Ruy Castro
Em 2024, o rato de Disney deixará de ser exclusividade de seu criador
Há anos, um garoto brasileiro em visita à Disney desgarrou-se do grupo, sentiu-se perdido e pediu ajuda a um Mickey nas proximidades. Não era o Mickey verdadeiro, claro —haverá um?—, mas um funcionário legalmente fantasiado de Mickey. Para o brasileirinho, quem melhor para socorrê-lo do que Mickey, o algoz dos Irmãos Metralha? Mas o Mickey de araque ignorou-o. O garoto insistiu, e o Mickey mandou-o passear. Indignado, nosso pequeno herói deu-lhe um bico na canela que fez o pseudo-rato guinchar num pé só. Resultado: o menino foi parar na delegacia da Disney, acusado de provocar distúrbio.
A partir de 2024, isso não será mais possível. Nesse ano, Mickey não poderá mais mandar e desmandar na Disney —porque cairá em domínio público. De acordo com a lei de propriedade intelectual dos EUA, personagens fictícios deixam de ser exclusividade de seus criadores depois de 95 anos de sua criação.
Donde o Mickey de pernas finas que estreou no desenho "Steamboat Willie", de 1928, cairá na praça. E, dois ou três anos depois, o Mickey mais baixinho e compacto que conhecemos, com as orelhas em diagonal e a luva de quatro dedos, desenhado por Ub Iwerks, também será do mundo.
Ub Iwerks? Como assim? Não era Walt Disney quem desenhava Mickey? Não, nunca foi. Walt também nunca desenhou Donald, criação imortal de Carl Barks, nem nenhum dos outros personagens. Durante muito tempo, isso foi segredo, porque Walt nunca lhes deu o crédito nos filmes e gibis —o que só começou a fazer quando os desenhistas foram à Justiça em busca de seus direitos.
É possível que muito do universo Disney tenha mesmo brotado da cabeça de Walt. E sabe-se que, enquanto ele viveu (1901-66), nada saiu de seu estúdio sem a sua aprovação.
Mas Walt acreditava sinceramente em Branca de Neve. Foi preciso que ele morresse para que a Disney se tornasse a corporação fria e mamute que é hoje.
Fonte: Folha de S. Paulo - 14/08/2022
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