Rodrigo Zeidan
Mesmo não sendo mentor, passe o que sabe para a próxima geração
E se você nunca teve um mentor, não sabe o que está perdendo
"Considero você meu mentor, podemos marcar reuniões recorrentes?" Essa pergunta, de um colega alemão, me deixou honrado. Fora do Brasil, a figura do mentor é comum, seja no mundo acadêmico, seja no empresarial. Muitas vezes essa relação é formal, não contratualmente, mas nas obrigações de ambos os lados.
Mentoria requer que alguém com experiência entenda os objetivos que o pupilo quer alcançar, consiga se colocar em posição semelhante e apresente alternativas de ações para o alcance do que foi planejado. Hierarquia não conta, mas sim a maturidade do mentor. E é algo estruturado, não somente quando há alguma crise.
É impressionante como a cultura americana e, de certo modo, a europeia valorizam a construção dessas relações de forma sistemática, sem que haja codependência emocional entre as partes. Mentor não precisa ser amigo nem estar na mesma área.
Obviamente, é natural que executivos sêniores ou professores catedráticos sejam mentores, mas a ideia não é formar panelinhas ou claques nas quais pupilos repetem ideias ou formam clubinhos em torno do mestre. A ideia é a de devolver para os outros o que se recebeu na sua escalada para o sucesso.
Por exemplo, um aluno marcava reuniões semanais para discutir suas escolhas, seus planos e seus erros. Ele recebeu uma oferta que parecia perfeita. Era para uma empresa multinacional chinesa, mas para trabalhar nas Américas. Como ele falava espanhol, inglês e mandarim e queria trabalhar com sustentabilidade, não poderia ser melhor. Mas a oferta era de uma mineradora, e ele estava receoso: "Não vou estar contribuindo para a destruição do planeta se trabalhar para uma mineradora?".
Ponderei que é muito mais fácil mudar o mundo por dentro do que por fora. Talvez a companhia realmente quisesse melhorar seu desempenho ambiental. Talvez ela só quisesse contratá-lo para greenwashing, para dizer para o mercado que era uma empresa melhorzinha, mas sem nenhuma vontade de fazer nada.
Ele só saberia a verdade trabalhando para a empresa. Nesse caso, poderia ficar na companhia por um ou dois anos e depois partir para outra. Todavia, teria tentado mudar o mundo da forma mais direta possível, transformando ações empresariais. Haveria riscos, é claro. O principal seria ficar confortável no emprego, repetindo slogans vazios de sustentabilidade enquanto a multinacional seguiria sem mudar coisa alguma.
Ele acabou aceitando o emprego. Depois de um ano e meio, pediu demissão e foi para uma organização não governamental americana, onde está feliz. Tentou, não conseguiu, mas gostou da experiência executiva.
No ano passado, perdi Michel Fleuriet e, nas últimas semanas, perdi Edson Peterli e Jeff Goldstein, grandes pessoas e mentores. A falta que sinto deles é gigantesca.
Como me disse Marti Subrahmanyam, um dos principais pesquisadores de finanças do mundo, "99% do seu impacto vai vir dos seus alunos e pupilos, porque, em 50 anos, ninguém vai ler os seus artigos".
Infelizmente, já vi muitos casos de professores que usam alunos como peões, tratando-os como se não importassem, quando, ao contrário, são a única coisa que importa.
É possível que ninguém se lembre de nenhuma coluna que venha a escrever. Mas, se puder ajudar alguém a tentar mudar o mundo para melhor, já valeu a pena. Se você nunca teve um mentor, não sabe o que está perdendo. Ainda assim, passe o que sabe para a próxima geração. Não vai se arrepender.
Fonte: Folha de S.Paulo
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