Ruy Castro
Dez criminosos da ditadura argentina vão à prisão perpétua
Há dias, a Justiça da Argentina condenou dez ex-militares à prisão perpétua por crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983) naquele país. Alguns desses crimes foram de sequestro, tortura e homicídio, este muitas vezes o "voo da morte" —a prática de atirar prisioneiros políticos no mar, de avião. O centro desses torturadores era uma base militar perto de Buenos Aires. Por ali podem ter passado 5.000 pessoas. Uma delas, o pianista brasileiro Tenorio Jr.
Tenorio tinha 33 anos, quatro filhos e sua mulher, no Rio, esperava o quinto. Fora uma das grandes revelações do samba-jazz e seu LP "Embalo", lançado em 1964, é um dos três ou quatro discos decisivos do gênero —a edição original, pela RGE, chega hoje a alguns milhares de reais nos leilões.
Em 1976, Tenorio era o pianista de Vinicius de Moraes e Toquinho, que se apresentavam em Buenos Aires. Na noite de 18 de março, ele saiu do hotel Normandie para dar uma volta. Deixou um bilhete na recepção dizendo "Volto logo". Mas não voltou. Foi um dos primeiros "desaparecidos" do golpe que dali a dias deporia a presidente Isabelita Perón.
Tenorio só pensava em música. Não se interessava por política. Presume-se que tenha sido preso por engano na avenida Corrientes, confundido pelos óculos e barba com um ativista que os golpistas queriam neutralizar. Levado à tortura e sem saber o que dizer, foi espancado de tal forma que, mesmo constatado o engano —confirmado, segundo dizem, por funcionários da embaixada brasileira, militantes da nossa própria ditadura—, estava machucado demais para ser devolvido. O jeito era jogá-lo do avião, não se sabe se vivo ou morto. Seu corpo nunca foi encontrado.
Há hoje uma placa com seu nome na fachada do hotel. E, agora, quase meio século depois, dez dos responsáveis por esse tipo de crime chegaram à Justiça. Têm entre 79 e 98 anos. Mas nunca é tarde para pagar.
Fonte: Folha de S. Paulo - 10/07/2022
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