Carlos Heitor Cony
Passei grande parte da vida com a obrigação de ler as folhas, gastando diariamente, em média, duas horas para tentar digerir os quatro ou cinco jornais que a profissão me obriga a tomar conhecimento.
Hoje, a média baixou a níveis ridículos. Continuo lendo cinco jornais por dia mas gasto com eles, no máximo, meia hora, às vezes menos.
A explicação mais próxima seria o meu desinteresse pelo que está acontecendo. Vai lá. É um pouco disso. Mas antigamente havia também desinteresse pelos assuntos do dia, nem todos me emocionavam ou chamavam minha atenção. Mesmo assim os lia, para ficar por dentro e não ser atropelado pelos fatos que me rodeavam e sobre os quais seria obrigado a escrever.
Nos últimos meses, sobretudo, é sacal enfrentar cinco, seis páginas compactas com o noticiário dos escândalos, suas minúcias, seus cronogramas, a repetição das mesmas caras, dos mesmos esquemas, variando apenas as cifras de cada canal da corrupção, com a descoberta diária de novos suspeitos e novos esquemas nacionais e internacionais, suas confluências e influências na vida nacional.
Se os textos são redundantes e vários deles confusos, o visual é pior. Todas as caras terminam se parecendo, todos os envolvidos usam barba, umas pelas outras se parecem, o único de rosto raspado tem a cabeça também raspada, é o Marcos Valério, que afinal é um barbudo honorário, tanto se meteu em encrenca e tanto meteu os barbados em encrenca.
Não dá para entusiasmar. Outro dia, um jornal dedicou oito páginas seguidas a um suposto escândalo eleitoral em Campos (RJ), envolvendo uma quantia até que modesta em face dos milhões que rolam por aí. No fundo, tudo isso é salutar: sobra mais tempo para que eu dê minha volta na Lagoa.
Fonte: Folha de S. Paulo - 15/11/2005
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