Carlos Heitor Cony
O soldado que perdeu sua parada pegou na pena e escreveu para o aspençada. O aspençada que era homem do diabo pegou da pena e escreveu para o cabo. E o cabo no mesmo momento pegou da pena e escreveu para o sargento. O sargento no mesmo repente pegou da pena e escreveu para o tenente. O tenente que era homem de ação pegou da pena e escreveu para o capitão. E o capitão dirigindo-se ao Estado Maior pegou da pena e escreveu para o major. E o major como estava no quartel pegou da pena e escreveu para o coronel. O coronel como estava muito mal pegou da pena e escreveu para o general. E o general de forma incontinente pegou da pena e escreveu para o presidente. E o presidente abrindo o seu mapa pegou da pena e escreveu para o papa. E o papa apavorado com tudo isto pegou da pena e escreveu para Jesus Cristo. E Jesus Cristo como estava ocupado pegou da pena e escreveu para o soldado.
Apelando para a memória incerta, transcrevo uma espécie de embolada antiga, lembro o rombudo disco de cera com selo amarelo, gravado apenas de um lado, fazia parte da coleção de minha tia-avó. Ela gostava de cantar a história do soldado que perdeu a parada.
No tempo dela já havia burocracia --e a burocracia não levava a nada, como acontece até hoje. Mas é importante tomar providências, do soldado ao papa, do sargento a Jesus Cristo, o círculo é vicioso como naquele soneto de Machado de Assis. O vagalume quer ser brilhante como o sol e o sol troca a luz que o consome pela tranqüila e azulada lanterna que o vagalume acende no escuro das noites.
Há uma lição nisso tudo mas não sei qual é.
Fonte: Folha de S. Paulo - 10/01/2006
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