José Horta Manzano
Alguns chamam esta tendência de “complexo de vira-lata”, expressão que prefiro não utilizar por me parecer pesada e injuriosa. Seria até bom encontrar opção menos agressiva. Estou falando do fascínio que tudo o que vem do estrangeiro exerce sobre nossa população.
Deve ser fenômeno antigo, visto que, de memória, recordo que sempre foi assim. Artigo estrangeiro sempre foi valorizado. Mas a lógica nos ensina que, logo nas primeiras décadas do descobrimento, os produtos desta terra é que devem ter sido valorizados na Europa. Imagine o pasmo de um europeu dos anos 1500 diante de um abacate, de um abacaxi ou de um animal desconhecido no Velho Continente. Não sei quando é que o encanto mudou de mão.
“Nacional ou importado?” – é pergunta que se pode ouvir em comércios do Brasil, tanto de alimentos como de roupas, de azulejos, de relógios, e de inúmeros outros artigos. Pressupõe-se que o importado é necessariamente de melhor qualidade, o que justifica preço bem superior.
Mas não pense que é assim por toda parte. Me lembro de um dia, muitas décadas atrás, em que eu fazia umas comprinhas numa feira-livre aqui na Suíça. Numa banca de legumes e verduras, vi duas caixas de tomates muito parecidos, mas com preços diferentes. Apontei para os mais caros e perguntei a razão do preço. A resposta veio natural: “Ah, estes custam mais caro porque são tomates suíços! Os outros são importados.”.
Com o tempo fui aprendendo que aqui, em princípio, artigo nacional custa mais caro que o estrangeiro. No começo, deve ter me parecido uma estranha tendência, nem lembro mais. Com o tempo, me acostumei.
Por que é que contei essa história? Foi justamente para mostrar que o que ocorre no Brasil não é tendência universal. Talvez nossa admiração por artigos importados venha do período colonial, do tempo em que nosso território era isolado do mundo, longe de tudo, sem fábricas, sem jornais, sem escolas superiores. Naquela época, o importado era necessariamente melhor, visto que nacional não havia.
Hoje essa admiração sistemática pelo que vem de fora – cujo efeito perverso é a depreciação sistemática de tudo o que é nacional – não tem mais razão de ser. O mundo mudou, o Brasil já não é uma província isolada, situada quase fora do mapa. Aqui há coisas boas e más, como em toda parte. Ainda bem que é assim, se não a Embraer não seria uma das grandes construtoras mundiais de aviões.
Enquanto nossa estranha tendência não arrefece, é bom irmos nos acostumando com o mais recente barbarismo. É o recém-anunciado “free flow”, sistema que permite passar pelo pedágio rodoviário sem parar. Não sei como funciona, mas pouco importa porque não é esse o objetivo deste artigo. Acho simplesmente que importar a expressão em língua inglesa e servi-la assim – crua, sem cozinhar, sem ao menos descascar – é um despropósito.
“Sem cancela”, “Passa rápido”, “Vamos em frente”, “Cuca fria”, “Sinal verde”, “Passe livre”, “Sem problema”, “Sai da frente”, “Pedágio simples”, “Via livre“ – seriam nomes possíveis para substituir o barbarismo. Rápida sondagem entre futuros usuários daria mais centenas de opções. Mas foi mais simples pegar a expressão estrangeira tal e qual. É uma tremenda falta de criatividade.
Fonte: brasildelonge.com
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