domingo, 26 de fevereiro de 2023

OS JOVENS QUEREM SAIR DA CASA DOS PAIS?

Estamos diante da nossa versão dos 'mammones' italianos

Há controvérsias. Diria que os jovens em geral querem se livrar da marcação cerrada dos pais. Ela vem desde o corpo a corpo da infância e se torna cada vez mais anacrônica com a entrada na adolescência. Mas livrar-se da encheção de saco dos responsáveis caminha junto com assumir responsabilidades. Daí começa o jogo de perdas e ganhos de uma contabilidade nem sempre bem administrada.

Não se pode falar em juventude de forma genérica, pois a realidade de quem trabalha e não tem acesso ao estudo é bem diferente daquela de quem estuda e não precisa trabalhar. Além disso, o estudo é diferente para quem pretende assumir os negócios da família ou se beneficiar de seu capital social e financeiro para começar uma carreira que responda à sua aspiração. Quem trabalha para ajudar em casa e "se vira nos trinta" para estudar mal tem tempo de sonhar com uma carreira, tendo que trabalhar no que for necessário.

A meritocracia deveria ser a medida da diferença entre o ponto do qual se saiu e o ponto ao qual se chegou, levando em conta o "meio de transporte" a que se teve acesso. O meio de transporte aqui diz respeito às condições subjetivas, materiais, sociais, raciais e de gênero.

Daí que para o jovem que já assume responsabilidade dentro e fora de casa desde pequeno o sonho de sair de casa é mais tolhido pela realidade material do que pelo medo de assumir sua vida.

Já os jovens com maior poder aquisitivo a situação é mais insólita. Por que abrir mão de roupa lavada, casa limpa, supermercado feito, comida pronta, viagens? A resposta até então era óbvia: por liberdade! Mas hoje os jovens abastados têm verdadeiros "flats" dentro de casa, com banheiro privativo, frigobar, televisão e, como dizia uma funcionária doméstica, a depender do estilo de família, alguém para recolher camisinhas e bitucas do chão.

O que temem os pais que tratam os filhos como se eles fossem os donos da casa e não o contrário? Têm medo de se sentirem sós com sua saída? O desejo de permanecer junto aos filhos também está presente nas classes populares nas quais a obsessão burguesa por privacidade soa estranha. Viver entre vizinhos, parentes e crianças faz a alma da comunidade, enquanto nos condomínios abastados o convívio fora do círculo familiar é visto como um pesadelo. Mesmo assim, em todos os níveis, os jovens sempre tiveram anseios de se emancipar.

Num país como o Brasil, no qual tudo é usado para marcar a separação entre pobres e ricos (cor, língua, roupas, consumo, territórios de circulação), pode ser difícil ver os filhos se virarem com o padrão de quem está começando. Vê-los privados de passeios ou de bens de consumo deveria ser motivo de orgulho, por revelar o esforço do jovem, mas parece ter se tornado um constrangimento. Daí que o jovem é alavancado com viagens e compras que não é capaz de bancar, minando ainda mais sua aspiração por conquistas pessoais.

A emancipação financeira não está nada fácil, o que torna compreensíveis muitos casos nos quais o filho permanece em casa à revelia do seu desejo e dos pais. Mas é no convívio doméstico que veremos o que está em jogo no projeto de emancipação dos pais e dos filhos. Se ele tem direitos de adultos deveria ter suas obrigações também, se não as tem, deveria ter seus direitos tolhidos. Mas a balança tem pendido para o lado do privilégio, não da responsabilidade. Estamos diante de uma versão dos "mammones" italianos —filhos que não saem de casa antes dos 30— , fruto da recessão, da vida mansa oferecida pelos pais e de um ideal de família unida.

Jovens continuam querendo se separar dos pais, mas na paradoxal condição de que os últimos permaneçam sendo seus provedores. Pais, por sua vez, não estão conseguindo abrir mão da fantasia de serem eternos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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