sexta-feira, 22 de setembro de 2023

MOSTRANDO UM OUTRO LADO DA HUMANIDADE

Alex Melo

Em vinte anos de trabalho voluntário na Fundação Casa, aprendi muito mais do que ensinei

Idealizador da ONG Meu Sonho Não Tem Fim, que possibilita que cada cidadão se torne um agente de transformação na sociedade

Há vinte anos realizei a primeira palestra "Vinha de Sonhos" em uma unidade da Fundação Casa. A iniciativa é um dos projetos da ONG Meu Sonho Não Tem Fim, trabalho voluntário criado em 1986, quando eu tinha quinze anos de idade.

Após a palestra, tive a impressão de que aqueles jovens questionavam a legitimidade de minha presença em seu espaço. No entanto, descobri que aquela impressão inicial é uma "casca de proteção", uma forma deles se protegerem frente a uma sociedade que insiste em discriminá-los e excluí-los.

Deixei com a administração da unidade um exemplar do nosso primeiro livro de parábolas, intitulado "As Reflexões de Um Sonho que Não Tem Fim", composto de narrativas com forte apelo moral e mencionei que as histórias contadas durante o evento estavam no livro.

Naquele momento terminava meu primeiro contato com eles. Na semana seguinte recebi uma ligação de um dos responsáveis pela unidade dizendo como eu havia mexido com a cabeça dos internos.

Isso porque ao término da aula de música pediram que o professor lesse uma reflexão do livro do "Tio Alex" para que pudessem compreender como poderiam melhorar como seres humanos.

O impacto deste feedback foi profundo e novas ações junto a Fundação Casa foram idealizadas, despertando em mim o desejo de um novo livro, com um número maior de reflexões e possibilidades de questionamentos e ensinamentos.

E assim foi criado o livro "Um Sonho que Não Tem Fim", que se tornou uma importante ferramenta da organização. Uma nova palestra foi agendada e fiz questão de entregar-lhes o primeiro exemplar desta nova publicação. Estas palestras geraram outras iniciativas em diversas unidades.

Magda Marante, assistente social da unidade Fazenda do Carmo, testemunhou o efeito positivo daquela ação com os adolescentes. Entre eles uma feira cultural, em que os internos criaram cartazes e relatórios que descreviam a vida e o legado de Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Betinho e Zilda Arns — personalidades que motivaram suas próprias vidas.

Ela contou ainda que criaram uma peça de teatro com apresentações dentro e fora das unidades com os adolescentes caracterizados como "grandes sonhadores". E utilizaram as parábolas e reflexões dos livros da organização em atividades do dia a dia com adolescentes, funcionários e professores das unidades.

Todas as vezes em que estive com aqueles jovens sempre deixei claro que não estava ali para passar a mão na cabeça deles ou julgá-los.

Minha tarefa era mostrar que existe um outro lado da humanidade e que, possivelmente, a maioria deles ainda não tivera a oportunidade de conhecer —exemplos que poderiam guiá-los em suas caminhadas.

Acredito nesta força de transformação que a ONG propicia ao dar oportunidade para que todo cidadão se torne um agente de transformação na sociedade.

Nestes trinta e cinco anos de trabalho voluntário, recebi muito mais do que doei. Aprendi muito mais do que ensinei. E uma das maiores lições foi a de que crianças e jovens tornam-se para uma sociedade segundo a educação e o carinho que recebem, uma recompensa ou um castigo.

Fonte: Folha de S.Paulo

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