Salas de uso de drogas acolhem usuários e reduzem danos
A tensão nos territórios do centro de São Paulo por onde transita o fluxo da famigerada cracolândia chegou a patamar inédito. Ações policiais, frequentes, nada solucionam. Entre mortos e feridos, o enredo se repete: pequenos varejistas da droga são rapidamente substituídos, a cena de uso migra para outra rua, segue o baile.
Entre precariedades e bombas de gás, usuários dizem viver o inferno na Terra. Moradores e comerciantes se mobilizam contra os delitos. Todos, policiais incluídos, estão desamparados diante de um problema que requer políticas de múltiplas dimensões, muito além da abordagem criminal.
E a inspiração pode vir de cidades cujos programas e equipamentos reduziram os danos.
O mais controverso deles, as salas de uso de drogas, já foi adotado em Zurique, Amsterdã, Copenhague, Lisboa, Vancouver, Nova York e Paris.
Esses espaços, onde o consumo é permitido, mas não a venda, surgiram há mais de 30 anos, na Europa, num contexto de uso público de drogas injetáveis e de epidemia de HIV-Aids.
A polícia continua a fazer seu trabalho, mas da porta para fora. Enfermeiros e assistentes sociais supervisionam o local, que parece uma clínica, e oferecem insumos básicos, mas também portas de entrada (ou de saída) para programas de acolhimento e saúde.
Nas Américas, as primeiras salas surgiram em Vancouver, em 2003, quando a persistente cena pública local reunia usuários de heroína, cocaína, metanfetamina e crack. Elas foram alinhadas a um projeto de abrigos que não exigiam abstinência para o acolhimento, o que permitiu a muitos usuários sair da situação de rua e organizar minimamente a vida.
Em um ano, a cidade verificou menos usuários em espaços públicos, menor desordem urbana, menos lixo e queda nos pequenos delitos da região.
O Brasil tem arcabouço legal para adotar esse modelo, como já demonstrou o advogado Maurides Ribeiro, doutor em direito penal e criminologia pela USP. O artigo 33 da Lei de Drogas (11.434/2006), ao contrário da norma anterior, não criminaliza a disponibilidade de local para uso. Também admite autorização ou regulação para condutas criminalizadas pela lei —caso do uso de morfina em hospitais, por exemplo.
Na ausência de lei federal que permita esse serviço de saúde, é possível criar legislação estadual ou municipal.
O foco na saúde e na assistência social ainda choca quando o assunto é o uso de drogas.
Salas de uso supervisionado dão acolhimento a uma massa de desamparados, reduzem a angústia da população que não quer conviver com o uso de drogas no espaço público e liberam a polícia para focar seus esforços contra o crime.
Fonte: Folha de S.PauloSA
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