Ruy Castro
Arrisquei que 'Um Corpo que Cai' continuaria em 1º lugar entre os 100 maiores filmes do cinema; mas ele caiu para 2º, e eu caí do cavalo
Há algumas semanas, arrisquei aqui o resultado de 2022 da enquete que a revista inglesa Sight and Sound promove de dez em dez anos, pedindo a centenas de críticos de cinema suas listas dos dez maiores filmes de todos os tempos. Tabulando as últimas enquetes, escrevi que "Um Corpo que Cai", de Hitchcock, 1º lugar na lista de 2012, manteria o posto que conquistara depois de 50 anos de reinado de "Cidadão Kane", de Orson Welles. Pois a lista de 2022 acaba de sair e vejo que errei feio. "Um Corpo que Cai" caiu para 2º, ultrapassado por um filme com que ninguém contava: "Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles" (1976), da belga Chantal Akerman —no Brasil, apenas "Jeanne Dielman"—, que, na enquete de 2012, figurara em modesto 35º lugar. Perdão, ouvintes.
Não fui o único a cair do cavalo. Glenn Kenny, veterano crítico americano, é de opinião que todos que escolheram "Jeanne Dielman" em 1º imaginaram ser os únicos a votar nele e devem ter se espantado ao vê-lo vencedor. Mesmo porque, até então, nunca um filme saltara de tão longe para o 1º lugar de uma só vez. O contrário, sim, é comum: "Ladrões de Bicicletas", de Vittorio de Sica, campeão em 1952, está hoje em 41º; "A Aventura" de Antonioni, 2º lugar em 1962, caiu para 72º; e, acredite ou não, cineastas como Howard Hawks, John Huston e Luís Buñuel, lendas do cinema, já não têm um único filme entre os 100.
Pelo menos previ também que os novos 100 incluiriam filmes sobre temas a que, historicamente, o cinema nunca deu muita atenção, como racismo, feminismo e homofobia. Pois agora há vários, e todos feitos no século 21. Uma das razões para isso foi o crescimento da enquete, de 800 para 1600 votantes. Era inevitável que a maioria desses novos eleitores, nascida dos anos 70 para cá, trocasse muitos dos cineastas clássicos por outros mais sintonizados com seu universo.
Nunca assisti a um filme de Chantal Akerman, embora falem maravilhas dela, e a estrela de "Jeanne Dielman" seja Delphine Seyrig, de quem sou devoto. Aliás, estou em falta não só com Chantal, mas com vários diretores modernos. Mas ainda há tempo para me atualizar. Prometo ir atrás de todos os filmes de Djibril Diop Mambéty, Bong Joon Ho e Apichatpong Weerasethakul.
Fonte: Folha de S. Paulo
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