 matérias espremidas nas 4h de aula diárias, não leva a nenhuma aprendizagem de verdade. São escolas onde não se aprende.
O problema não é recente. Há tempos que o setor educacional não figura entre as prioridades do Brasil, apesar de ser o instrumento mais poderoso para a transformação de uma nação. A educação é tratada mais como uma política de governo do que como uma política de Estado. O maior problema é que a política precisa de resultados rápidos, coisa que a educação não consegue entregar.
Vamos sonhar: se nos próximos dez anos o Brasil investir na melhoria do seu sistema educacional, combinando investimentos com uma gestão eficiente, podemos dar um salto no crescimento e no desenvolvimento e diminuir as desigualdades do país. Ser outro país.
O Pisa já mostrou que estamos menos criativos, então vamos assumir essa realidade e nos inspirar nos países que conseguiram se transformar através da educação, como Singapura, Finlândia e Coreia do Sul. Escolas em tempo integral, alfabetização até o 2º ano, valorização e preparo dos professores e educação profissional técnica e tecnológica são alguns parâmetros básicos para essa transformação.
A Coreia do Sul é um bom exemplo a se seguir, porque começou pior do que nós. Até 35 anos atrás, os sul-coreanos eram mais pobres do que os brasileiros; hoje, são pelo menos três vezes mais ricos. Depois de ser devastada pela
Segunda Guerra e pela
Guerra das Coreias, se reconstruiu com uma decisão governamental firme: transformar o país a partir da educação. Atualmente, 100% da população é alfabetizada, graças ao rigor na formação e ao investimento na formação educacional. Esse compromisso levou a nação asiática ao atual patamar de potência global. A educação faz milagres.
E o que dizer de Portugal? Seus resultados deixaram sem graça as piadas que debocham da inteligência dos nossos patrícios. O país superou a média em criatividade e ficou entre os 12 melhores no Pisa, próximo a Finlândia e Dinamarca. Não foi à toa. Desde 2000, Portugal registra avanços nos seus indicadores educacionais. Além das medidas comuns adotadas por outros países, Portugal investiu fortemente nos primeiros seis anos e se focou nas famílias. O número de pais que completaram o ensino médio aumentou consideravelmente, o que diminuiu a evasão escolar. É uma consequência direta, quanto maior a escolaridade dos pais, menor é a evasão e melhor é o rendimento dos filhos na escola.
No Brasil a evasão escolar é preocupante,
um em cada cinco adolescentes de 15 anos é nem-nem, o que é mais perigoso do que parece. A falta de perspectivas construtivas gera um enorme impacto econômico e social, perpetua a pobreza e deixa os jovens suscetíveis a atividades criminosas e comportamentos de risco.
Os próximos anos serão cruciais para que o Brasil não permita que mais gerações saiam da escola sem aprender contas básicas ou interpretar textos. O Projeto de Lei,
recentemente aprovado pelo Senado, que define novas diretrizes para o Ensino Médio pode ser o primeiro passo, ainda que mereça ajustes.
Vamos esperar o milagre acontecer, que o Estado invista com recursos financeiros e tenha uma gestão honesta e de qualidade na educação, e não seja apenas promessa de palanque.
Os brasileiros de 2034 agradecem antecipadamente.
Fonte: Folha de S.Paulo