Quando publiquei pela primeira vez uma matéria assinada em jornal cheguei em casa meio triunfante, com o exemplar do Diário da Borborema, mas meu pai, depois de elogiar, fêz a ressalva: “Publique livros. O jornal passa, o livro fica.”
Dei-lhe razão, mas isto nunca me impediu de, por exemplo, recortar e guardar minhas colunas preferidas assinadas por João Saldanha ou por Paulo Francis. O jornal passa, não porque seja superficial, mas porque seu tempo de vida é igual ao seu tempo de gestação: 24 horas, não mais.
Nesse aspecto, ele lembra um pouco a Cantoria de Viola, onde ninguém espera ver brotar do cantador uma obra-prima atrás da outra. A Cantoria é feita de versos que passam, versos inventados na hora e que em geral são esquecidos para sempre. A Cantoria é feita de tentativas incessantes de fazer um grande verso – um verso que diga a coisa certa, do jeito certo, no momento certo. E isto de vez em quando acontece, tanto é assim que no Nordeste muita gente continua a percorrer quilômetros, até mesmo a pé, para ver uma cantoria e, talvez, testemunhar um desses gols de placa.
O verso bom fica. O artigo bom fica, não arquivado em pastas, mas clonado nas conversas de escritório ou de botequim, glosado ou parafraseado nos artigos alheios. As idéias vão ficando, vão se encorpando. O jornal tem alguma coisa de livro, mas também tem alguma coisa de literatura oral, de conversa, de histórias cuja credibilidade depende apenas de quem as conta.
A expressão popular “jogar conversa fora” parece uma expressão desdenhosa: é como se estivéssemos jogando lixo na correnteza do riacho que passa nos fundos de casa. Ela pode, contudo, ser vista de outra forma: jogar a conversa “para fora”, exibir em público nossas idéias, expô-las ao risco do ridículo, da descrença ou da refutação.
Algumas de nossas idéias mais geniais são abatidas em pleno vôo por uma ironia, por uma crítica, por um desmentido impiedoso de quem entende daquele assunto mais do que nós. Sem falar nas idéias que não despertam o interesse de ninguém, e passam em branco.
Se até nós mesmos passamos, seria pretensioso exigir que tudo que escrevemos fique. Melhor fazer como os cantadores de viola, que tanto produzem pedregulhos quanto diamantes, e quem tiver sorte que os recolha, porque eles estão ocupados em produzir mais. É possível que alguns dos melhores improvisos de jazz que já foram feitos tenham se perdido no ar, porque não havia nenhum gravador ligado para registrar a noite em que aconteceram. Mas se havia alguém tocando, havia alguém escutando, e aquilo não se perdeu de todo.
A memória humana é imprevisível. Tudo que consegue ser lido já se imortaliza de alguma forma. Como dizia o poeta Dimas Batista: “Tudo passa, na vida tudo passa, mas nem tudo que passa a gente esquece.”
Fonte: http://mundofantasmo.blogspot.com
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