Falo não de semideuses com espada em punho, mas de heróis humanos que admiro
Quando digo heróis, não me refiro ao arquétipo do semideus com uma espada em punho, e sim aos seres humanos que admiro. Quando digo overposting, é meio que isso mesmo, não tem mistério. Literalmente.
Uma das minhas pessoas favoritas não tem nenhum perfil nas redes sociais. Talvez por isso seja uma das minhas pessoas favoritas: porque não tenho acesso à sua versão virtual desesperada por atenção em uma saga para transformar sua vida em entretenimento barato.
Quando dizem que as redes sociais são tóxicas, sempre lembro daquele slogan da Kodak: "Você aperta o botão, nós fazemos o resto". Sim, as redes sociais são todas pensadinhas para viciar como crack, mas quem aperta o botão somos nós.
É uma curtição em que ninguém parece estar curtindo de verdade: a pessoa infeliz edita e publica um conteúdo para provar para outra pessoa que está feliz, daí essa outra pessoa se pergunta por que não está tão feliz quanto a pessoa que parece estar feliz mas não está e, se sentindo infeliz, agora também quer mostrar que está feliz mesmo que não esteja e assim por diante.
Recentemente, fiz um detox de posts de amigos e alguns chegaram a me perguntar: "por que você não me curte mais?". Respondi que não era nada pessoal, o que foi a forma mais educada que encontrei de dizer que não vou permitir que a versão virtual dele se coloque no meio da nossa amizade.
Pois quando minha pessoa favorita, sem arroba, chique até dizer chega, pediu meu celular para stalkear nossos amigos em comum, eu já sabia o que ia acontecer.
Vi o brilho dos seus olhos se esvair quando descobriu que um deles tinha um feed conceito (lê-se: polui o planeta fotografando em 35mm o que há de mais desinteressante com a pretensão de parecer uma pessoa interessante); outro reproduzia trends do Tik Tok (lê-se: sem qualquer pretensão de parecer uma pessoa interessante e/ou com excesso de tempo livre), outro era um lacrador compulsivo que não conseguia postar uma foto de pet sem cunho político; outro, uma metralhadora giratória de selfies que pesava a mão no filtro ao ponto se tornar irreconhecível.
Todos, na verdade, eram irreconhecíveis em relação às suas versões humanas. Talvez porque quando a gente se esforça demais para parecer uma versão melhor de nós mesmos, essa acaba sendo a nossa pior versão.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário