quarta-feira, 28 de junho de 2023

ALEGRIA NA MÚSICA TRISTE

Paulo Pestana
Amigo estrangeiro, forjado na rebeldia do punk rock, nunca conseguiu entender a tradição brasileira de se reunir para tocar e cantar músicas tristes. Fica impressionado com a melancolia das letras dos sambas que ouve nas rodas, com a festa formada diante de temas depressivos e até com a acedia das melodias dos chorinhos.

Mal sabe ele que música triste é um lenimento para… a tristeza. É que, quando ouvimos música triste, o cérebro produz prolactina, hormônio que reduz a angústia. Ou seja, Amado Batista pode fazer bem à saúde, ainda que doa em ouvidos mais sensíveis.

Pesquisa feita com 772 alemães mostrou que canções tristonhas não apenas animam uma cabeça inchada, mas também ajudam a lidar melhor com as emoções a partir das sensações de nostalgia, paz, ternura e admiração provocadas.

Cotovelos sobre a mesa, à meia luz, a desilusão pode ser amainada pela voz de Jamelão: “Êta dor de cotovelo dos diabos, que saudade, que vontade de morrer”. Se não sair curado, não tem mais jeito.

Tudo parece ser uma questão de empatia. A desgraça do personagem da música serve de consolo para o sofredor da vida real, que encontra um parceiro, ainda que virtual, que o compreenda. Ainda mais se conseguir cantar junto de um cantor como Silvinho: “Essa noite, eu queria que o mundo acabasse, e para o inferno o Senhor me mandasse, para pegar todos os pecados meus. Esta noite eu queria morrer.”

Mas não é um sentimento que só alcança os bregas, até porque gente chique também sofre; a diferença é que muda a garrafa sobre a mesa – sai Drury’s, entra Johnny Walker Ultimate. O gelo e as lágrimas são idênticos. No alto falante, Maria Creuza debulha versos de Vinícius: “Eu sem você não tenho porque, porque sem você não sei nem chorar”.

Mesmo com música sem palavras, a sensação de conforto aparece. Um tema como a Valsa Triste, de Sibelius, que provoca altos e baixos a partir de frases musicais que alternam humores, pode ajudar na hora da fossa. A pesquisa alemã mostra que a conexão emocional entre ouvinte e música é criada mesmo quando não há condução por meio de palavras. Ou seja, o nó no peito é o mesmo.

Outra pesquisa, desta vez norte-americana, escolheu a música mais triste de todos os tempos. Ganhou Everybody Hurts, da banda R.E.M. “Todo mundo sofre”, canta Michael Stipe: “Quando o dia é longo e a noite é só sua, quando você tem certeza de que já se cansou dessa vida; bem, aguente firme”.

Em segundo lugar na tristeza ficou uma canção de Prince, mais conhecida na voz de Sinead O’Connor, Nothing Compares 2 You: “Tem sido tão solitário sem você aqui, como um pássaro sem canção, nada pode impedir a queda dessas lágrimas solitárias”.

Qual seria a música brasileira mais triste? Uma enquete recente colocou Vento no Litoral, da Legião Urbana, na frente. Mas isso só vale para quem nunca ouviu Meu Mundo é um Moinho, de Cartola, ou Pedaço de Mim, de Chico Buarque.

Publicado no Correio Braziliense em 9 de junho de 2023

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