quarta-feira, 24 de abril de 2024

CONTRABANDO DE QUEIJO

Italiano ou descendente de italiano que se preze, estando à mesa, não dispensa nunca um queijo picante. É um hábito cultivado ao longo dos séculos e de tão impregnado na alma dessa gente chega a fazer parte da sua própria genética. 

Pois conheci um oriundi, o Ivan, que não fugia à regra e nem poderia ser diferente. O que o tornava diferente dos demais era o exagero do seu apetite por um bom formaggio, o que me leva a acreditar que este seja a causa do seu permanente bom humor. Sempre de bem com a vida, creio que nada era capaz de tirá-lo desse estado de euforia permanente. 

Para acompanhar o queijo, nada melhor que uma boa pasta. E se o tempero for à base de perdiz, dessas capturadas na natureza na temporada de caça, então, tudo fica perfeito. Ah, ia esquecendo, o vinho é parte indissociável desse banquete. 

Os campos da fronteira com o Uruguai são pródigos para quem gosta de caçar, quando não havia qualquer tipo de restrição ambiental. Todos os anos, tal como uma piracema, centenas de caçadores se dirigiam para aqueles lados na temporada de caça, vale dizer, nos meses que não tem erre, que é quando as perdizes estão em plenas condições de serem consumidas. 

Era uma das paixões do Ivan, e naquele ano, como sempre fazia, voltou para os lados de Rosário do Sul. E o que tem a ver a fronteira com o Uruguai com o gosto pelo queijo? Tem tudo a ver. Estando em Santana do Livramento, no outro lado da rua está Rivera, território uruguaio, com um comércio diversificado e generoso, inclusive e principalmente um especial queijo de ralar. 

Se tinha por objetivo conseguir algumas perdizes, o que já havia conseguido, tinha em mente também comprar algumas peças de queijo, na Casa Ramirez. Encontrou uma peça enorme, redonda, pesando uns quinze (15) quilos, com a qual sua despensa estaria abastecida por um bom tempo. 

Satisfeito com a aquisição colocou-se na estrada para retornar para casa. Tendo e passar pela Aduana, para sua surpresa seu automóvel foi selecionado para vistoria. As perdizes, os cães e toda a parafernália de acampamento já haviam seguido por outro caminho, de sorte que nada havia a temer. Alguns quilos de queijo, algumas garrafas de vinho, um casaco de couro e duas ou três peças de cashimira adquiridas no Uruguai, era uma compra normal, normalíssima. 

O agente da Aduana não se surpreendeu com nada do que viu à excessão daquela fôrma de queijo, a qual foi descarregada e colocada sobre uma mesa. A autoridade entendeu que estava diante de uma mercadoria destinada ao comércio e por isto iria cobrar os respectivos impostos do seu portador. 

Sem perder o bom humor, o Ivan argumentou que era médico, que era descendente de italianos e como tal comia queijo como se toma água, etc. e tal. Mas o guarda, um cearense boa praça, não aceitava nenhum dos argumentos. Ora, onde já se viu alguém consumir tanto queijo assim! Para ele aquilo era caso típico de contrabando e portanto, para evitar o confisco, só pagando os impostos. 

Quando nada parecia demover o guarda do seu intento de taxar aquele troféu, eis que o Ivan, em mais uma demonstração de seu excelente humor e presença de espírito, puxou do bolso um canivete, que aberto ficava do tamanho de uma respeitável faca e cravando a lâmina bem no meio da fôrma do queijo, disse ao agente da Aduana: 

- Muito bem. O senhor não precisa acreditar em mim mas imposto eu não vou pagar. Eu o convido para que juntos passemos a consumir essa delícia. O senhor vai comprovar que estamos diante de um produto de primeiríssima qualidade. E mais, lhe darei a primazia do primeiro pedaço. 

E foi cortando, desenhando uma larga fatia para ser oferecida ao agente que diante do derradeiro argumento, entendeu-o por demais convincente e liberou o produto.

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