Bruno Tavares
Bertolt Brecht viveu duas Guerras Mundiais. Foi perseguido pelos nazistas na Alemanha onde nasceu, e pelos direitistas nos Estados Unidos onde se refugiou. É considerado um dos maiores dramaturgos e diretores de teatro do século 20.
Como vi poucas montagens de peças suas, sempre penso nele como um poeta, e acredito que poucas pessoas terão contribuído tanto quanto ele para a evolução do poema e da letra de música de nossa época.
É, junto com o russo Maiakóvski, o melhor exemplo de como uma ideologia política pode aguçar o gume da poesia, em vez de embotá-lo, e, como Maiakóvski, sempre entrou em choque com os ortodoxos e os burocratas.
Sobrevivem até hoje a crueza e o lirismo de suas imagens, seu sarcasmo contra os poderosos, o clareza lógica de seu pensamento, seu gosto pelo aparente paradoxo e pelas reviravoltas conceituais. Escreveu baladas, poemas longos, epigramas, versos engajados, versos de circunstância.
Ao falar de Manhattan, assim se referiu às metrópoles do nosso tempo: “Destas cidades só restará o vento que as atravessa.”
E se referiu assim a sua cidade natal: “É aquela coisa, ali, no meio das chamas.”
Ironizou mais de um governo dizendo: “Então, por que o Governo não manda o Povo embora e elege outro?”
E advertiu, como um Confúcio socialista: “Um novo tempo não se faz de repente. Meu avô já vivia nos novos tempos. Meus netos talvez ainda vivam no velho.”
Brecht, um mero homem de letras, era tudo menos um pacifista ingênuo. Disse uma vez: “Se enfie na lama, beije o carrasco, mas mude o mundo, ele precisa ser mudado.” Num de seus poemas curtos ele observa uma máscara chinesa representando uma entidade maligna, vê as veias dilatadas em sua testa, e pensa como dá trabalho ser do Mal.
Para os tempos de hoje, o seu texto que me parece mais evocativo é O deus da guerra (Der Kriegsgott), de 1949. Como não sei alemão, traduzi a partir da versão inglesa de Michael Hamburger.
Eu vi o velho deus da guerra de pé num pântano, entre a parede de pedra e o precipício.
Cheirava a cerveja grátis e a ácido carbólico, e mostrava os testículos às adolescentes, porque tinha sido rejuvenescido por vários cientistas.
Tinha a voz de um lobo enrouquecido, e declarava seu amor por tudo que era jovem.
Ao seu lado estava uma mulher grávida, trêmula de medo.
Falando com desenvoltura, dizia ser o maior dos defensores da ordem.
E contava como por toda parte impunha a ordem nos estábulos, esvaziando-os.
E, assim como quem joga migalhas de pão aos pássaros, alimentava os pobres com migalhas tomadas de outros pobres.
Sua voz ora era forte, ora suave, mas sempre rouca.
Com a voz forte ele nos falava dos grandes tempos que estavam por vir, e com a voz suave ele ensinava às mulheres como cozinhar corvos e gaivotas.
Seus ombros estavam sempre inquietos, e a toda hora ele olhava para trás, como se temesse ser apunhalado.
E de cinco em cinco minutos ele garantia ao público que iria tomar pouco, muito pouco do seu tempo.
Fonte: http://mundofantasmo.blogspot.com
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