sábado, 31 de dezembro de 2022

A ARTE DE ROUBAR

Mirian Goldenberg

Como dizia o velho guerreiro: 'Nada se cria, tudo se copia!'

Como vocês já sabem, demorei muito a ter um perfil nas redes sociais, mas me senti obrigada a entrar no Instagram, em 2018, para atender aos pedidos das mulheres que amaram o meu TEDx "A Invenção de uma Bela Velhice", que viralizou no YouTube, com quase 1,3 milhão de visualizações.

Ok, vou entrar. Ok, vou ter um celular melhorzinho (que me dei de presente no meu aniversário no dia 11 de dezembro, o que eu tinha era o mais barato que existia). Ok, vou postar o "textão da Mirian" no meu Instagram, onde tenho mais de 60 mil seguidoras super engajadas e com fome de informação. Ok, o que eu pesquiso e escrevo pode ter algum impacto positivo na vida de mulheres que estão em pânico com o próprio envelhecimento.

Só que não conheço (e nem quero conhecer) as regras do algoritmo. E, infelizmente, no mundo virtual existem as mesmas competições e disputas pelo poder que tanto odeio no mundo real.

É batata! Assim que posto o "textão da Mirian", alguma "influenciadora" faz uma postagem (quase) idêntica e, o pior de tudo, sem me citar. Que sacanagem! Resumindo: trabalhei muito para criar um post, escrever o texto, postar, e ela, em alguns minutos, aproveita muito melhor a minha ideia. Como pode?

Óbvio que isso não acontece apenas no mundo virtual. Quando escrevi "A Outra", em 1990, que foi um tremendo sucesso, uma antropóloga me disse: "Ah, eu também estou pensando em fazer uma pesquisa com amantes de homens casados".

Depois que o meu TEDx viralizou, uma psicóloga fez uma palestra (quase) idêntica, falando da curva da felicidade, do botão do foda-se, de "o corpo como capital", das coroas poderosas e da revolução da bela velhice. Parecia que as minhas ideias tinham sido inventadas por ela. E não mencionou meu nome uma única vez.

No Instagram a coisa é muito mais rápida e descarada. Um tempo atrás postei um trecho da coluna que escrevi para a Folha, "Toda mulher é meio Fernanda Montenegro", no dia do aniversário da atriz. Minutos depois, uma "influencer 50+" postou "Toda mulher é meio Fernanda Montenegro", com o mesmo texto, sem me mencionar. Que raiva!

Fico me sentindo uma verdadeira idiota porque, além de copiar o que eu escrevo, elas fazem uma postagem muito mais bonita e produzida do que a minha. E ninguém sabe que copiaram a minha ideia.

Cheguei à conclusão de que o Instagram, Face, Linkedin, Twitter etc não são a minha praia, e pensei em parar de postar meus textões reflexivos, até porque o algoritmo só gosta de vídeos engraçadinhos, dancinhas e polêmicas. Até que uma amiga que sabe tudo de algoritmo me fez mudar de ideia:

"Mirian, você precisa continuar o seu trabalho tão importante para as mulheres que têm pânico de envelhecer. Você deveria se sentir orgulhosa de ser imitada, é sinal de que o seu trabalho tem impacto nas nossas vidas. Ignora essas vampiras, parasitas e sanguessugas que só existem porque chupam as ideias dos outros. Elas não têm a menor competência para produzir um conteúdo original, precisam roubar as ideias de quem é relevante. Lembra que a Coco Chanel adorava ser imitada e dizia: ‘Se você quer ser original, esteja pronta para ser copiada’".

Imediatamente, pensei em um conceito antropológico de Marcel Mauss: "imitação prestigiosa". Em toda e qualquer cultura, as pessoas imitam, consciente ou inconscientemente, quem tem sucesso, prestígio e poder. É interessante enfatizar que a imitação pode ser inconsciente.

Agora, em vez de ficar chateada quando alguma postagem minha for imitada, vou dizer para a "influenciadora":

"Você tem toda a razão. Que bom que você está divulgando as minhas ideias, você sabe se comunicar muito melhor do que eu no Instagram. Não é à toa que você tem tantas seguidoras e até ganha dinheiro com isso. Mas será que é pedir muito para, na próxima vez que você postar algo igual ao que eu postei, você dizer que se inspirou no que eu escrevo e mencionar as minhas pesquisas? Eu agradeço muitíssimo desde já".

Afinal, como ensinou o velho guerreiro, "quem não se comunica, se trumbica!" Chacrinha também deixou uma lição essencial para alcançar o sucesso nas redes sociais: "Nada se cria, tudo se copia."

Fonte: Folha de S. Paulo

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