Ler não é simplesmente decodificar palavras, mas também interpretá-las. Aquele que consegue ler a sua realidade dificilmente acredita em mentiras. Aprender a ler transforma o ser humano, o letramento é a melhor arma contra a desinformação. “E agora, quem irá nos defender?” Qual herói devemos chamar? No meio a tantos vilões do Whatsapp e do Telegram quem alfabetiza e cuida do letramento das novas gerações têm um papel fundamental na construção de um país melhor.
HERÓIS SEM CAPA
Talvez os heróis mais importantes do mundo não sejam os da Marvel ou DC, mas sim, aqueles “tios” e “tias” que ante a controvérsia das realidades cotidianas estão presentes na vidas das crianças quando estão na escola; a juventude fica mais tempo nas instituições de ensino do que junto de seus pais e mães se considerar as horas do dia.
Essas pessoas são Marias, Paulos e Josés, tão comuns, sem nenhum uniforme colorido, capa ou cueca por cima da roupa Collant.
RUMO À ALFABETIZAÇÃO
Em 1943, quando a Universidade de Pernambuco oferecia somente o curso de Direito na área de Humanas, Paulo Freire se matriculou. Conheceu sua esposa durante esse período, a professora do primário Elza Maia Costa Oliveira e no ano de 1944 juntaram as escovas de dente, não só elas mas suas mentes também.
Em 1946 tornou-se o Diretor do Departamento de Educação, Cultura e Serviço Social do Estado de Pernambuco, foi quando percebeu a necessidade de executar um trabalho voltado à alfabetização, criou os círculos de cultura em 1960.
A REVOLUÇÃO DOS CÍRCULOS DE CULTURA
O diálogo é a ferramenta essencial para a construção do círculo de cultura. Nele os problemas sociais são pautados por grupos de trabalhadores mediados por um professor.
Através dele são escolhidas as palavras-chaves que serão destrinchadas, para que se estude os fonemas, as sílabas, os plurais e assim começar o processo de alfabetização dos trabalhadores.
A figura do professor é de mediador, que constrói junto o conhecimento e não um instrutor de conteúdos, como um detentor da verdade, os membros de uma educação chamada por Freire de bancária, pois ela deposita o conteúdo nas mentes dos alunos sem contextualização, mera memorização.
Após desenvolver seu método, que consiste na utilização de palavras-chaves previamente escolhidas pelos círculos de cultura na alfabetização dos alunos, mas em 1964 a ditadura militar se instaurou no país e tudo mudou, os círculos de cultura viraram sinônimo de célula-terrorista.
Freire incomodava uma parcela considerável da elite brasileira que sempre foi preconceituosa, racista, provinciana e não queria o investimento público em autonomia do cidadão e/ou mobilidade social. Afinal, trabalhador sem estudo, sem qualificação, é mão-de-obra barata.
A FAMA INTERNACIONAL QUE HOJE INCOMODA
Em 1961, quando o Método começou a caminhar, mais de 200 cortadores de cana foram alfabetizados em tempo recorde, algo nunca visto na história desse país. Esse sucesso fez com que ele e sua equipe se destacassem e o colocassem à frente do Ministério da Educação.
Após o golpe militar de 1964 foi acusado de comunista, de implantar a teoria Marxista para seus alunos, foi perseguido assim como sua equipe e todos foram presos. Paulo Freire ficou 70 dias encarcerado.
As únicas opções que um regime autoritário conhece são: a eliminação da concorrência (literalmente), usar o pânico moral para manipular a opinião pública e o uso da força policial para repreender movimentos sociais, e assim foi feito.
O EXÍLIO
Quando teve chance, após 70 dias preso e torturado, Paulo Freire se exilou primeiramente na Bolívia e passou por Chile, Estados Unidos, Suíça, Guiné-Bissau, Porto- Príncipe, Cabo Verde, Austrália, Itália, Nicarágua, Ilhas Fiji, Índia e Tanzânia, andou muito, contribuiu muito e conheceu muita sala de aula.
Enquanto isso, aqui no Brasil, o regime militar criou o MOBRAL ( Movimento Brasileiro de Alfabetização) em resposta ao método freireano de alfabetização. Anos depois, no final da década de 70, já era visto na ponta do lápis o fracasso da ditadura.
O FRACASSO ESPERADO
Segundo estudo disponibilizado no website www.fgv.com.br da FGV ( Fundação Getúlio Vargas) a respeito do MOBRAL, ”…a ineficiência do Mobral foi comprovada através dos resultados do Censo de 1980, que revelaram o aumento de 540 mil pessoas no número absoluto de analfabetos de 15 anos e mais no decênio 1970-1980.”
O imenso número de analfabetos funcionais (assinam o nome, sem letramento) foi o produto de uma política pública que começou a atender a interesses externos e não a real alfabetização dos brasileiros.
POR UM POVO LETRADO!
Freire morreu em 1997 mas o seu legado é cultuado mundo afora menos no Brasil, por que será? Supostamente a elite brasileira continua cultuando suas ideias retrógradas mas que ainda dão muito dinheiro, diria Jessé de Souza em seu livro “ A elite do atraso”.
Enquanto houver opressão, os seus livros farão de Freire presente em cada sala de aula, em cada suspiro de esperança como o chamado do herói, um cavaleiro da luz combatendo vilões num mundo de trevas e alienações. Precisamos ser fortes, precisamos continuar a luta, por nossos heróis.Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/garoto-menino-rapaz-crianca-6250878/
Fonte: Revista Ecos da Paz
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