Toda cidade tem personagens dos quais não nos esquecemos. Muitas vezes não sabemos os seus nomes, onde moram e, passados muitos anos, se ainda estão vivos.
Na minha infância e adolescência conheci muitas dessas pessoas, as quais, de uma maneira ou outra, fazem parte das minhas recordações mais remotas.
Por não saber os seus nomes, ficavam conhecidos pelas alcunhas: "trem das onze", um sujeito magro, alto, que caminhava a passos largos pela avenida Julio de Castilhos, sempre com um cigarro na boca e um olhar de quem era portador de alguma anomalia mental.
O "barbeiro" era outra figura singular. O apelido era a sua própria profissão, exercida num salão situado na rua Sinimbú, próximo à Eberle/centro. Nele, o que era peculiar, revelava-se nos jogos de futebol. Caminhava, principalmente pelas sociais dos estádios, tanto do Flamengo como do Juventude, procurando apostadores. "Dou um gol e pego o Ju" ou "Me dá um gol e o empate" podia ser a resposta de algum torcedor que se sentisse atraído pela proposta e assim vai. Não sei se alguma dessas apostas chegou a se concretizar e, em caso positivo, se chegou a ser honrada.
Outro tipo especial era o pintor Sóter. Atribui-se a ele uma promessa feita em tempos idos, por razões que desconheço, de inventar uma piada por dia durante mil dias.
Como esquecer da Marta Rocha, que invariavelmente, nas manhãs de domingo, vestia sua melhor roupa e sua personalidade se transformava. Se dizia ser a Miss Brasil a desfilar pelo centro da cidade.
Quem não lembra do Tide? Torcedor do Juventude e fanático por futebol, paixão influenciada, quiçá, pelo seu amigo maior, o inesquecível Pastelão.
Mas, de todos os tipos, folclóricos ou não, recordo mais acentuadamente do "Paiuia". Era mudo, acho que não tinha nenhum dente. Era do tipo “boca murcha” e minha memória revela que ele sempre usava a mesma roupa - um sobretudo marrom.
Postado junto à bilheteria do cinema Central, estendia a mão para todos aqueles que acabavam de adquirir os ingressos para a sessão cinematográfica, na esperança de receber algum "paiuia" que, segundo me lembro, significava um trocado, dinheiro miúdo. Acho até que ele emitia um som gutural para pedir um "paiuia".
Não sei se ele era portador de outro tipo de deficiência além da vocal. Mas quando estendia a mão, seu olhar revelava uma espécie de bondade, de alma limpa, de pessoa mansa.
Mesmo quando nada recebia, seu olhar e seus trejeitos pareciam dizer “obrigado”, “não tem importância”, “outro dia você me dá”, “desculpas por importuná-lo”, e assim por diante.
Os cinemas desapareceram e com o cinema Central também desapareceu o Paiuia, sem saber que deixou marcas em mim e quiçá em muitas outras pessoas.
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