Mirian Goldenberg
Não basta nos indignarmos, precisamos mudar radicalmente nossa própria atitude
No sábado passado, dia 11, recebi um e-mail da Folha sugerindo que eu comentasse o caso das estudantes que fizeram um vídeo debochando de uma colega de classe por ter 40 anos. Estava concentrada em um trabalho urgente e perguntei se poderia enviar no domingo ou na segunda de manhã. Mas, minutos depois, parei tudo o que estava fazendo e escrevi a coluna, que foi publicada no próprio sábado no site do jornal.
A minha coluna ficou em primeiro lugar nas notícias mais lidas do site e também em primeiro lugar entre as mais comentadas, com 389 comentários, que se dividiram entre uma profunda indignação com o vídeo e outros que acharam que é muito "mimimi" só por causa de uma "brincadeira de mau gosto" de jovens imaturas, elitistas e mimadas.
No entanto, a maior parte dos comentários destacou a questão que realmente me motivou a escrever a coluna: buscar refletir sobre como cada um de nós sofre, e também reproduz e fortalece, a violência, o preconceito, o estigma e a discriminação contra as pessoas mais velhas dentro das nossas próprias casas, famílias, escolas, locais de trabalho, de lazer etc.
No dia 1º de outubro de 2021, Dia Internacional do Idoso, o querido Jairo Marques fez uma entrevista comigo com o título: "A velhofobia se escancarou e saiu do armário". Nela, destaquei que a violência contra os mais velhos sempre foi uma questão menosprezada socialmente, mas que, durante a pandemia, o tema "bombou e muita gente se tornou militante pela causa dos mais velhos".
"Até mesmo pessoas que pareciam ter medo de envelhecer se assumiram: 'Sou velha mesmo'. O que é muito bom. Muitos programas de inserção do velho no trabalho e em atividades culturais e sociais também estão acontecendo. É um fato. Mas o que destaco mesmo por esses tempos é o aumento da velhofobia, a velhofobia escancarada, saindo do armário. O que antes era invisível, escondido e dava vergonha nas pessoas agora é assumido. No início da pandemia, políticos, empresários e autoridades diziam abertamente que velho tinha de morrer mesmo. Recentemente também ouvimos falar que 'só morreu quem deveria’. A velhofobia está se legitimando como discurso, se alastrando pela internet com memes que dizem que velho é teimoso, que velho atrapalha. E isso não é coisa só de jovens, tem pessoas com mais de 60 anos fazendo."
Confessei que a minha maior angústia é constatar a existência de uma cruel violência física, verbal e psicológica dentro das nossas próprias casas.
"Quem vai cuidar de você na velhice é um tema muito importante, uma angústia num país como o nosso sem um sistema de cuidados adequado. Há quem pense até hoje que os filhos irão fazer isso, mas 51% da violência contra o velho é praticada dentro de casa, pelos filhos. O abuso financeiro, o abandono e a negligência contra o velho também estão dentro de casa. Muita gente acha que vai conseguir cuidar de si na velhice, razão de muito orgulho para quem já faz isso. Mas as experiências de maior sucesso que conheço são aquelas de quem construiu uma rede de afeto, de amor com familiares e também com grandes amigos, que se cuidam e se protegem. Mas não dá para formar isso só quando você estiver velho."
Como escrevi na minha coluna de sábado, antes tarde do que nunca. Há mais de 20 anos eu repito como um mantra: o jovem de hoje é o velho de amanhã. Lutar contra a velhofobia é lutar pela nossa própria velhice e, principalmente, lutar por uma sociedade com mais saúde, dignidade e autonomia para os nossos filhos e netos: os velhos de amanhã.
A indignação de milhares de homens e mulheres, de todas as idades, com o vídeo que viralizou nas redes sociais pode ter sido um estopim para combater a violência física, verbal e psicológica, muitas vezes invisível, que mora dentro das nossas próprias casas. Mas, para transformar concretamente essa realidade tão triste e perversa, não basta a nossa indignação, é preciso mudar radicalmente a nossa própria atitude dentro das nossas casas, famílias, escolas, locais de trabalho e, principalmente, dentro de nós mesmos.
Estamos juntos?
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário