quinta-feira, 31 de agosto de 2023

STARLINK SE ESPALHA NA AMAZÔNIA

Ronaldo Lemos

Chegada da conectividade por satélites de baixa órbita à região é fenômeno complexo

Há um fator de mudança se espalhando pela região amazônica. Trata-se da chegada da conexão à internet com banda larga trazida por satélites de órbita baixa. A principal empresa em expansão na região é a Starlink, projeto de Elon Musk. Curiosamente, a imprensa brasileira (e internacional) tem destacado só o lado problemático dessa conexão, que é o fato de ela estar sendo utilizada nos garimpos ilegais.

No entanto, visitando a região (para gravar a 7ª temporada do "Expresso Futuro"), dá para ver que o impacto é muito mais amplo. A nova tecnologia está sendo utilizada em regiões remotas por comunidades e povos indígenas, inclusive por escolas. Iniciativas de comunicação local usadas por diversos povos originários estão migrando do rádio para internet, como me relatou Juliana Albuquerque, do povo baré, que atua na rede de comunicação Wayuri.

O uso chegou até os barcos. Por exemplo, para ir de Manaus a São Gabriel da Cachoeira, a rota de barco "expressa" dura cerca de 24 horas. O trajeto pode ser feito hoje em embarcações que oferecem conexão de alta velocidade aos passageiros via wi-fi, usando para isso o serviço da Starlink.

A conexão se expande tão rápido que as lideranças locais já começam a debater seu impacto cultural, especialmente com relação às crianças. Há líderes preocupados se as crianças poderão perder o contato com modos de vida local por causa disso. Esse debate é importante. As decisões sobre o que cada povo originário vai fazer com a chegada da internet podem trazer lições para todos nós.

Conectar a região amazônica à rede não é um objetivo recente. Muitos projetos vinham ocorrendo nesse sentido. A conexão por satélite já existe há algum tempo, através do projeto Gesac, mas com velocidades muito baixas. O exército também possui o projeto Amazônia Conectada, com 1.900 quilômetros de fibra óptica subfluvial conectando Manaus a nove municípios.

Conectar a região amazônica é o santo graal do desenvolvimento da região. Pode trazer oportunidades, expandir a economia do conhecimento (inclusive local) e propelir projetos de educação.

No entanto, a conexão provida pela Starlink (e outras empresas que usam satélites de baixa órbita) pode trazer problemas. O primeiro deles é de dependência. A região amazônica é estratégica e essencial para o país. Não é desejável que uma de suas infraestruturas mais cruciais seja provida por um fornecedor dominante, cujos serviços terão impacto profundo nas atividades da região.

A outra questão estratégica envolve dados. O site da Starlink possui uma ampla e detalhada política de dados, em que a empresa descreve as informações que coleta, que podem incluir identidade, localização e até hábitos de navegação.

Até agora os dados estratégicos sobre a região amazônica eram detidos pelo Brasil. Pela primeira vez, organizações privadas que operam satélites poderão ter dados mais detalhados da região do que o próprio país.

Outra questão é o cumprimento de leis locais. O Brasil tem não só a Lei de Proteção de Dados mas também o Marco Civil da Internet, que veda que provedores de conexão possam "monitorar ou analisar o conteúdo" dos dados trafegados.

Em outras palavras, a chegada da conectividade por satélites de baixa órbita à Amazônia é um fenômeno complexo, cujas repercussões estamos só começando a entender.

Fonte: Folha de S.Paulo
A verdadeira arte da memória é a arte da atenção. (Samuel Johnson, poeta inglês, 1709-1784)

LUGARES

GRAINAU - ALEMANHA
Grainau é um município da Alemanha, localizado no distrito de Garmisch-Partenkirchen, no estado de Baviera. Wikipédia

NÃO TROPECE NA LÍNGUA

 

Número: 009
Data: 27/12/2017
Título: XÉROX OU XEROX E OUTROS PARES + PRONOME RELATIVO

As duas formas podem ser usadas: se você pronuncia como palavra oxítona, escreva xerox, sem o acento gráfico, a exemplo de outras marcas registradas que se tornaram nomes comuns, como pirex, gumex, perfex, durex etc. Mas é possível acentuar o vocábulo, xérox, de acordo com a norma ortográfica relativa às paroxítonas terminadas em X, tal qual fênix, ônix, látex e dúplex (também pronunciado como oxítona: duplex).

Quando existem alternativas de pronúncia e escrita, é bobagem ficar corrigindo as pessoas que falam ou escrevem diferente da gente. Deixando a escolha a cada um, vejamos outros casos de dupla grafia ou de uso optativo entre duas formas de se expressar:

. assoalho e soalho
. a maquinaria e o maquinário [mas não *a maquinária]
. abdome e abdômen
. aluguel (pl. aluguéis) e aluguer (pl. alugueres, sobretudo em Portugal)
. aterrissar e aterrizar [formação vinda de aterrar + sufixo izar, eis uma forma conciliadora para quem prefere a pronúncia com som de Z]
. bile e bílis
. de pé e em pé [no sentido de estar ereto sobre os próprios pés, não sentado nem deitado, enquanto “ir a pé” significa deslocar-se sem veículo algum].
. destrinçar e destrinchar
. garçom (pl. garçons) e garção (pl. garções)
. germe e gérmen
. hidrelétrica e hidroelétrica
. humo e húmus
. infarto e enfarte  [mas não *infarte]
. maquiagem e maquilagem
. mestria e maestria
. nuança e nuance
. porcentagem e percentagem
. quadriênio e quatriênio
. quatorze e catorze
. quociente e cociente
. quota e cota
. termelétrica e termoelétrica
. vitrina e vitrine

REGÊNCIA VERBAL: FALTA DA PREPOSIÇÃO

          *Sabe aquele lugar que você planejava viver no futuro? A inauguração é hoje.

Assim foi escrito no lançamento de um condomínio na capital catarinense. A construtora se preocupou com os “apartamentos totalmente mobiliados”, mas a agência de propaganda falhou na redação do texto. O correto de acordo com a norma-padrão seria:

Sabe aquele lugar em que você planejava viver no futuro?

Isso porque o verbo viver reclama a preposição em [você vive em um lugar], que deve aparecer nitidamente na frase. Neste caso, a preposição se desloca para a frente do pronome relativo que, que introduz a oração subordinada na qual se encontra o verbo que rege a preposição. Outros exemplos:

A marca em que você sempre confiou está de volta. [confiar em]

Só faço as coisas de que gosto. [gostar de]

Não publicou as notas mais importantes a que me referi. [referir-se a]

Ninguém precisou se perguntar a que pressões aludia o presidente. [aludir a]

A gramática interior do falante lhe permite saber a preposição adequada a cada situação. É natural dizermos “confiou na marca, gosto de coisas boas, eu me referi a notas importantes, ele aludia a pressões”; porém, é preciso um bom ouvido para reconhecer a falta da preposição quando ela está distante do verbo. Nem todas as pessoas, por exemplo, sentem que o slogan da Texaco [*O posto que você confia] fere as normas gramaticais. Mas seria muito bem-vinda a retificação da frase para “o posto em que você confia”.

Na fala cotidiana a tendência é simplificar deixando de lado essas particularidades. Todavia, quem quer escrever de acordo com o padrão culto formal não pode omitir essa preposição que antecede o pronome relativo.

Instituto Euclides da Cunha
Luiz Fernando de Queiroz, diretor
Rua Marechal Deodoro, 235 cj. 1204
CEP 80020-907 - Curitiba - PR
Fone (41) 3223.6543

Fonte: https://www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

POUPAR PARA A APOSENTADORIAOU PARA A FACULDADE DO FILHO, QUAL DEVE SER SUA PRIORIDADE?


Existem quatro razões para justificar a escolha de qual objetivo priorizar

Naturalmente, não temos o instinto de poupança, nem mesmo para alimentos. A estocagem de alimentos surgiu como uma necessidade. Esse é o problema sempre que não enxergamos a necessidade. Não é simples enxergar as prioridades e necessidades do que precisa ser feito com o dinheiro. Quando nasce um filho, a necessidade fica muito clara. Entretanto, o erro vem em não visualizarmos adequadamente o que deveria ser a prioridade.

Quando nasce sua criança, você já imagina fazer tudo para dar o melhor a ela.

Uma das necessidades básicas de todos nós é uma educação melhor. Você sabe disso.

Entretanto, o melhor não custa pouco e pode sair ainda mais caro dependendo das escolhas dela. Desta forma, a maioria dos pais logo pensa em poupar para a faculdade. A necessidade faz a coisa acontecer.

O Tesouro Nacional junto com a B3, na plataforma do Tesouro Direto lançaram na semana passada o título Educa+ para ajudar pais com esta necessidade. A proposta é muito interessante, mas pode desvirtuar o que deveria ser prioridade.

Assim como o título Renda+ procura facilitar o processo de planejamento e poupança de um indivíduo para sua aposentadoria, o Educa+ visa o pagamento da futura faculdade de seus filhos.

É fácil ver a necessidade de financiar a faculdade de um filho. Já a aposentadoria, costuma ser colocada de lado e encarada como algo que pode esperar.

Lógico que o melhor seria poupar para os dois objetivos. Entretanto, nem sempre isto é possível. Assim, escolhas precisam ser feitas.

Portanto, qual deveria ser sua prioridade de poupança, a faculdade para os filhos ou sua aposentadoria?

Fiz esta pergunta em meu Instagram e para minha surpresa, 71% dos que responderam concordaram comigo

Poupar para sua aposentadoria é mais importante que para a faculdade de seu filho.

Muitos pais podem dizer que eu afirmo isso porque eu não tenho filho. Realmente, não tenho filho. Gosto de pensar que isto me ajuda a pensar mais racionalmente nesta questão.

Talvez, você imagine que esta atitude de priorizar sua aposentadoria seria egoísta, mas é o contrário. Vou explicar em seguida porque não é.

Há quatro motivos que justificam a poupança para a aposentadoria ser sua prioridade:
I – Seu filho pode contrair um financiamento para custear a faculdade, mas você nunca vai conseguir empréstimo para financiar sua aposentadoria;
II – A aposentadoria demanda um maior esforço de poupança. Se você poupar de forma disciplinada visando sua aposentadoria, em 17 anos, quando seu filho for para a faculdade, você vai ter mais que o suficiente para ajudar ele se assim for preciso e você desejar;
III – Se você poupar apenas para a faculdade, corre um grande risco de ao chegar no momento da faculdade, o valor poupado não ser suficiente para a faculdade e você estar muito atrasado para iniciar a poupança para sua aposentadoria;
IV – Como um bom pai, você não deveria desejar ser um peso financeiro para seu filho. Em muitas famílias, no instante em que o filho está constituindo sua família, os pais estão se aposentando. Nenhum filho vai deixar os pais passarem dificuldade. Então se você não poupou o suficiente, seu filho vai ter de fazer um esforço duplo. Assim, poupar para sua aposentadoria é aliviar uma futura preocupação para seus filhos. Lembre-se que, no futuro, este esforço será ainda maior, pois estamos vivendo mais.

Portanto, da mesma forma que no avião em que você é orientado a colocar sua máscara de oxigênio primeiro antes de colocar na criança ao seu lado, também nos investimentos, primeiro você deve salvar sua aposentadoria.

*Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.

Fonte: Folha de S.Paulo
A ira jamais nasce sem causa, rara vez a causa é boa. (George Savile – Lord Halifax – escritor político inglês, 1633-1695)

LUGARES

ALBEROBELLO - ITÁLIA
Alberobello é uma comuna italiana da região da Puglia, província de Bari, com cerca de 10.855 habitantes. Estende-se por uma área de 40 km², tendo uma densidade populacional de 271 hab/km². Faz fronteira com Castellana Grotte, Fasano, Locorotondo, Martina Franca, Monopoli, Mottola, Noci. Wikipédia

PERDÃO, OUVINTES

Ruy Castro

Arrisquei que 'Um Corpo que Cai' continuaria em 1º lugar entre os 100 maiores filmes do cinema; mas ele caiu para 2º, e eu caí do cavalo

Há algumas semanas, arrisquei aqui o resultado de 2022 da enquete que a revista inglesa Sight and Sound promove de dez em dez anos, pedindo a centenas de críticos de cinema suas listas dos dez maiores filmes de todos os tempos. Tabulando as últimas enquetes, escrevi que "Um Corpo que Cai", de Hitchcock, 1º lugar na lista de 2012, manteria o posto que conquistara depois de 50 anos de reinado de "Cidadão Kane", de Orson Welles. Pois a lista de 2022 acaba de sair e vejo que errei feio. "Um Corpo que Cai" caiu para 2º, ultrapassado por um filme com que ninguém contava: "Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles" (1976), da belga Chantal Akerman —no Brasil, apenas "Jeanne Dielman"—, que, na enquete de 2012, figurara em modesto 35º lugar. Perdão, ouvintes.

Não fui o único a cair do cavalo. Glenn Kenny, veterano crítico americano, é de opinião que todos que escolheram "Jeanne Dielman" em 1º imaginaram ser os únicos a votar nele e devem ter se espantado ao vê-lo vencedor. Mesmo porque, até então, nunca um filme saltara de tão longe para o 1º lugar de uma só vez. O contrário, sim, é comum: "Ladrões de Bicicletas", de Vittorio de Sica, campeão em 1952, está hoje em 41º; "A Aventura" de Antonioni, 2º lugar em 1962, caiu para 72º; e, acredite ou não, cineastas como Howard Hawks, John Huston e Luís Buñuel, lendas do cinema, já não têm um único filme entre os 100.
Pelo menos previ também que os novos 100 incluiriam filmes sobre temas a que, historicamente, o cinema nunca deu muita atenção, como racismo, feminismo e homofobia. Pois agora há vários, e todos feitos no século 21. Uma das razões para isso foi o crescimento da enquete, de 800 para 1600 votantes. Era inevitável que a maioria desses novos eleitores, nascida dos anos 70 para cá, trocasse muitos dos cineastas clássicos por outros mais sintonizados com seu universo.

Nunca assisti a um filme de Chantal Akerman, embora falem maravilhas dela, e a estrela de "Jeanne Dielman" seja Delphine Seyrig, de quem sou devoto. Aliás, estou em falta não só com Chantal, mas com vários diretores modernos. Mas ainda há tempo para me atualizar. Prometo ir atrás de todos os filmes de Djibril Diop Mambéty, Bong Joon Ho e Apichatpong Weerasethakul.

Fonte: Folha de S. Paulo

FRASES ILUSTRADAS

terça-feira, 29 de agosto de 2023

CAÇA ÀS PALAVRAS VERSÃO BETA

José Horta Manzano

A briga é antiga. Cochila sossegada por anos até que, de repente, desperta de sobressalto, assim que algum esperto decide redescobrir o trovão e reinventar a pólvora.

O episódio que vou narrar se desenrolou no início da década de 1960. Naquela época, gramáticas e dicionários assinados pela equipe de Francisco da Silveira Bueno (1898-1989) eram adotados nas escolas oficiais. O Silveira Bueno foi precursor do Houaiss e do Aurélio.

Em meados de 1961, por iniciativa de um advogado carioca influente junto ao governo federal, uma comissão foi nomeada especialmente para avaliar a ‘perniciosidade’ de manter no dicionário Silveira Bueno certos vocábulos julgados ofensivos.

Os tempos eram outros. As preocupações não eram as de hoje. Ninguém podia prever, por exemplo, que um dia existiria a sigla LGBT e as preocupações que a acompanham. A ênfase não era posta em assuntos sexuais, como hoje. Aliás, pouco se falava de sexo, que não era assunto de salão. Ainda que, à boca pequena, se cochichassem comentários sobre certos comportamentos sexuais fora dos padrões, oficialmente dava-se de barato que todos se conformavam com a norma, sem rebeldia nem fantasia. A briga com os dicionários era de outra natureza.

Os verbetes incriminados, aqueles que podiam perturbar a “mente inocente” dos jovens que consultavam a obra, eram: judeu, judiar, negro, favela, panamá, jesuíta.

Na época, a palavra judeu era polissêmica, ou seja, tinha mais de um significado. Além de designar a religião ou a etnia, também designava um usurário, avarento, negocista – acepção pouco usual nos dias de hoje. O verbo judiar, embora bastante utilizado na linguagem de todos os dias, lembrava os maus tratos infligidos aos judeus nos tempos sombrios da Santa Inquisição.

Negro sempre simbolizou coisa infeliz, como hora negra, sorte negra, nuvens negras, sentimentos negros. A proposição da comissão era eliminar(!) do dicionário a palavra negro e substituí-la por preto. Mas os tempos mudam, senhores! Fosse hoje, a discussão talvez viesse com sinais invertidos. É que, meio século atrás, chamar alguém de “negro” podia ser tomado como xingamento pesado. O certo era dizer preto. Veja como as coisas mudam.

Favela, que também tinha a acepção de “lugar de malandros e vagabundos”, deveria ser cortada do dicionário. Panamá como sinônimo de negócio podre era outra a banir. (Essa acepção se referia à Cia. do Canal do Panamá, que faliu estrepitosamente no fim do século XIX, fato hoje caído em completo esquecimento.)

Havia mais. A comissão implicou ainda com o verbete jesuíta. (Francamente, parece que tinham fixação com religião.) De fato, entre os significados do termo, dicionários mencionavam (e ainda mencionam) finório, astuto. Segundo a comissão, a palavra podia até ficar, mas essa menção tinha de desaparecer.

Pra encurtar, não deu em nada. O presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo poucas semanas depois, e, da comissão, ninguém mais ouviu falar. A um repórter, Silveira Bueno, o “dono” do dicionário, afirmou que, de qualquer maneira, os verbetes não seriam retirados em hipótese nenhuma. O futuro confirmou a afirmação. Estão todos lá, alguns em morte cerebral, mas de coração batendo.

São os falantes que fazem a língua, não os dicionários. Acusar o “pai dos burros” é caminho equivocado. Seria como se um internauta, desagradado com os spams que recebe, quebrasse a tela do computador. Não veria mais nada, mas as mensagens indesejáveis continuariam a se acumular em sua conta email.

Encobrir a realidade é perda de tempo e de esforço, que ela sempre acaba aparecendo. Você a expulsa pela porta, ela volta pela janela.

Fonte: brasildelonge.com
Nem tudo que é lícito é honesto. (provérbio romano)

LUGARES

MANAROLA - ITÁLIA
Manarola é um distrito da comuna de Riomaggiore, na província de la Spezia. É uma das localidades que constituem as famosas Cinque Terre, um dos trechos de maior atração turística da Riviera da Ligúria. Wikipédia

ROMANCE FORENSE

Os advogados pamonhas

O profissional da advocacia estava aborrecido com a pífia prestação jurisdicional: metade das vezes – ou mais até - seus pedidos não eram sequer examinados pelos estagiários e assessores (aliás, leia-se ´magistrados´).

O advogado lascava, então, petições de embargos de declaração que, desacolhidos, muitas vezes resultavam em multa por litigância de má fé.

Numa ação de revisão contratual, a sentença superficial foi de improcedência.

Na convicção de que a petição de apelação (19 laudas) não seria sequer lida, o advogado embutiu, bem no início da lauda de nº 8, um raciocínio sutil:

“Senhores julgadores, espero que entendam o que aqui faço e que não seja punido por tal ato de respeitosa crítica, mas há tempos os advogados vêm sendo desrespeitados por magistrados, que sequer se dão ao trabalho de analisar os pleitos que apresentamos. Nossas petições muitas vezes não são lidas com a atenção necessária. Assim, se somos tratados como ´pamonhas´, nada mais justo do que trazer aos autos a receita desta tão famosa iguaria”.

Foi adiante:

“Os interessados em experimentar a delícia devem ralar, cortando os grãos de milho rente ao sabugo, passando-as no liquidificador, juntamente com a água. Em seguida, acrescentem o coco, o açúcar e mexam bem, colocando a massa na palha de folha de bananeira, e amarrando com firmeza. A seguir coloquem em uma panela grande, fervam bem a água, e depositem as pamonhas uma a uma, após a fervura completa da água.”

E acrescentou:

“A estagiários, assessores e magistrados das pequenas e grandes comarcas e cortes, informo doutrinariamente que a pamonha é um quitute genuinamente brasileiro, provavelmente descendendo da culinária indígena”

O arremate foi perolar: “E no sentido figurado, pamonha é a pessoa sem iniciativa, moleirona, boba”.

* * *

O recurso de apelação foi improvido. Estagiários, assessores e desembargadores passaram ao largo da provocação e não dedicaram uma linha sequer ao enfrentamento da ´pamonhice´.

E a ementa do acórdão foi objetiva:

“Ação de revisão de contrato. Tese da inicial inaceitável. Argumentos recursais que não infirmam os ajustes contratuais que não afrontam o Código de Defesa do Consumidor. Apelação a que se nega fundamento, pelos próprios judiciosos fundamentos usados pelo eminente juiz de primeiro grau”.

Já transitou em julgado. 

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

FUGIR DA MALA SEM ALÇA


Viajar somente com bagagem de mão ajuda a aliviar o perrengue do aeroporto

O viajante frequente já sabe: um dos maiores perrengues da viagem é a inevitável convivência com o aeroporto. Quando tem escala então... é calvário na partida, na escala, na chegada.

Para mim, uma das formas de driblar, ou amenizar, os transtornos, é reduzir a bagagem.

Os manuais de escrita jornalística ensinam que menos é mais —quanto mais sintético o texto, melhor: vale o mesmo para sua mala. Eu tento reduzi-la a uma bagagem de mão, para levar dentro do avião.

Há um inconveniente: se você tem uma ou mais escalas, terá que arrastar-se com aquela mala entre os voos. Mas fora isso... o resto é só alegria.

Acho que há um limite de dias de viagem que você consegue entuchar numa só mala. No meu caso, de viagens curtas, menos de uma semana, fica mais fácil. Mas há quem consiga viajar um mês (ou mais!) sem malas para despachar. Se são aventureiros que passarão por muitos aeroportos, isso pode ser uma bênção. Se você quiser saber como fazer, e adorar fanáticos unitemáticos (e com um tema tão pouco sexy como este), busque a comunidade do Reddit chamada... onebag, claro.

Menos centrado, quero apenas a praticidade de evitar doses extras de cansaço e estresse no aeroporto. Então me fixo em poucas regras.

Não cheguei ainda à perfeição do chef Ferran Adrià. Certa vez fomos juntos de Lima a Nova York. Ele já estava havia alguns dias no Peru, vindo da Espanha, e ficaríamos outro tanto em Nova York. Fiquei surpreso quando, no aeroporto, vi que ele não despachara mala e levava consigo apenas uma maletinha.

Seu segredo: durante os sete dias usava o mesmo paletó e o mesmo sapato. E na maleta havia apenas uma calça e roupa de baixo: no hotel, a cada noite ele colocava a roupa do corpo para lavar, usava a que estava limpa e no dia seguinte repetia o ritual.

Como uso roupas parecidas, até poderia fazer algo do tipo —não fosse o preço (que no dia seguinte conferi) das lavanderias de hotel.

Eliminada essa opção por motivos financeiros, voltei à minha regra básica: leve menos roupa do que acha que precisa. Até hoje, por mais econômico que eu seja, eu sempre volto com roupas que não usei. Então acredite: vai usar menos —então leve menos. No frio, você pode trocar a camiseta suada, mas a camisa... dá pra usar de novo. Não precisa de uma por dia.

Detalhe: uso mala com aquele zíper extensível, que permite, se necessário, aumentar seu espaço na volta. O problema é usar o espaço extra para trazer garrafas... aí tem que despachar mesmo, salvo raríssimas exceções (como o aeroporto de Mendoza).

Ok, você conseguiu não perder tempo em filas para despachar mala nem nas esteiras de bagagem. Isso te dá mais tempo para ficar no aeroporto —atormentado naquele ambiente de zumbis estressados. Ok, se você viaja uma vez por ano, pode ser curioso: no passado, viajante neófito, eu já me encantei pelas lojas, pelos diferentes idiomas ressoando, por pedir cerveja em outra língua.

Mas hoje, em viagens curtas, com o trabalho me esperando logo ali no fim da linha, limitei minha paciência. E considerando que estarei arrastando minha mala pelos corredores, fica ainda menos atraente este tempo de espera.

Para amenizá-lo, um truque é tentar concentrar sua milhagem aérea numa só companhia: com isso, ganhando um status superior no programa de pontos, mesmo viajando em classe econômica você poderá ter facilidades, como usar salas vip ou enfrentar menos filas de embarque, mitigando os tempos de espera.

Repito que, numa viagem eventual, todos os perrengues podem parecer uma aventura. Repetir essas rotina várias vezes por ano não: vale a pena reduzir os contratempos.

Fonte: Folha de S.Paulo
Vamos agradecer aos idiotas. Não fosse por eles não faríamos tanto sucesso. (Mark Twain)

LUGARES

SALZBURG - ÁUSTRIA
Praça Mozart
Nome localMozartplatz
LocalizaçãoSalzburgo, Áustria

Uma das praças mais visitadas da cidade. É fotografada com muita frequência, pois possui uma estátua dedicada a Mozart. Mesmo sem planejar, pode-se tropeçar neste lugar, pois é considerado o centro da Cidade Velha.

INTUIÇÃO

Martha MedeirosMartha Medeiros

Todos têm, até os que a desconsideram. Também conhecida por sexto sentido, é algo abstrato que surge do nada e se acomoda no seu íntimo

Você não sabe explicar. Segundos antes de decidir se deve ou não se intrometer numa conversa, se deve ou não aceitar um convite, se deve ou não reagir, passa por sua cabeça um pensamento rápido que não chega a ser organizado em palavras. Antes de você considerar as opções usando a lógica, é atingido por um lampejo que prevê o desfecho antes mesmo de você analisar a situação. É como se alguém lhe assoprasse no ouvido: não vai funcionar, fique fora disso, não é pra você.

Você escuta essas frases ditas sem voz e vindas de um lugar sem nome. Como chamar essa percepção tão fugaz? Chame de intuição. Todos têm, até os que a desconsideram. Também conhecida por sexto sentido, é algo abstrato que surge do nada e se acomoda no seu íntimo, mesmo sem aplicação imediata.

A intuição não é soberana, dá suas furadas. Mas quando acerta, até assusta.

Não sou de ter muitas, não dou espaço, elas podem me deixar na defensiva, e, sinceramente, não tenho mais tempo a perder com medos infundados. Mas havia uma intuição que andava colada em mim há alguns anos. Uma intuição consistente. Eu não tinha motivo para pensar muito no assunto, ninguém me exigia um posicionamento, mas mesmo assim aquela intuição grudou em mim como se aguardasse uma convocação para qualquer momento. Eu sabia que seria difícil levá-la em consideração se a ocasião surgisse.

Surgiu. Eu precisava dar uma resposta durante um telefonema inesperado, sem chance de pedir cinco minutos para pensar. Estavam todos prontos para o meu sim. O meu sim era dado como certo. Não poderia haver outra resposta, só se eu fosse maluca. E como não sou maluca (não muito), respondi: sim.

Minha intuição ficou uma arara. Sentiu-se desprestigiada. Depois de anos me preparando para aquele momento, anos me dizendo em silêncio “não vá”, “não encare”, “não é pra você”, quando chegou a hora, não dei ouvidos a ela. Ora, se eu a obedecesse, nunca saberia o que viria depois. Ficaria me perguntando se eu não teria sido medrosa, se eu não teria sido uma boba. Por isso, disse sim, fechei os olhos e fui.

Bem feito pra mim.

Minha intuição não foi comigo assistir ao estrago, ficou em casa esperando eu retornar. Quando eu abri a porta de casa, estava ela esquentando minha cama com a sentença que eu não queria ouvir: “avisei”.

Subiu de escalão, minha intuição. Ela me conhece de um jeito que eu não me conheço. É comum a gente formular teorias a respeito de si mesmo e achar que isso basta. Só que teorias não sustentam nossas precariedades. Quando sentimos algum desamparo, vale dar mais atenção aos lampejos fugazes do que às nossas certezas pré-fabricadas.

A intuição nada mais é que um lembrete: respeite o que ainda há de inocência em você.

Fonte: Zero Hora

FRASES ILUSTRADAS

domingo, 27 de agosto de 2023

NOS ANOS 1960, RÁDIO MULHER ERA FEITA SÓ POR MULHERES

Marcelo Duarte

Aos finais de semana, conteúdo era focado no futebol e tinha microfone rosa nos gramados; Claudete Troiano narrava jogos

Neste domingo (20), a partir das 7h da manhã (horário de Brasília), Inglaterra e Espanha decidem a Copa do Mundo de Futebol Feminino, no Estádio Olímpico de Sydney, na Austrália (a competição foi organizada em conjunto com a Nova Zelândia).

Pois eu adoraria ouvir essa final pelas ondas da Rádio Mulher.

Rádio Mulher?! Que rádio é essa?

Foi uma ideia revolucionária do araraquarense Roberto Montoro. Em 1969, ele comprou a rádio Santo Amaro 930 AM e a transformou, no ano seguinte, em Rádio Mulher. Diariamente, a Rádio Mulher transmitia programas com conteúdos totalmente voltados às necessidades e aos gostos femininos (ou o que, naquela época, se considerava assunto feminino).

Aos finais de semana, no entanto, a grade da programação era voltada principalmente para o futebol.

Como eram as transmissões dos jogos?

Tudo era feito por mulheres. De microfone rosa nos gramados paulistas, a repórter Germana Garilli entrevistava os jogadores. Nas cabines, Claudete Troiano e Zuleide Ranieri se revezavam na narração de jogos, enquanto Jurema Yara e Leilah Silveira eram as comentaristas.

Elas fizeram cursos de futebol para se aprofundar no assunto. As análises de arbitragem ficavam a cargo de Léa Campos, a primeira árbitra profissional no futebol brasileiro.

Elas eram assediadas pelos jogadores?

A resposta é sim. Elas chegaram a relatar em entrevistas que eram muito paqueradas dentro e fora de campo. Mas também viviam sendo procuradas para dar conselhos sentimentais e até ajudar a escrever cartas de amor para as namoradas.

Claudete Troiano contou certa vez, em entrevista para o Museu do Futebol, que dava palpites no visual de alguns jogadores. "Cansei de levar jogadores escondidos em salão de cabeleireiro de amigas para fazer permanente no cabelo, já que naquela época se usava muito o black power", revelou a narradora.

"Leivinha, atacante do Palmeiras, pedia para uma amiga passar chá de camomila no cabelo dele para ficar mais loiro."

Todos os jogadores eram bonzinhos assim com elas?

Não exatamente. Enquanto alguns atletas tinham carinho, outros destilavam preconceito e desrespeito. Germana contou que estava cobrindo uma partida do Palmeiras. Chamou o goleiro Emerson Leão para uma entrevista. Segundo ela, Leão virou-se e rugiu: "Eu não falo com mulher dentro de campo".

Germana prometeu nunca mais entrevistá-lo e cumpriu.

O que aconteceu com a Rádio Mulher?

Ela acabou em 1976 pela falta de patrocínios. Roberto Montoro resolveu alugá-la para programação evangélica e os bons conteúdos para mulheres sumiram do ar. Ao menos, o slogan "um palavrão a menos, uma mulher a mais nos estádios" deixou um grande legado. É o que vimos agora na Copa do Mundo de Futebol Feminino.

Fonte: Folha de S.Paulo

NOMES BEM BRASILEIROS

Fernando Albrecht

O povo gosta de batizar suas filhas com nomes aglomerados, nome com nome, geralmente com K – Katiucha, Katiane, Khaterine, Katiele, Kleudete. Se for batizar com nomes do tipo, eu ainda prefiro Claudete.

Já os homens são Rodrigo ou Thiago, hoje com mais de 18 anos. Imagino que, se em um estádio cheio, o serviço de informações dizer pelo sistema de som que procura Tiago ou Rodrigo levanta metade da torcida.

Na Copa de 1994 e 1998, acho que Romário fez o primeiro gol no primeiro jogo da Seleção. Então, a Globo procurou, nas maternidades do Rio de Janeiro, se havia nascido alguém no preciso momento em que o jogador fez o gol.

Acharam o cabra. Foi para o ar no Jornal Nacional ele, a mulher com o bebê no colo. O repórter então perguntou o nome do pimpolho.

– Bem, eu queria Romário. Mas minha mulher preferia Maiquel Jaquison.

– E como resolveram?

Ficou Romário Maiquel Jaquison da Silva, respondeu o orgulhoso pai.

Fonte: https://fernandoalbrecht.blog.br
Só os extremamente sábios e os extremamente estúpidos é que não mudam. (Confúcio)

LUGARES

BUDAPESTE - HUNGRIA
O Castelo de Buda, no passado também chamado de Palácio Real e Castelo Real, é um castelo histórico dos reis húngaros em Budapeste, Hungria. Foi construído na encosta sul da Colina do Castelo, próximo do velho Bairro do Castelo, o qual é famoso pelas suas casas e edifícios públicos medievais, barrocos e oitocentistas. Wikipédia

BRASIL PODE LIDERAR EM INFRAESTRUTURA DIGITAL

Ronaldo Lemos

Pix tornou-se exemplo de infraestrutura digital pública de fazer inveja mundial

Guarde essas três palavras: infraestrutura digital pública. Qualquer país para se desenvolver hoje precisa não só de infraestrutura física (rodovias, ferrovias, portos etc.) mas também de uma infraestrutura digital. Pergunte à Índia. O país sofre há anos com a precariedade da sua infraestrutura física. Mas foi capaz de criar uma infraestrutura digital para mais de 1,2 bilhão de pessoas que mudou o país. O pacote inclui identidade digital única e gratuita para todos os cidadãos. Um serviço de armazenamento de documentos online que elimina o uso do papel. Além de contas bancárias gratuitas e um sistema universal de pagamentos digitais.

Não é preciso ir até a Índia para ver a importância de iniciativas como essas. É só olhar para o Brasil. Não estamos atrás de outros países nesse quesito. A prova é o Pix. Ele não só revolucionou pagamentos no país, como se tornou um exemplo de infraestrutura digital pública de fazer inveja mundial, a ponto de estar sendo copiado inclusive por países desenvolvidos. Minha convicção é que o Brasil pode se tornar a maior liderança global em infraestrutura digital. Há muitas sementes plantadas para isso: o Pix, a plataforma Gov.Br, a nota fiscal eletrônica, o Datasus (que usa blockchain!), o projeto do Real digital e assim por diante.

O que falta são duas coisas. Primeiro, entender essas infraestruturas de forma coordenada, pensando seu presente e futuro com estratégia. Segundo, o Brasil precisa obedecer ao comando da música de Xande de Pilares: "ergue essa cabeça, mete o pé e vai na fé". Assumirmos para o mundo que o que já fizemos até agora nessa área é extraordinário. E colocar nosso protagonismo para os próximos três anos.

Há uma oportunidade única para o Brasil demarcar sua liderança sobre esse tema globalmente: a reunião do G20, encontro dos 20 países mais ricos, que acontecerá no Rio de Janeiro em 2024. A ocasião será perfeita para o país mostrar o que já fizemos e o que podemos fazer. A atual presidência do G20 é da Índia. Qual foi o tema que o país escolheu como prioritário para sua gestão? Justamente a questão da infraestrutura pública digital. A possibilidade de construir cooperação nessa área é enorme se nos prepararmos.

Vale também dizer que a palavra "pública" aqui não significa "estatal". Infraestrutura digital pública é um esforço que deve envolver vários atores, incluindo o setor privado, a sociedade civil, as universidades, organizações internacionais e assim por diante. Claro que o governo tem um papel de coordenar e participar desses esforços, mas não deve atuar sozinho. Um excelente exemplo nesse sentido é o que Portugal tem feito para atrair cabos submarinos, tornando o país a principal porta de dados para a Europa. A cidade portuária de Sines hoje é não só um hub de mercadorias, mas também de informação. Lá ficam as "cable landing stations" que conectam boa parte do Atlântico. O resultado está aí para ser conferido: o surgimento de grandes centros de dados em Portugal. O mais novo deles, em execução, vai criar 1.200 empregos de alta qualidade em Sines.

Como diz o ditado: camarão que dorme a onda leva. Sobre infraestrutura pública digital não podemos ser esse camarão.

Fonte: Folha de S.Paulo

A DAY IN THE LIFE

FRASES ILUSTRADAS

sábado, 26 de agosto de 2023

SOTERRADO PELAS SENHAS

Ruy Castro

Os dados inúteis com que somos obrigados a conviver

Em 1878, Sherlock Holmes e o Dr. Watson se conheceram em Londres. Os dois se deram bem, decidiram dividir o aluguel de um apartamento na Baker Street, 221-B, e, com algumas semanas de convivência, Watson pôs no papel sua impressão sobre os conhecimentos do colega. Exemplos: "Literatura: zero. Filosofia: zero. Astronomia: zero. Política: escassos. Botânica: variáveis —conhece a fundo a beladona, o ópio e os venenos em geral. Química: profundos. Literatura sensacionalista: imensos —pode descrever em pormenores todos os horrores perpetrados neste século." Mas o choque de Watson foi descobrir que Holmes nunca ouvira falar em Copérnico e não sabia que a Terra girava em torno do Sol.

"E daí? Se girássemos em torno da Lua isso não faria a menor diferença para o meu trabalho", respondeu Holmes. "O cérebro de um homem é um sótão que ele deve mobiliar com o que precisa. Um tolo atulha-o com qualquer traste que encontre e, com isso, os conhecimentos úteis ficam soterrados. É fundamental não ter dados inúteis ocupando espaço e dificultando o acesso aos úteis." Confira em "Um Estudo em Vermelho", primeiro livro de Conan Doyle sobre Sherlock.

Digamos que Holmes estivesse certo. O que fazer com a miríade de dados que hoje somos obrigados a reter sob pena de nos tornarmos inviáveis? Refiro-me às senhas que agora se exigem para tudo e sem as quais não se pode fazer mais nada. Outro dia, uma amiga me listou as senhas que ela teve de decorar.

As senhas do Gmail, Wi-Fi, Facebook, Twitter, iCloud, Team Viewer e Apple Store. A senha para administrar seu site e a senha do seu canal no YouTube. As senhas dos cartões de crédito. As senhas de suas contas em bancos e dos respectivos aplicativos. As senhas do supermercado, da pet shop e da Brastemp. E, como ela não é de ferro, as senhas do Globoplay, Netflix, Mercado Livre, Magalu e L’Occitane. Haja sótão.

Fonte: Folha de S. Paulo
A estupidez senta-se na primeira fila para ser vista; a inteligência senta-se na última fila para contemplar a imbecilidade humana. (Bertrand Russel)

LUGARES

PORTO - PORTUGAL
A Sé do Porto, situada no coração do centro histórico da cidade do Porto, é um dos principais e mais antigos monumentos de Portugal. Wikipédia

O DIABO E A POLÍTICA

Carlos Heitor Cony

Sempre que leio os jornais, lembro uma historinha que nem sei mais quem me contou. Naquela aldeia, todos roubavam de todos, matava-se, fornicava-se, jurava-se em falso, todos caluniavam todos. Horrorizado com os baixos costumes, o frade da aldeia resolveu dar o fora, pegou as sandálias, o bordão e se mandou.

Pouco adiante, já fora dos muros da aldeia, encontrou o Diabo encostado numa árvore, chapéu de palha cobrindo seus chifres. Tomava água de coco por um canudinho, na mais completa sombra e água fresca desde que se revoltara contra o Senhor, no início dos tempos.

O frade ficou admirado e interpelou o Diabo:

- O que está fazendo aí nesta boa vida? Eu sempre pensei que você estaria lá na aldeia, infernizando a vida dos outros. Tudo de ruim que anda por lá era obra sua - assim eu pensava até agora. Vejo que estava enganado. Você não quer nada com o trabalho. Além de Diabo, você é um vagabundo!

Sem pressa, acabando de tomar o seu coco pelo canudinho, o Diabo olhou para o frade com pena:

- Para quê? Trabalho desde o início dos tempos para desgraçar os homens e confesso que ando cansado. Mas não tinha outro jeito. Obrigação é obrigação, sempre procurei dar conta do recado. Mas agora, lá na aldeia, o pessoal resolveu se politizar. É partido pra lá, partido pra cá, todos têm razão, denúncias, inquéritos, invocam a ética, a transparência, é um pega-pra-capar generalizado, eu estava sobrando, não precisavam mais de mim para serem o que são, viverem no inferno em que vivem.

Jogou o coco fora e botou um charuto na boca. Não precisou de fósforo, bastou dar uma baforada e de suas entranhas saiu o fogo que acendeu o charuto:

- Tem sido assim em todas as aldeias. Quando entra a política eu dou o fora, não precisam mais de mim.

Fonte: Folha de S. Paulo - 29/11/2005

FRASES ILUSTRADAS

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

O HOMEM COMO ELE É

José Horta Manzano
Todo homem é mau, nasce violento e precisa de um estado com leis fortes para conter seus impulsos. A teoria é de Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVI, que se debruçou no estudo da natureza humana em obras como Leviatã.

E mais: sustenta que, para conviver socialmente – o que seria contra sua natureza – o ser humano precisa se abster do que é mais importante no seu natural estado de selvageria: a liberdade. "O homem é o lobo do homem", escreveu, defendendo que o cidadão deve se render a um poder absoluto – era intransigente defensor na monarquia.

No mundo atual as ideias de Hobbes foram inteiramente abandonadas; mais até, foram subvertidas. Os direitos individuais sobrepõem o coletivo; os desejos – qualquer um – são encarados como apanágios inalienáveis, ainda que sejam negações científicas. Mais vale o privilégio de se reconhecer como qualquer coisa – até uma bananeira, se quiser.

Enquanto isso, direitos de animais irracionais – ainda existe essa classificação? – aumentam. Cachorros podem andar de avião, quem não socorrer um bicho pode ir preso, se um saruê entrar no seu sótão não pode ser apreendido nem para ser devolvido à mata. Mais um pouco, comer um frango ao molho pardo vai ser considerado incentivo ao crime.

Voltemos a Hobbes e aos homens, já que os outros bichos não sabem ler. O que nos separa – principalmente o gênero masculino – da barbárie são as mães e as Leis. Há uma raiva reprimida que explode por quase nada. Num átimo, todo resquício de racionalidade dá lugar ao Mr. Hyde que trazemos na alma, pronto para irromper.

O homem só deixa de ser violento quando reconhece a própria agressividade, quando tem a chave da própria jaula. E olhe lá. Essa beligerância aparece com mais força nas relações com a mulher; aí o bicho macho pega.

No reino animal – com exceção da abelha e das formigas, que regem suas comunidades com ferrão de ferro, como gosta Hobbes – o homem usa a força para se impor. Quando as mães falham, a Lei é o único freio.

Menino de calça curta, lembro que o pai de um dos meus melhores amigos, todo sábado de manhã, se trancava com a mulher no quarto do casal; o barulho das chibatadas do cinto era ouvido de longe, assim como os gritos da dona Neuza.

Os filhos fingiam não saber nada, os vizinhos até ligavam para a polícia, mas a violência doméstica ainda não estava na agenda daquela época. Em briga de marido e mulher ninguém metia a colher.

Não é preciso chegar às vias de fato para que a violência emerja. Um gentil amigo quebrou quatro dedos da mão com um murro na parede; numa briga com a mulher, socou o reboco. Melhor assim, mas foi castigado: foi ela quem o levou ao hospital, repetindo tudo.

Nos anos 70 o profeta Gentileza passou um tempo em Brasília, com suas barbas longas e carregando um cartaz: "Gentileza gera gentileza", estava escrito, entre frases e palavras. Era chamado de louco. E há quem ache que esses brutamontes do UFC é que são normais. E a pergunta roda: como domar o lobo do homem?

Publicado no Correio Braziliense em 6 de agosto de 2023
O problema do mundo é que os estúpidos são excessivamente confiantes, e os inteligentes são cheios de dúvidas. (Bertrand Russel)

LUGARES

SPLIT - CROÁCIA
Split, cidade da costa dálmata da Croácia, é conhecida por suas praias e pelo Palácio de Diocleciano, uma fortaleza central erguida pelo imperador romano no século IV. O palácio já abrigou milhares de construções e hoje ainda possui mais de 200. Dentro de seus muros de pedra branca e sob seus pátios há uma catedral e um grande número de lojas, bares, cafés, hotéis e casas. ― Google

MR. MILES


Quando o cotidiano fala diretamente com você
(republicação)

Nosso cavalheiresco correspondente já encomendou as rosas colombianas que, em todos os anos, ele entrega para sua monarca na data do aniversário, o próximo dia 21 de abril. Para quem não sabe, as rosas colombianas são enormes, têm cores muito peculiares e duram uma eternidade. "É um compromisso que tenho com a rainha (e comigo mesmo, of course, há mais de 60 anos. Tenho a pretensão de afirmar que ela sempre ficou feliz.
A seguir, a pergunta da semana

Mr. Miles: basta ler um guia de boa qualidade para saber que atrações turísticas merecem ser visitadas em qualquer país. O senhor, que viaja tanto, poderia me dizer o que mais é indispensável fazer em um primeiro contato com um novo lugar?
Celiana Armandez Giggo, por email

Well, my dear, sua pergunta esconde os melhores segredos de um viajante. Yes, of course: é preciso visitar os chamados protagonistas de uma cidade ou de um país. Os monumentos pelos quais são conhecidos, as paisagens que deles até se tornaram lugares-comuns. Como ir, for instance, à Veneza e não observar, com detalhes, uma gôndola? Ou visitar o Egito passando ao largo das Pirâmides de Gizé?

Na minha humilde opinião de eterno peregrino, however, o melhor jeito de conhecer um lugar é reviver, alhures, o seu próprio cotidiano, mas, dessa vez, prestando muita atenção — já que o que se torna rotina em casa acaba incorporado à cabeça como mais um fio de cabelo em um vasta juba.

Vou tentar lhe dar algumas dicas, lembrando que elas podem variar muito de país para país e de acordo com seu próprio entendimento do idioma em questão. Comece pelo dinheiro local, que você vai adquirir na chegada. Veja seus desenhos, suas cores, suas referências. As cédulas costumam mostrar heróis nacionais, exibir as riquezas da natureza de cada lugar e falam até da alma do povo. Na Polinésia francesa, por exemplo, o franco local é colorido com toda a variedade da natureza luxuriante daquele arquipélago. O escudo português, em tempos salazarianos, era triste e melancólico como um fado. E as falecidas liras italianas tinham tantos zeros que era difícil contar. Nada parecido, by the way, com uma nota que tenho guardada em casa. Valor? 100 trilhões de dólares! Do Zimbabwe, unfortunately. A maior já emitida no planeta, durante a hiperinflação de 2008. Com ela, however, mal se comprava um pacote de biscoitos no supermercado.

E falando em supermercados, dear Celiana, não deixe de entrar em um deles, não importa aonde. Haverá, of course, produtos globalizados nas prateleiras. Mas grande parte dos itens à venda dirão muito sobre o modo como os habitantes do lugar alimentam-se, limpam suas casas e fazem sua higiene. Entrar em um supermercado, de certa forma, é como entrar na área íntima de uma residência local. Uma espécie de xeretagem... 

Indispensável é comprar um jornal, mesmo que você não entenda patavinas! O aspecto do jornal, o peso que se dá a cada seção, tudo é informação privilegiada sobre quem vive na cidade ou no país. Se, for instance, você encontrar oito páginas sobre cricket e nenhuma menção ao futebol, é melhor não citar Pelé ou Neymar como referências. Os mercados também são indispensáveis. Neles você verá a fartura ou a escassez de cada povo. As frutas que se come por ali, as carnes, os peixes. E, of course, a maneira como vendedores e compradores se entendem.

É uma mágica! No cotidiano (muito mais do que na atração turística) é a vida que fala diretamente com você. Nas roupas que as pessoas usam, no jeito que elas rezam (vá, sempre, a um serviço religioso, seja lá qual for a crença local), e nas coisas que fazem nas praças. Escolha um banco em uma praça movimentada. Você vai ver se as pessoas têm pressa ou se são serenas. Verá como brincam as crianças, como comportam-se os idosos, o quanto riem ou são silenciosas aquelas populações. E, last but not least, conforme o lugar onde estiver, você terá a chance de olhar (ainda que discretamente) como agem os enamorados. E assim, my dear, sua viagem será, sem dúvida, ainda muito melhor.

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

MONTE BRANCO

José Horta Manzano

Todos os dias, faça o tempo que fizer, o Serviço Nacional de Meteorologia da Suíça manda aos ares sondas meteorológicas. São balões cativos (presos à terra), soltos a partir de um aeroporto militar, que sobem por ação de um gás mais leve que o ar (hélio ou hidrogênio). A função deles é medir pressão, umidade, temperatura, vento e outros parâmetros meteorológicos. Essa rotina teve início em 1954, há quase 70 anos, e continua sendo metodicamente cumprida duas vezes por dia.

Para os não-iniciados, o isoterma do zero grau pode não ter significado preciso. Vamos lá. Sabe-se que a temperatura da atmosfera diminui à medida que se sobe. A velocidade desse resfriamento varia entre meio grau e um grau (centígrado) a cada 100 metros de subida. Se o tempo estiver mais seco, a diminuição de temperatura é mais rápida. Se estiver mais úmido, será preciso subir até 200 metros para perder um grau.

Uma marca importante para os meteorologistas é o isoterma do zero grau, ou seja, a que altitude a temperatura do ar encosta no zero grau. Na Suíça, esse ponto costuma se situar numa altitude de 2000m – 3000m no inverno e de 3000m – 4500m no verão.

Se faltasse uma prova do rápido aquecimento global, aqui está ela: o isoterma do zero grau está situado cada vez mais alto. Se, dez ou vinte anos atrás, nos dias muito quentes, bastava subir 4500m para o termômetro bater no zero, agora precisa subir mais.

Na noite de domingo para segunda-feira última (21 de agosto), foi batido o recorde de altitude do isoterma do zero grau. A sonda o encontrou a exatos 5.298 metros, numa altitude mais elevada que o Monte Branco, o pico culminante dos Alpes! Nunca antes essa marca havia sido registrada.

Só para entender o que se passa, imagine que o isoterma se fixasse nessa altura. O resultado seria que, em pouco tempo, os Alpes inteiros (incluindo o Monte Branco) perderiam seu manto de neves eternas. E o nome do pico (Branco) não faria mais sentido.

A coisa é muito séria e o fenômeno se precipita. O aquecimento que se esperava para o ano 2050 está acontecendo agora. Dá pena pensar no apuro das novas gerações, que vão viver num planeta bem mais problemático do que aquele que conhecemos.

Enquanto isso, um Luiz Inácio mais preocupado com a promoção pessoal que com os brasileirinhos do futuro continua firme na intenção de furar poços de petróleo. Na Amazônia, ainda por cima.

Valha-nos, São Benedito!

Fonte: https://brasildelonge.com/
Você sabe que está ficando velho quando as velas começam a custar mais caro que o bolo. (Bob Hope)

LUGARES

RIBEAUVILLÉ - FRANÇA
Ribeauvillé é uma comuna francesa na região administrativa de Grande Leste, no departamento Alto Reno. Estende-se por uma área de 32,26 km². Em 2010 a comuna tinha 4 867 habitantes. Wikipédia

NÃO TROPECE NA LÍNGUA




Número: 008
Data: 20/12/2017
Título: PASSOU PELO RIO GRANDE – RERRATIFICAÇÃO, DE/EM FÉRIAS, PROCEDER

Uma regrinha que vale a pena lembrar: a palavra rio, quando se refere a um curso d’água, deve ser grafada com inicial minúscula, mesmo quando junto de um nome próprio. Apenas o nome em si do rio terá inicial maiúscula:

Os limites físico-geográficos entre os municípios de Florianópolis e São José foram estabelecidos pela Lei 247/48, considerando o limite do rio Araújo.

Deixemos a maiúscula para descrever uma localidade, uma cidade, um território qualquer. É esse detalhe que permite distinguir uma coisa da outra. As mesmas frases trazem diferente informação a partir da mudança de minúscula para maiúscula:

Passou pelo rio Grande. [curso d’água]
Passou pelo Rio Grande. [cidade ou Estado]

Adorei o rio. [curso d’água]
Adorei o Rio. [cidade]

Chuvas transformam o rio Vermelho em lamaçal. [curso d’água]
Chuvas transformam o Rio Vermelho em lamaçal. [localidade na Ilha de SC]

RERRATIFICAÇÃO

Orandina Vieira, de Florianópolis/SC, solicita explicação sobre a palavra rerratificação, que ela tem visto em documentos antigos escrita também de outras formas: re-ratificação e re/ratificação.

Esse termo normalmente é aplicado a convênios em que se deseja retificar alguma cláusula, ratificando o restante do documento. Portanto o “re” inicial é uma redução de retificar, e não o prefixo re- [repetição, movimento para trás], como dá a entender a grafia rerratificação. A princípio – ou para quem não é do ramo – parece que se vai fazer uma nova ratificação, o que seria uma redundância, já que ratificar quer dizer “reafirmar, confirmar, corroborar”.

Pela lógica, então, seria correto escrever re/ratificação ou re-ratificação, como muito se fez enquanto não havia registro formal. No entanto, já se começa a reverter o erro implícito na grafia rerratificação – alguns tribunais estão escrevendo reti-ratificação, termo que por certo estará nos dicionários em futuras edições.

DE/EM FÉRIAS E REGÊNCIA DE PROCEDER

--- É melhor dizer ele está de férias ou ele está em férias? Proceder à apuração ou a apuração? F. S., Campo Grande/MS

I. Pode-se dizer das duas maneiras:

Ele está em férias. Vou entrar em férias.

Ele está de férias. Vou entrar de férias.

Mas basta você acrescentar um adjetivo às férias para que se reduzam as opções – aí só se deve usar a preposição em:

Os trabalhadores das indústrias têxteis entrarão em férias coletivas amanhã.

Sairemos em férias regulamentares... e merecidas!

II. Conforme a norma-padrão, na acepção de “realizar, executar, levar a efeito” o verbo proceder é transitivo indireto, o que significa que ele sempre se liga ao seu complemento através de uma preposição – A, no caso: quem realiza algo procede a alguma coisa. Assim, com objeto indireto no masculino, temos a seguinte construção de frase:

Vão proceder a um rigoroso inquérito sobre os bingos no país.

O Ministério vai proceder ao levantamento de todos os gastos na área.

Na versão feminina fica:

O juiz deve proceder a uma nova convocação dos depoentes.

A junta procedeu à apuração dos votos.

Instituto Euclides da Cunha
Luiz Fernando de Queiroz, diretor
Rua Marechal Deodoro, 235 cj. 1204
CEP 80020-907 - Curitiba - PR
Fone (41) 3223.6543

Fonte: https://www.linguabrasil.com.br