Cristovam Buarque*
No mundo letrado, o analfabeto é torturado todos os minutos em que está desperto. É como se carregasse um chicote elétrico dentro do cérebro
No seu brilhante e emotivo discurso de posse, o Ministro Silvio Almeida listou, um por um, os grupos que precisam ter seus direitos humanos relembrados, afirmando que eles não seriam esquecidos. Mas não citou aos mais de 10 milhões de brasileiros analfabetos.
Diante da violência da tortura a que foram submetidos os presos políticos no passado, do sofrimento diante do racismo contra os negros e dos preconceitos contra gays e transsexuais, o Brasil esquece a violência cometida contra quem sobrevive no mundo letrado sem saber ler seu próprio idioma: a tortura de caminhar pelas cidades sem ler o nome de cada rua, sem saber o remédio que toma ou o ônibus em que sobe.
No mundo letrado, o analfabeto é torturado todos os minutos em que está desperto. É como se carregasse um chicote elétrico dentro do cérebro, desfechado cada vez que precisa ler um texto em frente. Além de torturado, ao analfabeto se nega empregos, porque todos exigem alfabetização; deslumbramentos com a beleza da literatura; prazer de ler carta de um filho; certeza de estar diante da bandeira correta de seu país, onde há um lema escrito. Mesmo assim, ignora-se analfabetismo como privação de Direito Humano e por isto eles foram esquecidos da Anistia, dos governos seguintes e dos discursos atuais.
Deixar a questão do analfabetismo para os educadores é o mesmo que deixar a questão da tortura para os médicos. Estes podem cuidar das feridas, mas a intenção de acabar com a maldade é moral, e a decisão para isto é política. A tarefa técnica da erradicação do analfabetismo é da educação, mas a decisão é política e a gestão deve ser papel do Ministério dos Direitos Humanos: para abolir a tortura do analfabetismo e abrir portas da liberdade que não existe plenamente para quem não sabe ler. A anistia libertou aos presos políticos, mas apenas soltou aos analfabetos, porque não lhes deu o mapa para orientar-se na vida.
Por isto, o governo Lula precisa retomar o programa de erradicação do analfabetismo, iniciado pelo MEC no primeiro ano de seu governo, logo paralisado por ficar preso à pedagogia e não à ética. Para ter continuidade, o Ministério dos Direitos Humanos precisa dizer também: “analfabetos do Brasil, vocês não serão esquecidos”.
*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador
Fonte: https://www.metropoles.com
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