Carlos Heitor Cony
Quem está de fora não entende. Somente um carioca atávico, não apenas da gema mas da clara do ovo, entende o que se passou na Rocinha, semana passada, quando dois bandos de traficantes se engalfinharam contra si e contra polícia, daí resultando mortos e feridos.
Um ditado judeu, adotado genericamente por todos, garante que o inimigo do meu inimigo é meu amigo. Pois sim. No Rio é diferente, cada um por si, o diabo por todos, cada um tem seu inimigo e todos de certa forma são inimigos entre si, dependendo das circunstâncias.
No caso da Rocinha, dois bandos de traficantes jurados de morte invadiram a maior favela do mundo para garantir o que eles chamam de "território". Com armamentos pesados, começaram o tiroteio, até que, como sempre, a polícia chegou com o habitual atraso com que começamos nossas sessões cívicas, as cerimônias oficiais e os compromissos que somos obrigados a cumprir.
Em todas as partes, nas galáxias mais remotas do universo, o natural seria os dois bandos rivais se unirem contra a polícia, ou em caso mais otimista, um deles ficar do lado dos policiais para eliminar o grupo rival.
Deus é brasileiro! Não foi isso o que aconteceu. Presumo que numa guerra há dois lados, evidente que há alianças momentâneas, mas o eixo de um conflito é a existência de duas vontades em confronto, não de três.
Na Rocinha, a guerra saiu do esquadro. Cada bando combatia o outro e a polícia simultaneamente. Todos contra todos. Nos manuais militares, as lições teóricas falam no exército azul e no exército vermelho, explicitando quem é quem, quem deve lutar contra quem. Na Rocinha, além do azul e do vermelho, há o exército branco, que não é o da paz mas o da droga.
Fonte: Folha de S. Paulo - 21/02/2006
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