Carlos Heitor Cony
Atravessamos um tempo curioso, tempo dos lamentos e das desculpas. A Igreja Católica pediu desculpas a Galileu e às vítimas da Inquisição. O Japão pediu desculpas pelos massacres contra os chineses numa das guerras mais estúpidas da humanidade. A Inglaterra também pediu desculpa à família do brasileiro assassinado por engano em Londres.
Lula pediu desculpa pela onda de corrupção em que seu partido e alguns de seus auxiliares estão envolvidos. Eu também peço desculpa por tudo de mau que escrevo, com a agravante de também escrever mal.
Além das desculpas, é tempo de lamentos. O mais recente foi o do presidente Bush, ao abraçar uma adolescente desabrigada pela tragédia em Nova Orleans. A foto é comovente: a moça, da classe mais humilde da sociedade norte-americana, tendo perdido pai, mãe e irmãos na tragédia, abraça-se ao presidente, apoiando-se em alguma coisa que lhe parecia sólida: a imagem do poder supremo do país em que nascera e no qual espera continuar vivendo.
Com a cara desolada, que ele reserva para momentos iguais, o presidente se deixa abraçar, mantém por um tempo aquele abraço, e com voz séria, solidária, diz apenas que "lamenta" o que aconteceu com a moça.
Deve ter dito o mesmo, repetido o mesmo lamento a outras pessoas que o abraçaram ou que ele próprio abraçou: lamento, lamento, lamento. Mas a tragédia de Nova Orleans transcende a um lamento, ainda que a um lamento presidencial. Ficamos estarrecidos com a realidade terceiro-mundista de um Estado que integra a nação mais poderosa do mundo.
Independente do furacão que atingiu a cidade, como entender a pobreza e até mesmo a miséria e o abandono de tantos cidadãos marginalizados dentro da sociedade mais abastada, tecnologicamente mais adiantada?
Fonte: Folha de S.Paulo - 06/09/2005
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