Carlos Heitor Cony
Espírito de porco assumido, e aqui entre nós, relativamente bem sucedido, gosto de comemorar datas. Prefiro lembrar e registrar as datas negativas, que nos ensinam como podemos evitá-las. Hoje, por exemplo, 13 de dezembro, o Ato Institucional 5 faria, se estou certo, apesar de minha escassa matemática, 37 anos. Teria atingido a idade da razão.
Não se tratou de um golpe mas da ampliação de um golpe, um texto final para o arsenal da arbitrariedade nascida quatro anos atrás, no Movimento Militar de 1964. Pretextos não faltaram ao governo de então: a subversão de considerável parcela da sociedade poderia se transformar num golpe. Nada demais que houvesse uma ação estruturada e eficiente contra os possíveis golpistas: o AI5.
Por que estou lembrando isso? Deve ser a declaração de Lula, na semana passada, de que a oposição a seu governo é golpista. Durante mais de 25 anos, ele e o seu partido fizeram oposição, que chegava a ser truculenta em alguns casos, em outros, histérica.
Tomando o poder por via democrática, Lula contesta a legalidade da oposição fazer oposição. Trata-se, segundo declarou semana passada, de golpismo. Uma declaração que pode funcionar como uma senha. Afinal, ninguém deseja uma ruptura com o modelo institucional que substituiu a ditadura. Mas diante do golpismo da oposição que ameaça bagunçar esse modelo, tudo será permitido, inclusive um ato qualquer que talvez não tenha um número específico. Será definitivo, proibindo qualquer tipo de oposição.
Toda vez que falam em golpe, seja contra ou a favor de alguma coisa ou causa, lembro o dia de hoje: um golpe foi impedido por outro golpe. Pagamos altíssimo preço por um e por outro.
Fonte: Folha de S. Paulo - 13/12/2005
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