Ruy Castro
Quando se fará justiça a Maria Bárbara Sousândrade, filha do consagrado poeta?
Já contei essa história aqui, mas, desde então, passaram-se muitos Natais e uma geração inteira de Papais Noéis. Aconteceu em São Luís do Maranhão, por volta de 1890. Terminada a ceia de Natal, os parentes e amigos da jovem professora se reuniram em torno da árvore para trocar presentes e cantar madrigais. De repente, entrou pela janela um homem gordo, de barbas brancas, ceroula e touca vermelho-sangue, botas e cinto pretos, um ameaçador saco às costas e emitindo sons de "Ho! Ho! Ho!".
Que diabo era aquilo? Susto, pânico, correria. Ali havia velhos, mulheres e crianças. Um dos presentes sacou um trabuco e o apontou para o intruso, com a intenção de crivá-lo. O homem, súplice e balbuciante, rendeu-se tremendo com os braços para cima e deixou cair o saco cheio de embrulhos. E, então, a dona da casa colocou-se entre a arma e o alvo. Alçou a testa e proclamou: "Não o matem! É o Papai Noel!".
Só ali, a jovem —Maria Bárbara de Andrade, filha do excêntrico poeta local Joaquim de Sousa Andrade, vulgo Sousândrade— explicou. Ela e seu pai tinham morado por 20 anos em Nova York. Foi onde, em criança, ela conheceu e se apaixonou por aquela figura que se tornara nos EUA o símbolo do Natal.
O homem de roupa vermelha e barbas brancas com um saco às costas fora uma criação do ilustrador Thomas Nast para a revista Harper’s Weekly em 1863 e, pelos anos seguintes, fixara-se no coração das crianças americanas. Mas ninguém o conhecia por aqui. Para apresentá-lo ao Brasil, Maria Bárbara contratara um senhor gordo e o maquiara e fantasiara de acordo. Os convidados, aliviados, relaxaram. Abraçaram o Papai Noel e lhe serviram vinho (não, não lhe ofereceram Coca-Cola).
E assim foi. Hoje, a impenetrável poesia de Sousândrade é estudada na USP como pioneira do concretismo. Mas quando se fará justiça a Maria Bárbara Sousândrade como pioneira do Papai Noel?
Fonte: Folha de S.Paulo
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