quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

AS UVAS DO ANTUNES

O relato que se segue tem a minha pessoa como testemunha mas não como partícipe. São fatos ocorridos na década de 50 do século passado. O setor vinícola da região vivia bons momentos e na época da vindima o movimento de caminhões transportando uva era o que mais se via na cidade. A uva era acondicionada em recipientes de madeira do tipo tonéis, com um diâmetro de uns oitenta (80) centímetros e altura de um aproximadamente um metro e sessenta centímetros. Detalhe: os tais recipientes não eram fechados e a uva neles depositada ficava à vista de todos. Eram os "bigunchos". A vinícola Luis Antunes não ficava tão distante do nosso bairro. Ela tinha uma frota de caminhões antigos, todos verdes, do tempo da guerra, que eram fortes e resistentes mas eram lentos. Pois quando estes caminhões se aproximavam da vinícola, enfrentavam uma curva nas proximidades do Armazém Pezzi e todos sabiam que haveria a necessidade de trocar de marcha, com o que, o movimento que já era lento, ficaria mais lento ainda. A gurizada se concentrada nas imediações da referida curva, esperando o momento exato para dar o bote. Não havia dificuldade alguma para saquear o caminhão, colocando os cachos furtados por dentro da camisa e logo desciam para deliciar a todos com o produto obtido. Comi muita uva provinda de tais ilícitos. Algumas vezes a empresa utilizava de um expediente defensivo, escondendo uma pessoa dentro e um biguncho sendo que ao primeiro sinal de ataque ele se levantava e com um chicote na mão afastava corsários. Mas era um expediente raramente utilizado. Mas havia uma outra forma de obtenção de uvas, especiais por sinal. Para os fundos da vinícola havia a chamada Quinta Boa Vista. Nunca entrei lá mas olhando o local dava para ver um imenso pomar. Toda a periferia da propriedade para aqueles lados era fortemente cercada com arame farpado, mas que não era obstáculo para os mais ousados. Nessa empreitada até os mais velhos impediam que meninos menos experientes ultrapassassem a cerca. Sempre que decidiam furtar uva daquele pomar, cercavam-se de todas as cautelas. Um pequeno mato que havia numa das laterais auxiliava espreitar qualquer movimentação no interior da Quinta. Somente quando havia a certeza de que não seriam pegos em flagrante é que davam um jeito de passar a cerca, e rapidamente colhiam alguns cachos. Os que ficavam do lado de fora eram os observadores, capazes de denunciar a aproximação de algum guarda ou mesmo empregado da empresa. O risco era grande mas as uvas, as uvas eram de qualidade excepcional. Uvas de mesa, como se dizia. As investidas naquele local não eram frequentes, justamente para não provocar ações defensivas dos proprietários. Ao que eu saiba, nunca houve nenhum incidente provocado pelas visitas dos amigos do alheio.

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