Gustavo Krause*
Como vem acontecendo em todas os campos da vida, as mulheres estão vencendo a guerra da desigualdade de gênero no futebol
No Qatar, a festa do futebol demonstrou que as mulheres promoveram a mais profunda e silenciosa revolução da história da Humanidade: a revolução feminina, sem bombas e, apesar dos martírios, está em curso. É um processo permanente de luta e de ampliação de conquistas.
A mais antiga e a mais institucionalizada das opressões perdeu espaço, porém está longe de assegurar a plena libertação da oprimida.
Foi muito bonito e animador ouvir a voz da mulher narrar, comentar e arbitrar as partidas de futebol, conversa restrita ao universo masculino. O espaço androcêntrico do futebol foi se rendendo, pouco a pouco, quando as mulheres desmentiram a suposta incapacidade congênita de dominar a bola e empolgar o mundo batendo um bolão.
No meu caso, boleiro contumaz, jamais imaginei que elas fossem capazes da proeza do chute potente, do passe milimétrico, do drible desconcertante e da cabeçada fulminante. Pudera, pensava, como ele vai matar a bola no peito, protuberâncias que são a fonte da vida? Ela não matou, acolheu delicadamente a bola, amansou e acariciou a redonda com a destreza do craque.
Fui seduzido por Marta, mágica, Formiga, perseverante e Cristiane, artilheira.
Seis vezes eleita a melhor do mundo, a alagoana Marta e suas companheiras venceram o mais difícil de todos os obstáculos: o preconceito e a indiferença dos patrocinadores. Eis o grande paradoxo: o país do futebol, pentacampeão do mundo, era restrito aos homens; a Europa e os EUA, mantinham a hegemonia do futebol feminino, heroicamente, perseguidos pelas nossas atletas.
Como vem acontecendo em todas os campos da vida, as mulheres estão vencendo a guerra da desigualdade de gênero. No Brasil, desde setembro de 2020, A CBF anunciou que as jogadoras passariam a receber as mesmas diárias e premiações dos jogadores.
Os EUA, a meca do capitalismo, perceberam que o futebol feminino é um grande negócio e se renderam à decisão judicial que deu ganho de causa à campeoníssima, Megan Rapinoe. A U.S Soccer equiparou a remuneração das seleções masculinas e femininas.
A Copa não é só futebol. É política, também. Foi escancarado o horror vivido pelas mulheres iranianas vítimas de uma “polícia moral” o que reforça minha convicção de que, diferente do falso patriotismo, “último refúgio do canalha” (Samuel Johson), o moralismo é o primeiro refúgio.
Sigo a linha do pensamento de Domênico De Masi: “Junto com a criatividade, a flexibilidade, a emotividade, a estética, um outro valor importante é a feminilização. Isto é, a sociedade pós-industrial não é nem homem, nem mulher: é andrógina”.
*Gustavo Krause foi ministro da Fazenda
Fonte: https://www.metropoles.com
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