Drauzio Varella
Estudos mostram resultados conflitantes sobre os efeitos dos canabinoides
Muita gente diz que fuma maconha só para pegar no sono. Contam que sem ela passam horas em luta com o travesseiro. Outros têm queixas opostas: quando fumam demoram para dormir e acordam mais vezes no meio da madrugada.
Pesquisas recentes têm apresentado resultados conflitantes sobre os efeitos dos canabinóides em parâmetros do sono, como duração, arquitetura e qualidade. O problema é que a regulação natural dos ciclos sono-vigília e a fisiologia dos endocanabinóides humanos envolvem mecanismos de alta complexidade, ainda mal conhecidos.
Para complicar, a falta e a insuficiência de sono na população urbana se tornaram uma preocupação para a saúde pública. Os especialistas recomendam que as noites de sono durem de 7 a 9 horas, objetivos que a maioria tem dificuldade para atingir. Noites mal dormidas estão associadas à morbidade e à mortalidade por acidentes com veículos e máquinas, além de comorbidades cardiovasculares, transtornos psiquiátricos, dores crônicas e ganho de peso, entre outros problemas.
Foi publicado um estudo importante sobre a influência da maconha na qualidade do sono. Os participantes fazem parte do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), uma coorte numerosa programada para a coleta de dados de saúde na população americana.
Os questionários foram distribuídos para mulheres e homens de 20 a 59 anos, divididos em dois grupos: 1) não usuários, caso não tivessem fumado maconha nos últimos 30 dias; 2) usuários recentes, caso o tivessem feito nos últimos 30 dias.
De acordo com o número de horas dormidas, foram formados dois grupos: 1) duração curta: menor do que seis horas; 2) duração longa: maior do que nove horas. Esses números representam as médias de horas de sono nas noites dos dias de semana (segunda a sexta-feira).
Os questionários também permitiram colher informações sobre a qualidade do sono: 1) se houve dificuldade para iniciar o sono, para mantê-lo durante a noite ou se a duração foi exagerada, nas últimas duas semanas; 2) se o participante se queixou de sonolência em pelo menos cinco dias no último mês.
Foram incluídas diversas variáveis demográficas: sexo, idade, raça, escolaridade, número de horas trabalhadas por semana, tabagismo, uso de álcool, fatores socioeconômicos, índice de peso corpóreo, comorbidades como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, além do uso de benzodiazepínicos, opioides, barbitúricos e outros sedativos ou estimulantes.
Dos 21.729 participantes analisados, 14,5% relataram ter fumado maconha nos últimos 30 dias. A análise estatística permitiu tirar as seguintes conclusões:
Os participantes dormiram em média aproximadamente sete horas por noite. Não houve diferença entre os que haviam fumado ou não nos 30 dias anteriores.
O número dos que dormiram em média menos de seis horas ou mais do que nove horas, por noite, foi maior entre os que usaram maconha.
O uso recente de Cannabis aumentou a dificuldade para adormecer e para manter o sono e o número dos que tinham dormido mais de nove horas por noite nas duas últimas semanas.
As queixas de sonolência diurna foram iguais nos dois grupos.
Usuários que fumaram 20 vezes ou mais nos últimos 30 dias tiveram mais noites com mais de nove horas de sono. O número de noites de sono mais curto (menos de seis horas) foi igual ao dos que não fumaram.
Estudos anteriores que monitoraram as características do sono por meio de polissonografia sugeriram que apenas um cigarro de maconha já pode ser suficiente para apressar o início do sono, aumentar a duração e evitar despertares no decorrer da noite. Na maioria desses estudos, no entanto, o uso repetitivo mostrou o efeito contrário: aumento do tempo para conciliar o sono, diminuição da duração e aumento do número de despertares noturnos.
No estudo presente, os que haviam fumado 20 vezes ou mais nos últimos 30 dias correram risco mais alto de dormir menos de seis horas por noite e também de ter noites de sono com mais de nove horas de duração.
Insônia é uma das queixas mais frequentes nas sociedades modernas. Fumar maconha interfere na qualidade do sono de forma mal conhecida e imprevisível. Não é um bom tratamento para noites insones. Em medicina não recomendamos fumar medicamentos.
Fonte: Folha de S.Paulo
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