terça-feira, 31 de outubro de 2023

BRUXISMO TEM A VER COM BRUXA?

Aldo Bizzocchi
Neste Dia das Bruxas, como não poderia deixar de ser, vou falar de bruxas. Só que não! Na verdade, vou falar de bruxismo. O que será isso: um movimento em favor das bruxas? Nada disso. Esse velho conhecido dos dentistas é o hábito que algumas pessoas – especialmente as nervosas – têm de ranger os dentes de maneira insistente, a ponto de ficarem doloridos e até gastos. Quando eu ainda não era etimólogo, achava que o nome dessa patologia (sim, é uma patologia!) derivava da palavra bruxa, já que o rangido dos dentes lembra os ruídos das casas mal-assombradas dos filmes de terror. E bruxa tem tudo a ver com terror, né? Só que não é nada disso. O termo bruxismo foi formado a partir do verbo grego βρύχειν (brúkhein), significando “ranger os dentes”, e embora todos, inclusive os dentistas, o pronunciem como /bruchismo/, a pronúncia correta é /brucsismo/. Aliás, também existe a forma briquismo, da mesma origem grega.

Já a palavra bruxa é de origem pré-romana, isto é, já era usada pelos povos que habitavam a Península Ibérica antes da chegada dos romanos. Por isso, também se encontra em galego (bruxa), catalão (bruixa) e espanhol (bruja). A bruxa devia ser uma espécie de feiticeira e curandeira das tribos pré-romanas da Ibéria. Essa palavra certamente permaneceu no uso popular mesmo após a adoção do latim pelos ibéricos porque a língua dos romanos não tinha um vocábulo específico para “feiticeiro(a)”, já que não havia esse tipo de “profissional” em Roma. O termo aproximado em latim é lamia, nome de uma criatura que supostamente chupava o sangue das crianças e que deu origem ao nosso bicho-papão.

Feliz Dia das Bruxas!

Fonte: https://www.neipies.com

O silêncio jamais traiu alguém. (Antoine de Rivarol)

LUGARES

ALBEROBELLO - ITÁLIA
Os trulli são antigas construções de pedra, com telhados cônicos, comuns em uma parte da região italiana da Puglia. Acredita-se que antigamente os trulli eram utilizados para evadir a cobrança de impostos sobre as casas. Wikipédia

FRASES ILUSTRADAS


 

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

A sabedoria e a ignorância se transmite como doenças; daí a necessidade de se saber escolher as companhias. (William Shakespeare, dramaturgo inglês)

LUGARES

NICE - FRANÇA
Nice, capital do departamento dos Alpes Marítimos, na Riviera Francesa, está localizada na praia de seixos da Baie des Anges. Fundada pelos gregos e depois transformada em retiro da elite europeia do século XIX, a cidade atrai artistas há muito tempo. Henri Matisse, seu antigo morador, é homenageado com uma coleção de pinturas que abrange toda a sua carreira no Museu Matisse. O Museu Marc Chagall exibe algumas das principais obras religiosas do artista homônimo. ― Google

FRASES ILUSTRADAS

 

domingo, 29 de outubro de 2023

VIAJAR É...

Minha primeira viagem internacional aconteceu em 1997, aos cinquenta (50) anos de idade. Não o fiz quando jovem por duas razões opostas: ou tudo era caro ou eu ganhava pouco. E ao contrário dos dias atuais, os intercâmbios inexistiam ou eram escassos. 

Tornei a viajar em 2002. Acho que fui contaminado pelo “vírus pé-na-estrada”, contraído num consultório dentário. Foi assim: Qualquer sala de espera de dentistas ou médicos que se preze tem revistas à disposição dos clientes. Novas ou antigas, encontra-se de tudo. Pouco importa o assunto já que a preocupação é com a broca que logo, logo irá atacar algum dente que teima em doer. 

Pois numa dessas ocasiões, folheando uma dessas revistas especializadas em viagens, encontrei uma frase que adotei na hora: "Prefiro histórias para contar a objetos para mostrar". 

Desde então, nunca mais parei de viajar. E assim pretendo continuar, ao menos enquanto eu tiver forças para arrastar a minha mala. 

Nos dicionários, livros de auto-ajuda, redes sociais etc., encontramos muitas definições sobre o ato de viajar. Particularmente sempre gostei de uma frase do genial Mário Quintana: “Viajar é mudar a roupa da alma”. 

Qualquer destino é bom. Ver coisas novas, vivenciar hábitos diferentes e tudo o mais que compõe uma viagem, nos afasta daquela sensação de que moramos no umbigo do mundo. 

A cada nova viagem acrescentamos mais conhecimento ao nosso acervo mental. Passamos a olhar os outros povos sob outra ótica. A síntese de Mário Quintana diz tudo. Mas a roupa da alma não deve ser jogada na lixeira do nosso passado. Antes, deve ser guardada com carinho na nossa memória e se possível compartilhada com todos aqueles que tenham paciência ou curiosidade para viajar nas viagens dos outros. 

E para bem compartilhar nossas experiências remotas, é prudente registrá-las, materializá-las, antes que o solerte alemão chegue e apague o nosso HD. 

Apresso-me em dizer que não se trata de um guia de viagem e nem mesmo uma fonte de dicas para quem pretenda viajar para os locais por onde andamos. 

Os relatos que se seguirão são de fatos pitorescos vivenciados ao longo de alguns anos, não apenas de viagens, recuperados da memória e de registros fotográficos.
Éramos todos humanos até que… A raça nos desligou. A religião nos separou. A política nos dividiu e o dinheiro nos classificou. (Deva Nishok)

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SOAVE - ITÁLIA
Soave é uma comuna italiana da região do Vêneto, província de Verona, com cerca de 6.450 habitantes. Estende-se por uma área de 22,67 km², tendo uma densidade populacional de 293 hab/km². Wikipédia

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sábado, 28 de outubro de 2023

A nossa felicidade depende mais do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos. (Arthur Schopenhauer)

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TROGIR - CROÁCIA
Trogir é uma cidade histórica e porto da Croácia, na costa oriental do mar Adriático. Localiza-se no condado de Split-Dalmácia, 27 km a oeste de Split. Sua população é de 10.907 habitantes e a população total de seu município, 13.322 habitantes. Wikipédia

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sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O oposto da vida não é a morte, é a indiferença. (Erik Wiesel)

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DRESDEN - ALEMANHA
A Catedral da Santíssima Trindade é a principal igreja católica de Dresden. Este é um edifício barroco de três naves com duas torres, o órgão original do trabalho de Zilbermann foi preservado no interior. Representantes da dinastia Vettin estão enterrados na cripta.

FRASES ILUSTRADAS

 

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio! (Martin Luther King Jr.)

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MOSCOU - RÚSSIA 
Palácio do Senado ou Senado do Kremlin é um edifício dentro do Kremlin de Moscou, na Rússia. Inicialmente construído entre 1776 e 1787, originalmente abrigava o Senado Dirigente, a mais alta jurisdição e mandato legislativo da Rússia Imperial. Wikipédia

FRASES ILUSTRADAS

 

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Eu espero que eu sempre possua firmeza e virtude suficientes para manter o que eu considero o mais invejável de todos os títulos, o caráter de um homem honesto. (George Washington)

LUGARES

CHAMONIX - FRANÇA
Chamonix-Mont-Blanc (geralmente abreviada Chamonix) é uma zona turística perto da junção da França, Suíça e Itália. A base do Mont Blanc, o pico mais alto dos Alpes, é conhecida pela prática de esqui. Durante todo o ano, teleféricos levam os visitantes até vários picos próximos com vistas panorâmicas, como o Aiguille du Midi, sobre a cidade, e o Pointe Helbronner, atravessando vastos campos de geleira na fronteira italiana. ― Google

FRASES ILUSTRADAS

 

terça-feira, 24 de outubro de 2023

AS MAZELAS DA 'GERAÇÃO SANDUÍCHE'

Mirian Goldenberg

Mulheres 'ensanduichadas' cuidam dos pais idosos, cônjuges, filhos, netos, mas não têm tempo para cuidar de si

Na minha pesquisa com famílias de nonagenários tenho encontrado muitas mulheres da chamada "geração sanduíche".

Elas receberam o nome de "geração sanduíche" por estarem "espremidas, comprimidas, apertadas, esmagadas, imprensadas, premidas" pelas obrigações e responsabilidades de cuidarem de extremos. São mulheres, em geral com idades que podem variar de 40 e 70 anos, que cuidam dos pais idosos, dos cônjuges, dos filhos e, em alguns casos que tenho pesquisado, também dos netos.

Nas 30 famílias que tenho acompanhado desde 2015, encontrei apenas dois casos de homens que são os principais responsáveis pelos cuidados de pais idosos, filhos e netos. Nas 28 famílias restantes, são as mulheres que estão "ensanduichadas".

Se, nas décadas passadas, as mulheres reclamavam das duplas jornadas de trabalho, hoje, elas falam de múltiplas jornadas de trabalho: casa, emprego, pais idosos, filhos, netos, cônjuges e muito mais. Elas se sentem doentes, deprimidas, impotentes e exaustas. Algumas me disseram que são, na verdade, uma "geração equilibrista".

Como o Censo de 2022 revelou, o Brasil está envelhecendo muito rapidamente. Além das mudanças demográficas, com muito mais idosos, é cada vez mais comum que filhos adultos, que ainda estão estudando ou desempregados, morem com seus pais e sejam sustentados por eles: é a chamada "geração canguru".

As mulheres sentem com muito maior intensidade o peso de cuidar dos pais idosos e dos filhos. Em uma das famílias que estou pesquisando, uma médica, de 65 anos, que se casou recentemente com um médico de 72, cuida da mãe, de 93 anos, que está com Alzheimer, do pai de 97 anos, e do filho de 32 anos que ainda estuda e mora com ela.

"É muito estressante, pois, além das responsabilidades familiares e conjugais, eu ainda trabalho muito. Meu marido também trabalha, e anda bastante estressado, mas quem cuida dos pais idosos dele é a irmã caçula, e quem cuida dos filhos dele é a ex-mulher. Nós, mulheres, ficamos muito sobrecarregadas. Todos os dias atendo, no meu consultório, mulheres que estão deprimidas, exaustas, ansiosas e impotentes, como eu também estou, mulheres que estão à beira de um ataque de nervos".

Além de cuidar dos pais idosos e do filho caçula, a médica ainda cuida do filho mais velho, de 47 anos, que teve um princípio de infarto e um Acidente Vascular Cerebral no início da pandemia.

"Para piorar ainda mais a situação, meu filho mais velho, que é músico, teve um AVC no início da pandemia. Ele tem dois filhos pequenos. Minha nora é enfermeira, não ganha o suficiente para sustentar a família. Além de ajudar financeiramente, preciso acompanhar de perto a sua recuperação. Estou pensando em me mudar para uma casa maior, pois seria mais fácil cuidar dele se morássemos juntos. Acabei de me casar. Como meu marido vai lidar com tudo isso? Ando tão estressada e exausta que só quero dormir o dia inteiro. Não consigo nem mais transar com meu marido."

A maior preocupação da médica é ter algum problema sério de saúde, pois, com a sobrecarga de obrigações, ela não tem conseguido cuidar da própria saúde física e mental.

"E se eu ficar doente? E se eu morrer? Quem vai cuidar dos meus pais idosos, dos meus filhos e netos? Eu, que sempre fui muito ativa, produtiva e saudável, estou me sentindo uma velha decrépita. Parece que envelheci 20 anos durante a pandemia. Apesar de ser médica, não tenho tempo para cuidar de mim, não faço exercícios, passo dias sem ter tempo para almoçar. Tive que abandonar o curso de especialização que estava fazendo. Precisei parar com a terapia, pois não tenho dinheiro para luxos agora. Não posso parar de trabalhar, pois muita gente depende de mim e minha aposentadoria não daria para nada. O pior de tudo é que me sinto completamente sozinha, não recebo apoio e ajuda de ninguém."

Como tenho acompanhado de perto o sofrimento e até mesmo o sacrifício das mulheres "ensanduichadas", a pergunta que não quer calar é: "Quem vai cuidar das mulheres que cuidam de todos, mas não têm tempo para cuidar de si?"

Fonte: Folha de S.Paulo
Enquanto o poço não seca, não sabemos dar valor à água. (Thomas Fuller)

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CORUPÁ - SC
Seminário Sagrado Coração de Jesus
Corupá é um município brasileiro do estado de Santa Catarina. Localiza-se a uma latitude 26º25'31" sul e a uma longitude 49º14'35" oeste, estando a uma altitude de 75 metros. Possui uma área de 405 km² e uma população estimada, em 2016, de 15.337 habitantes. Wikipédia

ROMANCE FORENSE

(Charge de Gerson Kauer)
Aventura jurídica e o fim dos tempos!

Um cidadão gaúcho – servidor público - foi ao Supermercado Nova Hera, na cidade de Porto Lucena (população de 5,5 pessoas) exclusivamente para comprar um sachê de maionese – fabricado pela multinacional Bunge Alimentos. Pagou R$ 2,99 e logo constatou que embalagem e nota fiscal mencionavam “500 gramas”. Mas o peso real era de apenas 260 g.

Sustentando ter sofrido prejuízos de ordem moral, o consumidor foi a Juízo, pedindo indenização financeira, que reparasse “a situação humilhante e vexatória” vivenciada. A sentença avaliou que “a demanda não passa de uma aventura jurídica”, e assim concluiu haver “evidente falta de interesse de agir do autor”.

Por isso, o julgado monocrático indeferiu a petição inicial, condenando o demandante no pagamento das custas (R$ 257 – que, na prática, correspondem ao preço de 86 sachês).

Há poucos dias, a 9ª Câmara Cível do TJRS examinou – e proveu - a apelação do consumidor, que desistiu do mérito da demanda e pediu apenas que lhe fosse assegurada a assistência judiciária gratuita, negada em primeiro grau.

Com o retorno dos autos à origem, o sachê será devolvido ao consumidor para que, se quiser, “solicite a substituição ou ressarcimento (R$ 2,99) no estabelecimento em que adquiriu o produto”.

Na ´rádio-corredor´ forense, da comarca de Porto Xavier – que jurisdiciona o município de Porto Lucena – a avaliação é que “o autor e seu advogado viajaram na maionese”... (Proc. nº 70066650599).

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS

 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

ALEGRIA DE PASSARINHO

Paulo Pestana
Carvalho foi criado de pés descalços, jogando bola, soltando pipa e fazendo tudo o que as crianças fazem; mas garante que nunca frequentou os fundos da igreja do bairro daquela próspera cidade paulista, até porque lá jazia – ainda jaz, aliás – um pequeno cemitério.

Homem feito, veio para Brasília depois de passar por outras cidades grandes, sempre morando em apartamentos, alguns tão pequenos que tinha que abrir a janela para vestir o paletó.

Aqui ele reencontrou o espaço da infância. Este é um dos encantos de Brasília e que nos faz meninos de novo. O imenso parque que circunda os prédios, os espaços vazios e a sensação de imensidão fazem a delícia de quem cresce aqui e o delírio de quem pode imaginar como seria ter tudo isso à disposição e pernas para correr.

Carvalho decidiu ficar por aqui; viu oportunidades, estava bem no emprego, encontrou uma mocinha cheia de encantos. Não precisava de mais nada. Ou melhor: precisava ter o espaço dele, um quintal como o que havia na casa da avó.

Comprou uma casa no Lago Norte. Era uma construção modesta; dois quartos, uma salinha, cozinha e banheiro – nada mais. Mas era uma ponta de picolé, qualificação exclusivamente brasiliense para lotes localizados nos extremos dos conjuntos residenciais. Três mil metros quadrados de área para fazer o que quiser.

Mudou-se e, assim que as finanças permitiram, construiu uma bela casa no local; ampla, confortável e funcional. Desistiu de fazer o campinho de pelada no quintal – na verdade foi a mulher que, além dos encantos, exerceu o direito de veto que, ao que parece, vem escrito na certidão de casamento em letras miúdas que os homens não conseguem ler.

Ela não queria ter um bando de marmanjo correndo atrás de bola e xingando alto. No lugar plantou árvores frutíferas, criando um pomar que, hoje, abastece até a vizinhança.

Há abacateiro, amoreiras, mangueiras, aceroleiras e mexeriqueiras, que fazem companhia a dois pequizeiros que já estavam lá desde que o local era habitado apenas por siriemas. São árvores que anualmente cumprem seu destino e ficam abarrotadas de frutos que fazem mais doce a vida do feliz Carvalho.

Mas agora ele tem companhia para saborear os frutos. Duas imensas araras, azuis de doer o olho, descobriram que as árvores são bem tratadas e que os frutos vêm carnudos. Chegam cedo e quase não fazem barulho – ao contrário das primas, maritacas, que atacam o coqueirinho e, parece, falam até de bico cheio.

Carvalho ainda não tinha visto as araras amantes de pequi. Ocupado, olha pouco para o alto e só teve ciência do caso quando viu o afoito faz-tudo da casa jogando pedras e pedaços de pau no pequizeiro.

– Tá maluco, João. Jogando pedra em árvore?

O rapaz apontou para o alto e mostrou as araras.

– Elas estão comendo todo o pequi – disse, abaixando para pegar mais munição.

Carvalho interveio e pediu que deixasse, que pequi ele compra no mercado, mas que queria ter a beleza das duas aves no quintal. João parou, mas saiu resmungando para a faxineira:

– Esse povo rico tem cada coisa. Imagina dar comida para passarinho que nem é dele.

Publicado no Correio Braziliense em 15 de setembro de 2023
Quanto mais o público se interessa pelos artistas, menos se interessa pela arte. (Oscar Wilde, poeta e dramaturgo irlandês)

LUGARES

TRIENT - SUÍÇA
Trient é uma comuna da Suíça, situada no distrito de Martigny, no cantão de Valais. Tem 39,6 km² de área e sua população em 2018 foi estimada em 162 habitantes. Wikipédia

A GRAMA DO VIZINHO

Martha MedeirosMartha Medeiros

Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco.

Há no ar certo queixume sem razões muito claras.

Converso com mulheres que estão entre os 40 e 50 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem.

De onde vem isso? Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia:

“Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro apartamento”.

Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são, ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho.

As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim. Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente.

Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados.

Pra consumo externo, todos são belos, sexys, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores.

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada/ todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.

Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia, e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta. Nesta era de exaltação de celebridades – reais e inventadas – fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas, tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia. Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé? Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista.

As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento.

FRASES ILUSTRADAS

domingo, 22 de outubro de 2023

DIA DA CRIANÇA

Marcelo Duarte

Você sabe quem decidiu que o 12 de outubro seria o Dia das Crianças? E o que será que a data tem a ver com o concurso do Bebê Johnson?

Em 12 de outubro de 1923, o Rio de Janeiro, então capital federal, sediou o Congresso Sul-Americano da Criança, que discutiu questões relativas à educação e à alimentação infantil. No ano seguinte, percebendo a repercussão que o congresso tinha tido, o deputado federal Galdino do Vale Filho (1879-1961) propôs uma lei estabelecendo que o Dia das Crianças no Brasil passaria a ser comemorado naquela data.

A comemoração, no entanto, não teve quase nenhuma adesão. Ninguém se lembrava dela. Em 1940, o presidente Getúlio Vargas criou um novo decreto e uma nova data: 25 de março. Mais uma vez, ninguém deu muita importância à data.

Demorou muito para a data pegar?

O Dia das Crianças só ganhou mesmo força por iniciativa de Eber Alfred Goldberg, diretor comercial da fábrica de brinquedos Estrela —que, a bem da verdade, tinha o único objetivo de aumentar as suas vendas.

Em 1955, Goldberg idealizou uma promoção batizada de "Semana do Bebê Robusto" para aumentar as vendas de uma boneca bochechuda, que era o carro-chefe de vendas. Dez anos depois, a Johnson & Johnson criou o concurso "Bebê Johnson". Foi o maior sucesso.

Como funcionava o concurso Bebê Johnson?

A primeira Bebê Johnson da história foi a paulistana Magda Solange Ferreira, em 1957, uma menina loira de olhos castanhos. No caso de Magda, um fotógrafo contratado pela Johnson & Johnson a descobriu na Maternidade Leonor Mendes de Barros, em São Paulo, e ela passou a estampar propagandas da marca.

Como concurso, o Bebê Johnson começou em 1965 e foi até 1969. Os pais é que inscreviam fotos de seus filhos de seis meses a 2 anos. Junto com a fotografia, eles deveriam enviar o rótulo de um produto.

Infelizmente há poucas informações sobre o concurso. Em 1965, por exemplo, o prêmio foi de 500 mil cruzeiros.

Mas, então, como o Dia das Crianças voltou para 12 de outubro?

Com a entrada de outras empresas fortes, como a Johnson & Johnson, a Semana do Bebê Robusto ganhou força e passou a se chamar Semana da Criança.

Até que os comerciantes acharam uma semana longa demais e resolveram concentrar suas forças em uma única data. Alguém se lembrou do decreto de 1924, e o Dia da Criança voltou a ser comemorado em 12 de outubro de cada ano e assim ficou.

Fonte: Folha de S.Paulo

GRANDE BOSTA

Fernando Albrecht
Pululam por aí chistes, ditos e causos envolvendo o sotaque abrasileirado dos descendentes de alemães ou até mesmo os in natura. É muito difícil dar graça no escrever, e mesmo no falar é brabo.

Principalmente quando o imitador não é iniciado na língua de Goethe. Então aqui vai um causo meu.

Em uma cidade do Vale do Caí, ficou famoso um subprefeito chamado Afonso, que circulava muito nos distritos cuja população era predominantemente de origem alemã. Então Afonso virou Alfons – a pronúncia fica entre o "s" e o "z".

Pelo seu jeito de agir logo virou personagem folclórico. Muito prestativo, fazia o bem sem olhar a quem.

Um dia, um caminhão da prefeitura manobrava numa rua muito estreita. Vendo a cena, o Alfons foi para a parte traseira do veículo e começou a dar dicas.

– Vem de ré, uma veiz, não tem ero.

Preocupado com o pouco espaço, o motorista ficou na dúvida.

– Mas tá tudo limbo aí atraas?

– Vem ti rindo, só tem um bosta.

Senso de humor de alemão tem disso. Grande bosta ter uma bosta no caminho. O motorista engatou a ré na caixa seca no Ford F-8 e mandou bala.

Segundos depois, ouviu-se um grande estrondo. Aflito, o motorista saiu da boleia para conferir o estrago: tinha derrubado um poste. O Alfons ainda tripudiou.

– Eu avisei que tinha um bosta, rapaiz! Tu tinha que ser mais cuitatoooso, uma veiz.

Visto pelo ângulo dele, o recado não podia ser mais claro.

Fonte: https://fernandoalbrecht.blog.br
A única pessoa livre é aquela que não tem medo do ridículo. (Luis Fernando Verissimo)

LUGARES

ROMA - ITÁLIA
Coliseu, também conhecido como Anfiteatro Flaviano, é um anfiteatro oval localizado no centro da cidade de Roma, capital da Itália. Construído com tijolos revestidos de argamassa e areia, e originalmente cobertos com travertino é o maior anfiteatro já construído e está situado a leste do Fórum Romano. Wikipédia

DE QUE ADIANTA TER UMA COSTELA ANARQUISTA HOJE EM DIA?

Luiz Felipe Pondé

Um anarquista percebe a baba que escorre pela boca das autoridades no exercício do seu monopólio legítimo da violência

Como identificar se você tem uma costela anarquista? Coisas assim são boas de você saber para não passar vergonha por aí caso você se sinta mal diante de certas situações com as quais a maioria das pessoas não sofre uma vírgula. Nem ficar com água na boca diante de ministros.

Fui anarquista na juventude. Simpatizante de Bakunin (1814-1876), sempre gostei da ideia de que todo Estado é mau.

Com o tempo, óbvio, aprendi que o erro central das teorias anarquistas está na sua compreensão de natureza humana irrestrita, seguindo a teoria de Thomas Sowell, ou seja, uma natureza humana perfectível ao infinito em direção à bondade social e política.

Autores como o príncipe Kropotkin (1842-1921), também anarquista, mas de uma geração mais jovem do que Bakunin, geógrafo de formação, também incorreu no mesmo equívoco: se iludir com a natureza humana.

Essa ilusão se caracteriza por crer que uma vez removido o Estado opressivo e eliminada a propriedade privada —vale salientar que se trata aqui do anarquismo socialista russo—, a autogestão dos povos marcharia em direção a um novo homem e uma nova mulher —essa divisão hoje já seria considerada reacionária, não?— marcados pela generosidade, coragem, e capacidades cognitivas abundantes.

A pergunta é: como gente inteligente conseguiu um dia crer em tamanha besteira? Aliás, ainda hoje tem gente que crê. Claro que se for homem, o faz para pegar mulher —no tempo que isso estava na moda.

A natureza humana, manifesta na história empírica, não autoriza jamais uma crença como esta. Trata-se de pura pseudociência, ou, diria eu, pseudopolítica.

Os anarcocapitalistas tampouco se saem melhor ao acreditarem que, uma vez suspensa a opressão burocrática e policial do Estado, as pessoas e as empresas competiriam dentro do espírito de não-agressão e respeito mútuo.

Não sei quem seria o mais idiota nessa crença num ser humano bom, que, na verdade, a toda hora, prova estar sempre preparado para ser egoísta e competitivo de modo cruel.

Percebe-se um problema após estas breves observações. Como fica uma pessoa de simpatia anarquista, mas que não sofre desse profundo equívoco cognitivo, ou seja, que não acredita nas bobagens nem dos anarquistas socialistas nem dos anarcocapitalistas acerca da natureza humana?

Dito de outra forma, e seguindo de novo Thomas Sowell, alguém que sabe que a natureza humana é restrita e pobre em recursos morais e políticos, exatamente o contrário do que afirmam o marketing e as utopias, igualmente.

Antes de tudo, esta pessoa aceita, com tristeza, que o Estado é um mal necessário. Mas, sempre odiando-o e desconfiado de que a qualquer hora ele virá na sua direção para depená-lo, calar sua boca, inviabilizar sua vida. Alguém que carrega em si uma costela anarquista jamais confia nas autoridades do Estado porque percebe a baba que escorre pelo canto da boca de uma autoridade no exercício do seu monopólio legítimo da violência.

Quanto mais salamaleque no exercício institucional desse poder, maior o risco. Qualquer autoridade que possa te destruir com um clique —principalmente quando errado— não deve ser jamais de confiança.

Uma outra inimiga mortal de um anarquista, desde os tempos dos utópicos, é a burocracia. Ah! A burocracia! Jean Delumeau, no seu "História do Medo no Ocidente", que saiu pela Companhia das Letras, suspeita que a burocracia surge como descendente dos muros das cidades. Caem os muros, ergue-se o monstro da burocracia.

A burocracia está intimamente ligada ao medo. Incompreensível no seu gigantismo inacessível —Kafka, o profeta—, com seus capatazes —os burocratas—, a burocracia existe para dizer "não". Para fazer de você um escravo dela; para destruir qualquer esperança na beleza. O burocrata, assim como o advogado, é a provas definitiva de que o mundo e as pessoas não são de confiança.

Mas, de que adianta uma costela anarquista hoje? Adianta, antes de tudo, para não deixar você cair no ridículo de se fazer fã de qualquer autoridade do Estado e saber que ela nunca será de confiança.

Fonte: Folha de S.Paulo

DUO SIQUEIRA

TICO TICO CON FUBA
Zequinha de Abreu:

FRASES ILUSTRADAS

sábado, 21 de outubro de 2023

LEMBRA DO TELMO?

Ruy Castro

O colunista mais lido de São Paulo, de 1971 a 1986, está esquecido e o será cada vez mais

Telmo Martino morreu há 10 anos, no dia 3 de setembro. O silêncio da mídia fala tanto da nossa desmemória quanto do fato de que, no Brasil, o passado é um caixão sem alça, a ser levado nos ombros. Depois de ter sido, de 1971 a 1986, o colunista mais lido da imprensa paulistana —seu veículo era o Jornal da Tarde, no auge—, Telmo tem sido ignorado até em reportagens retrospectivas.

Fomos amigos por 45 anos. Conheci-o em 1968, na revista Diners, dirigida por Paulo Francis, aqui no Rio. A revista era um house organ para os assinantes do cartão, que a esnobavam, mas disputada pelos que viam nela a herdeira da lendária Senhor (1958-1964). Mês sim, mês não, Telmo fazia crítica de livros, implacável para com os medalhões. No dia a dia, no entanto, era a alma e a arma secretas da revista: compunha com Francis os insuperáveis títulos e subtítulos dos artigos e retocava o estilo de colaboradores como Joel Silveira, Glauber Rocha, Armando Nogueira.

No fim do ano, Francis foi preso no AI-5 e o Diners extinguiu a revista. Telmo foi ser ghost writer do colunista Daniel Más no Correio da Manhã, consagrando Daniel. Em 1971, o JT lhe ofereceu uma coluna assinada, e lá se foi Telmo para São Paulo, onde, com humor e sagacidade, criou seu panteão de personagens: os belos e deuses e os jecas e fakes, eleitos por ele. Isso lhe valeu amores e ódios, por fim reduzidos nos anos 90 a uma triste indiferença, provocada, em parte, pelo cansaço do próprio Telmo.

Não haverá futuro para ele. Telmo será esquecido, na razão direta de que, com exceções, as pessoas que ele endeusou ou demoliu também já estão sendo. Talvez porque fossem miragens que, pró ou contra, só existissem na sua coluna.

Ele pressentia esse fim. Certa vez, me telefonou: "Ruyzito, aqui é Telmo Martino, vivendo seus últimos dias". E eram mesmo. Mas que só chegariam em 2013 —e esse telefonema foi em 2006.

Fonte: Folha de S. Paulo
Ninguém prega melhor do que a formiga e ela não fala. (Benjamin Franklin, político americano)

LUGARES

VIENA - ÁUSTRIA
O Palácio de Schönbrunn, conhecido também como o Palácio de Versalhes de Viena, é um dos principais monumentos históricos e culturais da Áustria. Está localizado no Hietzing, o 13º distrito de Viena. Wikipédia

JORNALISMO INVESTIGATIVO

Carlos Heitor Cony
Sou de uma geração de jornalistas que não dava muita bola para a investigação. Nossa preocupação era apurar, comentar. Deixávamos de bom grado a investigação para a polícia, para os investigadores profissionais ou amadores. Não sei se era melhor ou pior: era diferente.

De uns tempos para cá, o jornalismo dito investigativo transformou os repórteres em detetives, cheios de macetes para chegar ao fundo do poço, mantendo informantes que substituem com vantagem os tradicionais alcagüetes, uma vez que ditos informantes são políticos influentes, empresários, gente fina e por dentro dos podres da sociedade.

Verdade seja dita: alguns escândalos suntuosos foram levantados pelo jornalismo investigativo. Mas na atual crise que atravessamos, pegou de surpresa a excelente turma do jornalista-policial, que comeu respeitável mosca no caso do mensalão, denunciado por alguém de fora do esquema das redações, um deputado por sinal muito investigado pela mídia.

A dúvida é lícita: o jornalismo investigativo comeu mesmo respeitável mosca, sabendo do mensalão, sabendo de tudo, da compra de votos pelo PT para garantir votações no congresso, e não botou a boca no trombone por algum motivo obscuro; ou nada sabia de nada, o que a inocenta de qualquer manobra suspeita mas não da condição de incompetente na investigação do que é condenável nas entranhas da política e da vida pública em geral.

De qualquer modo, felicito-me por não ser um jornalista investigativo. Fico no meu canto e, tal como aquele personagem de Máximo Gorki, protesto em voz alta e me divirto em silêncio.

Fonte: Folha de S.Paulo - 05/07/2005

FRASES ILUSTRADAS


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

TROTE DEVERIA SER PROIBIDO POR MALTRATAR QUEM DEVERIA SER ACOLHIDO

Drauzio Varella

Faculdades de medicina precisam dar fim à complacência, porque os adultos sabem o que estão fazendo nessa brincadeira

Passou da hora de acabarmos com essa baixaria antiquada. Todo ano, os estudantes que ingressam nas faculdades passam por essa humilhação ridícula e violenta, fruto da boçalidade, doença contagiosa.

O último episódio foi protagonizado por alunos do curso de medicina, num jogo de vôlei em que participavam suas colegas de faculdade. Provocaram revolta as imagens daqueles moleques abaixando as calças para encenar um ato de masturbação coletiva. Segundo dizem eram calouros que obedeciam às ordens de veteranos tão estúpidos quanto eles.

O objetivo do trote é impor ao novato uma posição subalterna para submetê-lo aos caprichos dos já iniciados, tributo a pagar para entrar no grupo. O calouro aceita a experiência vexaminosa por considerá-la parte do ritual para ser aceito pelo grupo. O consolo é que no ano seguinte ele irá à forra, perpetuando a baixaria.

Como toda imposição autoritária praticada em grupo, a escalada da violência é inevitável nessas ocasiões. No meio de brincadeiras aparentemente inocentes, como impedir que um veterano imbecil seja mais agressivo? Como evitar a repetição de cenas que mais parecem sessões de tortura? Está certo fecharmos os olhos quando meninas e meninos feridos vão parar no pronto-socorro, como tantas vezes acontece?

Na faculdade em que estudei, um rapaz morreu afogado porque foi jogado numa piscina, mesmo advertindo os colegas de que não sabia nadar. Alguém foi punido pelo crime?

Numa comemoração no clube dos alunos, uma menina foi estuprada por colegas, sem que ninguém fosse preso. Teria havido essa leniência se os estupradores fossem pretos numa festa no Capão Redondo?

No passado, o trote ocorria apenas no primeiro dia de aula. Em muitas escolas, hoje, dura meses. A masturbação dos moleques na quadra esportiva ocorreu em abril, dois meses depois do início das aulas.

No interior, em que muitos moram em "repúblicas", os abusos não se limitam ao campus universitário, são entregues a domicílio no dia a dia.

Embora essa praga esteja espalhada pelo país inteiro nos cursos mais variados, a repercussão é maior quando envolve estudantes de medicina. A sociedade fica revoltada ao tomar conhecimento da selvageria e de atos indecorosos, quando praticados por aqueles que deveriam ser preparados para aliviar o sofrimento humano, a grande razão de existir da nossa profissão.

Que médico será esse que violenta os mais novos? Que não respeita as colegas de curso?

Não podemos esquecer que o médico tem acesso ao corpo do outro, relação interpessoal que exige respeito máximo. O estudante de medicina deve ser formado para assumir essa responsabilidade desde o dia em que põe os pés na sala de aula. Os professores têm o dever de prepará-lo para aprender os aspectos éticos de uma profissão que não é apenas uma ciência, mas também uma arte sem a qual formaremos maus profissionais, ainda que conhecedores das técnicas.

Essa tarefa é cada vez mais premente, a farra da abertura de faculdades de medicina dos últimos dez anos deu ao Brasil o título de vice-campeão mundial em número de faculdades de medicina. Temos mais escolas que os Estados Unidos e a China, que tem mais de 330 milhões e 1,4 bilhão de habitantes, respectivamente.

Com o descaso e os baixos salários com que a carreira universitária tem sido tratada, não temos professores capacitados para formar tantos alunos. Só a metade dos diplomados encontrará vagas para os anos de residência, os demais serão jogados no mercado de trabalho, ou seja, os mais despreparados serão aqueles que nos atenderão quando sofrermos um infarto noutra cidade ou num acidente na estrada.

As faculdades de medicina têm de dar fim à complacência diante do trote. Não é uma brincadeira de crianças, os adultos que abusam dos mais novos sabem muito bem o que estão fazendo. Dizer que o trote aconteceu fora do campus não serve de desculpa.

Medidas educativas são absolutamente necessárias, mas não suficientes: é preciso proibir e punir essa indecência que maltrata justo os que deveriam ser acolhidos de forma civilizada no ambiente universitário.

Pelas características humanitárias da profissão, as faculdades de medicina devem ser as primeiras. Talvez o exemplo ajude outras escolas a dar um fim nessas agressões gratuitas.

Fonte: Folha de S.Paulo
O homem que não comete erros geralmente não faz nada. (E.J.Phelps)

LUGARES

TOLEDO - ESPANHA
Toledo é uma cidade antiga localizada em uma colina sobre as planícies de Castilla-La Mancha, no centro da Espanha. Capital da região, ela é conhecida pelos monumentos medievais árabes, judeus e cristãos em sua cidade antiga fortificada. A cidade também foi o lar do pintor maneirista El Greco. A Porta de Bisagra, em estilo mouro, e a Porta do Sol, em estilo mudéjar, dão para o bairro antigo, onde se encontra a Plaza de Zocodover, um ponto de encontro animado. ― Google

MR. MILES

Mr. Miles

(republicação)
Um tartufo em Roma

'Bongiorno, my friends!', nos saúda alegremente mr. Miles, escrevendo sua correspondência da semana instalado em uma das mesas do Ai Tre Scalini, tradicional sorveteria da Piazza Navona, em Roma. Recém-chegado de um giro pela ilha de Ponza, na companhia de Trashie, a raposa das estepes siberianas, nosso incansável viajante britânico julgou "imprescindível" fazer uma escala na Cidade Eterna e explica o por quê:

"September is really a lovely month in Rome, my fellows. Os romanos voltam de férias - todos eles, em uníssono - consideravelmente menos agitados do que no resto do ano. Basta lhes dizer que até agora - e já estou há três dias na cidade - não fui atropelado por nenhuma motoneta e nenhum garçom me insultou por ter pedido formaggio para acompanhar meu linguine al mare (eu não sei se vocês sabem, mas eles consideram uma heresia misturar queijo parmesão a massas com frutos do mar… crazy people, aren't they?).

Besides, com menos turistas, tenho mais facilidade para dar algumas bengaladas de advertência nas pequenas ciganas que cismam em tentar furtar minha carteira - o que só ocorre nos lugares muito atraentes da cidade (que, by the way, são quase todos).

O tartufo do Ai Tre Scalini que, unfortunately, estou terminando, continua esplêndido. Pena que a garrafa de San Pellegrino esteja custando quase o mesmo preço de uma obra de Caravaggio. Tenho uma longa história de carinho por essa cidade que, em português, é um anagrama de amor e onde, I must say, aprendi muitas lições sobre a forma romana de fare l'amore, que, confesso, é muito mais diversificada do que our english way.

Mais tarde pretendo ir até as margens do Rio Tibre para ver o extraordinário poente que tinge de terracota a Ponte Umberto I e, ao fundo, a Catedral de São Pedro. Como ainda faz muito calor, vou pedir um copo de grattachecca, um prazer tipicamente romano. Trata-se daquilo que vocês, no Brasil, chamam, mais simplesmente, de raspadinha. Gelo particulado misturado com xaropes altamente calóricos. Refreshing and delicious! Antes, porém, respondo à correspondência da semana.

Olá, mr. Miles: estive recentemente em Londres e conheci algumas mulheres incríveis da Romênia, Turquia e Lituânia. Acabei ficando curioso. Vale a pena conhecer esses países? E as mulheres são todas lindas como as que eu vi? André Telhada, por e-mail

"Well, my friend: sinto-me levemente ofendido com seu comentário, of course. Afinal, você esteve na capital do meu reino e só se refere a mulheres de outras nacionalidades? Ou será que as mulheres de minha nacionalidade se destacam pela fealdade?

Quanto à sua pergunta, dear André, folgo em saber que você conheceu mulheres incríveis de três belos países que conheço muito bem e devem, claro, ser visitados.

Confesso que, durante minha vida de viajante, também tive esse prazer. Conheci amazing women de mais de 150 nacionalidades.

O que me levou a concluir, my dear, que a beleza das mulheres - bem como sua eventual falta de atrativos - é um assunto absolutamente transnacional. Grandes temas, como inteligência, estupidez, intolerância, sabedoria e, claro, mulheres atraentes, não têm nacionalidade, I presume. Mesmo assim, André, vale a pena fazer o que você está planejando. Ou seja: viajar para lugares desconhecidos e apreciar sua beleza. Mesmo que você prefira apenas a beleza de suas mulheres.

Fonte: O Estadão