Ruy Castro
Parece haver uma categoria especial de maníacos: os que roubam óculos de estátuas
O cineasta americano Spike Lee, no Rio para uma palestra há alguns dias, subiu de novo ao morro Dona Marta, em Botafogo, que conheceu há 26 anos. Queria ser fotografado abraçado à estátua de seu amigo Michael Jackson, que ainda não estava lá quando ele foi ao morro na primeira vez. A foto ficou ótima, mas me interessou mais por um motivo: Michael, que, em 2015, teve roubados seus óculos escuros, estava de novo com eles.
É como se houvesse uma categoria especial de tarado, cujo objeto de desejo são óculos de estátuas. A de Cazuza, no Leblon, e a de Renato Russo, na ilha do Governador, também já tiveram seus óculos levados. Mas a vítima imbatível dessa tara é a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, sentado de costas para o mar num banco em Copacabana. Desde sua inauguração, em 2002, Drummond já teve seus óculos roubados 13 vezes.
Quase toda escultura tem um acessório saliente, fácil de ser arrancado. Espanta-me, por exemplo, que o cigarro entre os dedos da estátua de Nelson Rodrigues, também em Copacabana, nunca tenha sido subtraído. O violão de Tom Jobim, em Ipanema, também prossegue invicto, assim como a máquina de escrever do colunista Zózimo Barroso do Amaral, no Leblon, e o cachorro de Clarice Lispector, no Leme. A estátua do Chacrinha, no Jardim Botânico, corre duplo perigo, pelos óculos e pela buzina do Velho Guerreiro.
Mas o vandalismo não se limita aos óculos. A estátua de Noel Rosa numa mesa de botequim e sendo servido por um garçom, em Vila Isabel, já teve a mesa roubada. E as saracuras do Chafariz das Saracuras, obra bicentenária de Mestre Valentim, em Ipanema, foram furtadas várias vezes. Nem Noel nem as saracuras usavam óculos.
Roubar os óculos de Drummond, Cazuza ou Renato Russo é mole. Já os de Michael Jackson no Dona Marta só foram levados uma vez. Os vândalos acharam mais prudente investir em outros óculos.
Fonte: Folha de S. Paulo
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