Carlos Heitor Cony
Não ser da direita nem da esquerda, nem mesmo do centro, tem suas vantagens, apesar da solidão e dos ataques que recebe de todos os lados. Até mesmo a vantagem é problemática, só é vantagem para si próprio. Assumindo atitudes e pensamentos ora da direita, ora da esquerda, ora do centro, por isso ou aquilo acaba conhecendo cada lado ideológico, político e comportamental, suas contradições, seus oportunismos e, freqüentes vezes, sua idiotice.
A regra fundamental de cada grupo é a posse, a hegemonia absoluta da verdade, que por si só é problemática e móvel, como aquela dona cantada pelo duque na ópera de Verdi: "la donna è mobile". Outra regra paralela em seu fundamentalismo, decorrente da primeira, é a demonização do contrário. Em casos extremados, a demonização obriga o partidário da esquerda ou da direita a mudar de calçada quando vê o "outro", a fim de evitar a lepra, o contágio letal e definitivo: "foi visto com fulano, logo é suspeito".
Mas a vantagem é o conhecimento dos podres ideológicos e pessoais de cada grupo. Como são feitas as imagens e biografias dos aliados e inimigos, valendo tudo e nada acrescentando na avaliação isenta de cada fato e de cada pessoa.
O mais engraçado é que muitas vezes os lados se invertem, causas da esquerda se transformam em causas de direita e vice-versa. As autocríticas são mais lamentáveis do que as justificativas para cada posição. Neste particular, a esquerda ganha de longe. Suas autocríticas, apesar de espalhafatosas, não ensinam nada. Com o mesmo entusiasmo embarcam novamente em canoas furadas, sabendo que, depois do naufrágio, farão autocrítica e tudo ficará nos conformes.
A direita, pelo contrário, só raramente faz autocrítica porque é conservadora, nem sempre se atribui o monopólio da verdade mas do hábito. Hábito que não faz o monge mas faz com que ela acabe sempre ganhando no plano da grande história, que por isso mesmo, nada tem de recomendável.
Fonte: Folha de S. Paulo - 11/10/2005
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