sábado, 28 de janeiro de 2023

VACA VIRTUAL

Carlos Heitor Cony
Li nos jornais e vi na TV: impressionado pelo fato de a filha, de 14 anos, passar 13 horas diárias diante da telinha, fazendo aquilo que chamam "navegar na internet", o pai tomou uma decisão drástica: tirou o computador do quarto da menina e colocou-o na sala, junto com os sofás, as poltronas e diversos outros eletrodomésticos.

Pensou que, num ambiente maior e mais poluído pelos habitantes da casa, a filha diminuiria a carga horária diante da telinha, limitando-se ao essencial, tanto no que diz respeito às informações gerais como ao gostoso bate-papo que a internet possibilita ao aproximar e ligar pessoas no universo virtual.

Na minha infância, não havia internet. Havia a geladeira, em cuja porta eu deixava recados para minha mãe ou para meus irmãos. Muitas vezes, um simples beijo, com um coração desenhado a lápis de cor vermelha. Também recebia recados, não esqueça de fazer isso, tem pastéis de queijo no forno, te amo, etc. Já era uma forma de solidão. Mas não se gastava 13 horas com esse tipo de interação, embora o universo atingido fosse mínimo.

Levando ao limite: com o desenvolvimento da informática (que ainda está na sua pré-história), com as novas ferramentas que estão a caminho, chegaremos ao limite de os jovens futuros gastarem 20 horas na telinha, reservando apenas 4 para dormir, uma vez que o banho diário e as necessidades de higiene poderão ser feitas também de forma virtual, não sei como mas tudo é possível. Serão novos Josés Serra que só viu uma vaca de verdade, em carne e osso, quando era adulto, candidato presidencial e ministro da Saúde. Evidente que ficou maravilhado.

Fonte: Folha de S. Paulo - 02/05/2006

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