Carlos Heitor Cony
Tenho ouvido besteiras de diversos tamanhos e feitios não mais a respeito do referendo, mas de seu resultado. Relevem a pretensão: achando que as duas questões --a do "não" e a do "sim"-- eram idiotas, continuo me divertindo com as explicações que estão sendo dadas pelos adeptos de uma ou de outra escolha.
O referendo foi pessimamente colocado, na base do comércio de armas e munições, como se fossem elas o problema que nos apavora. O "não" está sendo encarado como uma resposta do povo ao governo, atribuindo-lhe inércia e corrupção. É possível que muitos tenham adotado este tipo de condenação, mas o resultado do referendo transcende ao protesto.
O problema real, que nos últimos tempos tornou-se o que mais preocupa a população, é a segurança que nos falta. Segurança que o Estado não dá, seja no plano federal, estadual ou municipal. Armas e munições são ferramentas, como o punhal, o facão de cozinha, a paulada com que o namorado daquela moça paulista matou os pais dela que estavam dormindo.
O povo disse "não" à insegurança geral que pode a qualquer momento acabar com a vida de qualquer um de nós, por diversas formas e meios. Com a venda ou com a proibição de armas, o problema não será resolvido nem atenuado: continuará o mesmo, quem sabe até piorado, as leis secas que impedem isso ou aquilo acabam promovendo maior uso da coisa proibida, seja a bebida ou a droga.
Suponhamos que a questão do aborto seja proposta num próximo referendo. A pergunta certa seria: você é contra ou a favor do aborto? Digamos que a pergunta fosse: você é contra ou a favor das curetas que estraçalham o feto no ventre da mãe? Qual seria a sua resposta? Muitos abortos são feitos por agulhas e outros métodos mais primitivos.
Fonte: Folha de S. Paulo - 01/11/2005
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