sábado, 31 de dezembro de 2022

PALAVRA DO ANO: DEMOCRACIA

Aldo Bizzocchi

Mais um ano se finda, e é chegada a hora de elegermos a palavra do ano, o vocábulo mais utilizado e repetido nos últimos doze meses ou o que melhor sintetiza o espírito desse período. E, a meu ver, esse vocábulo é democracia. Certas palavras só se tornam importantes quando aquilo que elas representam se torna escasso: ninguém fala o tempo todo sobre o ar que respiramos a não ser que ele comece a faltar. Assim foi com a democracia. Deveria ser um termo banal, designativo de algo onipresente como o ar, mas, se tanto falamos dela neste 2022, é porque tivemos o medo real de perdê-la. Mais do que isso, tivemos a consciência do quanto ela esteve e ainda está sob ameaça.

Em pleno século XXI, a democracia idealizada pelos filósofos iluministas do século XVIII ainda é exceção e não regra; a maior parte dos seres humanos vive sob regimes que nem de longe se parecem democráticos. A brutalidade do poder que oprime e se legitima pela violência e pelo terror ainda domina a maioria das sociedades e estados. Por ser tão rara, a democracia é tão preciosa, como uma flor frágil que precisa ser regada e adubada diariamente para que não feneça. E há muitos que querem matá-la, que preferem a tirania porque acreditam ingenuamente que levarão vantagem em estar ao lado dos tiranos, esquecendo-se de que tiranos não têm amigos, apenas se utilizam de seus aliados enquanto estes lhes servem; quando não mais, os descartam impiedosamente.

Democracia, palavra de origem grega formada de dêmos, “povo”, e krátos, “poder, governo”, é o governo do povo, para o povo e pelo povo. É bem verdade que em nenhum lugar do mundo é o povo quem governa. Mesmo na antiga Atenas, berço do termo e do sistema, exerciam o poder todos os cidadãos, que no caso não chegavam a um quinto da população da cidade-estado, já que mulheres, crianças, estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos. Nas sociedades modernas, muito mais complexas que a pólis ateniense, a democracia só pode ser representativa ou, no máximo, participativa. Em ambos os casos, os cidadãos elegem representantes, que são quem vai legislar e apoiar — ou não — o governo eleito. E, como a democracia não raro degenera em demagogia, como já alertava Aristóteles, isso num tempo em que ainda nem havia marketing político, os “representantes do povo” não representam o povo e sim os lobbies que os elegeram: grandes corporações, grandes latifundiários, igrejas proselitistas e altamente capitalistas, poderosos sindicatos, até organizações criminosas. Isso quando não representam a si mesmos, isto é, defendem seus próprios interesses particulares, legislando em causa própria.

Apesar de tudo isso, a democracia é, como dizem, o pior dos regimes, com exceção de todos os demais. Estejamos, pois, vigilantes; como disse John Philpot Curran em 1790, o preço da liberdade é a eterna vigilância. Feliz Ano Novo!

Fonte: https://diariodeumlinguista.com

Seja legal com seus filhos. São eles que vão escolher seu asilo. (Itamar Franco)

LUGARES

LOCARNO - SUÍÇA
Locarno é uma comuna e cidade turística da Suíça, no Cantão Tessino, com cerca de 14 836 habitantes. Estende-se pelas margens do Lago Maggiore por uma área de 19,42 km², de densidade populacional de 764 hab/km². Wikipédia

A ARTE DE ROUBAR

Mirian Goldenberg

Como dizia o velho guerreiro: 'Nada se cria, tudo se copia!'

Como vocês já sabem, demorei muito a ter um perfil nas redes sociais, mas me senti obrigada a entrar no Instagram, em 2018, para atender aos pedidos das mulheres que amaram o meu TEDx "A Invenção de uma Bela Velhice", que viralizou no YouTube, com quase 1,3 milhão de visualizações.

Ok, vou entrar. Ok, vou ter um celular melhorzinho (que me dei de presente no meu aniversário no dia 11 de dezembro, o que eu tinha era o mais barato que existia). Ok, vou postar o "textão da Mirian" no meu Instagram, onde tenho mais de 60 mil seguidoras super engajadas e com fome de informação. Ok, o que eu pesquiso e escrevo pode ter algum impacto positivo na vida de mulheres que estão em pânico com o próprio envelhecimento.

Só que não conheço (e nem quero conhecer) as regras do algoritmo. E, infelizmente, no mundo virtual existem as mesmas competições e disputas pelo poder que tanto odeio no mundo real.

É batata! Assim que posto o "textão da Mirian", alguma "influenciadora" faz uma postagem (quase) idêntica e, o pior de tudo, sem me citar. Que sacanagem! Resumindo: trabalhei muito para criar um post, escrever o texto, postar, e ela, em alguns minutos, aproveita muito melhor a minha ideia. Como pode?

Óbvio que isso não acontece apenas no mundo virtual. Quando escrevi "A Outra", em 1990, que foi um tremendo sucesso, uma antropóloga me disse: "Ah, eu também estou pensando em fazer uma pesquisa com amantes de homens casados".

Depois que o meu TEDx viralizou, uma psicóloga fez uma palestra (quase) idêntica, falando da curva da felicidade, do botão do foda-se, de "o corpo como capital", das coroas poderosas e da revolução da bela velhice. Parecia que as minhas ideias tinham sido inventadas por ela. E não mencionou meu nome uma única vez.

No Instagram a coisa é muito mais rápida e descarada. Um tempo atrás postei um trecho da coluna que escrevi para a Folha, "Toda mulher é meio Fernanda Montenegro", no dia do aniversário da atriz. Minutos depois, uma "influencer 50+" postou "Toda mulher é meio Fernanda Montenegro", com o mesmo texto, sem me mencionar. Que raiva!

Fico me sentindo uma verdadeira idiota porque, além de copiar o que eu escrevo, elas fazem uma postagem muito mais bonita e produzida do que a minha. E ninguém sabe que copiaram a minha ideia.

Cheguei à conclusão de que o Instagram, Face, Linkedin, Twitter etc não são a minha praia, e pensei em parar de postar meus textões reflexivos, até porque o algoritmo só gosta de vídeos engraçadinhos, dancinhas e polêmicas. Até que uma amiga que sabe tudo de algoritmo me fez mudar de ideia:

"Mirian, você precisa continuar o seu trabalho tão importante para as mulheres que têm pânico de envelhecer. Você deveria se sentir orgulhosa de ser imitada, é sinal de que o seu trabalho tem impacto nas nossas vidas. Ignora essas vampiras, parasitas e sanguessugas que só existem porque chupam as ideias dos outros. Elas não têm a menor competência para produzir um conteúdo original, precisam roubar as ideias de quem é relevante. Lembra que a Coco Chanel adorava ser imitada e dizia: ‘Se você quer ser original, esteja pronta para ser copiada’".

Imediatamente, pensei em um conceito antropológico de Marcel Mauss: "imitação prestigiosa". Em toda e qualquer cultura, as pessoas imitam, consciente ou inconscientemente, quem tem sucesso, prestígio e poder. É interessante enfatizar que a imitação pode ser inconsciente.

Agora, em vez de ficar chateada quando alguma postagem minha for imitada, vou dizer para a "influenciadora":

"Você tem toda a razão. Que bom que você está divulgando as minhas ideias, você sabe se comunicar muito melhor do que eu no Instagram. Não é à toa que você tem tantas seguidoras e até ganha dinheiro com isso. Mas será que é pedir muito para, na próxima vez que você postar algo igual ao que eu postei, você dizer que se inspirou no que eu escrevo e mencionar as minhas pesquisas? Eu agradeço muitíssimo desde já".

Afinal, como ensinou o velho guerreiro, "quem não se comunica, se trumbica!" Chacrinha também deixou uma lição essencial para alcançar o sucesso nas redes sociais: "Nada se cria, tudo se copia."

Fonte: Folha de S. Paulo

FRASES ILUSTRADAS

 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

JURO QUE EM 2023, ANO DOS MEUS 80 ANOS, LARGAREI VELHOS COSTUMES

Drauzio Varella

A vida é um palco em que o cenário muda a toda hora e os personagens se retiram um a um, condenando desatentos

Todo fim de dezembro, prometo a mim mesmo ser outra pessoa no ano que virá. Revejo os defeitos que me enxovalham a autoimagem e dificultam a minha existência.

Para não transformar a coluna de hoje num rosário de lamúrias, prezada leitora, vou me restringir aos defeitos publicáveis, não falarei daqueles que relego às catacumbas da consciência.

Meu pai era contador, dizia preferir o inferno depois da morte para ficar livre dos papéis. Talvez por traço genético, sempre tive problemas com a papelada, nem a internet me libertou dela. Quando um artigo científico ou texto literário impressocai em minhas mãos, por irrelevante que pareça, coloco sobre a mesa de trabalho para ler ou reler mais tarde, mesmo sabendo que envelhecerá naquele local.

Se tivesse lido 10% dos livros que se acotovelam nas estantes e das revistas científicas empilhadas entre eles, seria um médico de notório saber e o homem culto que sempre desejei ser. As prateleiras abarrotadas no escritório de casa olham para mim como um anátema bíblico que vocifera: "Lembra-te homem: és ignorante e da ignorância jamais te libertarás".

Planejo, então, doar os livros adormecidos há décadas, comprados para atender a interesses que perdi ou que chegaram a mim porque me foram dados por pessoas queridas ou pela incapacidade de me separar deles. Apesar dos fracassos anuais em realizar essa tarefa, juro que agora será diferente.

A mesma dificuldade tenho com as roupas que disputam centímetro a centímetro o espaço no armário. Órfão de mãe desde a tenra infância, aprendi a pregar botões, a fazer pequenos reparos, a manter passadas as camisas e as calças e a engraxar os sapatos até o couro brilhar.

Eles me retribuem com a longevidade: tenho calças e camisas com 20, 30 anos e até mais. Muitas saíram de moda, são usadas quase nunca, mas permanecem ao alcance de meus olhos para deixar claro que sou um desses privilegiados que acumulam mais do que o necessário.

A despeito das tentativas infrutíferas dos anos anteriores, prometo que desta vez vou doar as roupas que passo meses sem vestir. Mas cada peça traz uma recordação: uma viagem, a pessoa que me presenteou, um momento de vida, a qualidade da confecção, a beleza da estampa ou outra desculpa qualquer para disfarçar o apego despropositado do acumulador.

Tenho mais amigos do que tempo para conviver com eles. Todo ano prometo visitá-los, convidá-los para vir em casa, sair para tomar cerveja. Promessas vãs, embora reiteradas toda vez que um deles se vai, acontecimento cada vez mais frequente à medida que envelhecemos, porque a vida é um palco em que o cenário muda a toda hora e os personagens se retiram um a um, condenando o espectador desatento à
perplexidade da solidão.

Cinquenta anos de medicina me ensinaram que o corpo é nosso bem mais precioso. Você, caríssimo leitor, perguntará: "O idiota levou meio século para descobrir o óbvio?". Claro que não, mas demorei mais do que devia para agir como quem adquiriu a consciência de que a atividade física é essencial para uma vida mais plena e, possivelmente, mais longa.

Comecei a correr maratonas quando fiz 50 anos. No início, quis provar a mim mesmo que se conseguisse completar 42 quilômetros, não me sentiria velho. Continuo a corrê-las com o mesmo objetivo e para evitar as condições patológicas que afligem homens da minha idade, manter a vitalidade para trabalhar e para as atividades que sempre tive.

A disciplina que dediquei aos treinamentos para ter corrido cerca de 25 maratonas permitiu que eu completasse a última delas em outubro passado, aos 79 anos. Apesar de reconhecer o privilégio de chegar a essa idade nessas condições, quando muitos de meus contemporâneos já se foram, enquanto outros ainda resistem, mas cheios de limitações, não estou satisfeito.

Você, leitora, vai me achar ridículo, absurdo, mas carrego a frustração de que o excesso de trabalho, a indisciplina e a preguiça nunca me permitiram fazer uma prova bem preparado.

Chego ao fim destruído, com ímpetos de deitar no asfalto e chorar de exaustão. Em 2023, farei 80 anos, pretendo treinar com a regularidade exigida para cruzar a linha de chegada ainda com disposição para continuar correndo. É, talvez eu seja ridículo mesmo.

Fonte: Folha de S. Paulo
O tempo não apaga a marca dos grandes homens. (Eurípides, poeta grego)

LUGARES

JOSSELIN - FRANÇA
Josselin é uma comuna francesa na região administrativa da Bretanha, no departamento Morbihan. Estende-se por uma área de 4,48 km². Densidade: 578,6 hab./km²

MR. MILES


Sobre a idade de Mr. Miles

Nosso impecável viajante resolveu responder a duas missivas eletrônicas que recebeu na semana que passou. Vamos a elas:

Caro Mr. Miles:
Suas mensagens são sempre bem-vindas. Bem escritas e com interessantes observações. However, nesta última você menciona sua presença na cerimônia de inauguração do Cristo Redentor no Rio em 1931. Caso tivesse meros 30 anos na ocasião, estaria agora com 115 anos e mesmo se tivesse apenas 10 aninhos, ainda estaria hoje com 95. Hard to believe. Afinal, qual é sua verdadeira idade? Abraços, Roberto Grad, por email

Well, my friend: mais uma vez a pergunta que todos cismam em me fazer. Em primeiro lugar, embora não seja uma lady, acho sempre deselegante falar em idade. Seus cálculos, by the way, estão corretos. Mas o que posso fazer se cismo em ficar vivo para seguir viajando? Creio que tenho uma boa natureza e quase não reclamo, exceto de raras dores no joelho direito e das recidivas de uma malária que contrai no Congo anos atrás. Considero-me, indeed, uma pessoa saudável, porque sou um ser semovente em um universo paralisado. Minha idade, dear Robert é justamente a que tenho: não está adiantada nem atrasada, don’t you agree?

A única “vitamina especial” que uso é esse entusiasmo em descobrir lugares e pessoas, que alimentam minha alma e, as you see, meu corpo. Uma tarefa tão agradável quanto interminável. No dia em que não houver mais dessas pílulas em minha farmácia espiritual, o jornal provavelmente terá de arrumar outro colunista. Quanto à inauguração do Corcovado, tudo ocorreu exatamente como descrito em minha última coluna por cujo sucesso e repercussão agradeço aos leitores de todas as idades.

Caro Mr. Miles.
Em primeiro lugar parabéns pela sua maneira perspicaz de conduzir sua coluna. Sou leitor assíduo e confesso que na realidade não sei se o Sr. é real ou virtual, mas tenho certeza que o Sr. é mestre em suas colocações, indicações e sugestões. No ano passado o Sr. aconselhou um jovem com dupla cidadania, a não se mudar para Irlanda, e que ele deveria através do voto mudar nossos governantes, e com isto, mudaríamos o "norte" de nosso País.

Minha pergunta é: hoje com o pós "LAVA JATO", o sr. acha que ainda temos tempo para mudar nosso destino? Ou o Sr. se fosse jovem tentaria começar uma nova vida em outro País ?.
Ricardo Soares Pereto, por email.

Well, dear Richard: sobre minha suposta "virtualidade", acho que pude esclarecer o assunto na resposta anterior. Já sobre a renomada operação Car Wash, de nome curioso, ouso dizer que trata-se, at last, de um processo de depuração, que pode lever meses, anos ou séculos — mas há de funcionar.

Tenho pouca fé na natureza humana — infelizmente somos, na maioria, seres ruins. However, acredito que, com o tempo e a razão, conseguimos controlar os piores de nossos instintos e aprendemos a viver, pelo menos, em certa harmonia. Pessoas que abandonam seu país estão, ao mesmo tempo, desiludidas (de sua nação) e iludidas ao acreditar que o jardim do vizinho é mais verde. Só entendo quem se refugia quando a maldade e a pobreza ganham proporções insustentáveis — como ocorre na Síria e em diversos países africanos. De resto, a melhor razão para deixar um país é — como eu sempre digo — a possibilidade de conhecer outros. É viajando que se aprende a tolerância e se percebe que, de um jeito ou de outro, em um momento ou noutro, todos os lugares têm de purgar suas próprias dores. Para poderem renascer limpos, brilhantes e cheirosos como um carro depois de um lava-jato. Don't you agree?

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS

 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O TEMPO DO TEMPO

Carlos Heitor Cony

O herói da Maratona precisou correr 42 quilômetros para transmitir a notícia da vitória numa guerra. Morreu logo após ter cumprido a tarefa. A descoberta (ou o achamento) do Brasil levou mais de dois meses para chegar ao conhecimento do rei Manuel, dito o Venturoso. Hoje, com a internet em funcionamento, seria Venturoso antes do tempo, ficaria sabendo da façanha de Cabral na hora.

A instantaneidade da notícia é uma das conquistas mais fantásticas da humanidade. Cem anos após a proclamação da nossa República, em 1889, havia brasileiro lá pelo setentrião acreditando que o Brasil ainda era governado por um Dom Pedro qualquer, provavelmente Dom Pedro 3º ou 4º.

Consta que no Japão, apesar de seu avançado estágio tecnológico, ainda há soldado do Mikado escondido nas matas pensando que a 2ª Guerra Mundial não acabou.

Outro dia, a bordo de um avião em vôo doméstico, o piloto informou, com voz aveludada e calma, que o tempo estava ótimo em toda a rota. Nem havia comunicado integralmente a boa notícia, o aparelho começou a sacudir como se estivesse com mal de Parkinson.

Quando passou a turbulência --uma das maiores que já atravessei-- o piloto explicou que os computadores estavam certos nas duas ocasiões, a do tempo bom e a do tempo ruim. Apenas --disse ele-- o tempo fora mais rápido, não dando tempo para que a rede eletrônica de bordo e das estações meteorológicas no caminho pudessem fazer a correção a tempo.

Repeti a palavra "tempo" várias vezes porque acredito que seja o único fato e fator inamovíveis da nossa vida. Não precisa de notícia para existir. Não precisa de tempo para ser tempo.

Fonte: Folha de S. Paulo - 18/04/2006

Quem mascara seus erros se vê, no final das contas, desmascarado por sua consciência. (William Shakespeare, dramaturgo inglês)

LUGARES

BERGEN - NORUEGA
O Museu de Arte Decorativa da Noruega Ocidental

O Museu de Arte Decorativa da Noruega Ocidental, também conhecido como KODE 1, está localizado em Bergen, Noruega. Foi estabelecido em 1887 por iniciativa de Johan Bøgh. Em 1896, o museu mudou-se para um prédio de exposições permanentes, uma estrutura renascentista projetada por Henry Bucher. Wikipedia (inglês)

NÃO TROPECE NA LÍNGUA


ENTREGA A DOMICÍLIO A CURTO PRAZO
--- Qual a forma correta da seguinte locução encontrada comumente nos anúncios publicitários: entregamos a domicílio ou entregamos em domicílio? L. C., Salvador/BA
--- A frase correta é: entrega em domicílio ou entrega a domicílio? Ariana de Oliveira Terceiro, Santa Quitéria/CE
Dizer entrega a domicílio é tão válido quanto entrega em domicílio. A divisão “certo” e “errado” em termos de língua é relativa. Em domicílio é o certo segundo a gramática normativa, porque “entregar não é verbo de movimento” (se bem que a mim dá a ideia de movimento, sim, igual a levar, a ir até o domicílio para fazer a entrega) e porque se diz “entrega em casa”. Este último argumento é falho porque também se diz “cheguei em casa” embora continue sendo “cheguei à conclusão”. A domicílio é o certo no português brasileiro não padrão e até mesmo no português-padrão (culto), pois é assim que se expressa a maioria das pessoas de escolaridade completa.
A regra purista, conforme registra o dic. Houaiss, é usar a domicílio com palavras que indicam movimento (levar roupa, mandar o lanche, enviar bilhetes, trazer uma pizza, ir até a casa) e em domicílio quando sem movimento (dar aulas, cortar cabelo, fazer a unha/comida/consertos na casa da pessoa). Em resumo: entregar em domicílio e levar a domicílio. No entanto, a prática indica que essa diferenciação está ultrapassada, pois o uso mais comum é a domicílio em ambos os casos. 
Estudos de filologia mostram a grande variedade de uso da preposição A, indicando que equivale a “em” nalgumas expressões avulsas e concorre com “em” noutras, como nos dias do mês [a/aos ou em 29 de maio]; ademais, “em algumas locuções designa o modo” [a cavalo, às pressas]. Não se pode pensar que a domicílio designa modo – o modo de entrega? 
Essa tendência ao emprego do A não ocorre somente no português. Ao assistir ao filme “O filho da noiva” observei que, na caixa da pizza que o casal havia solicitado, estava escrito Entrega a domicilio – isso na Argentina. Amiga minha que mora na Espanha confirmou que lá também se diz “entrega a domicilio”. Eu me pergunto se em tais países o pessoal vive discutindo esse tipo de coisa. Será que os professores argentinos e espanhóis ficam dizendo que os vendedores de pizza estão todos errados?
O que proponho é a aceitação do diverso: aceitar tanto a entrega ou coleta em domicílio, como em casa ou a domicílio.
A CURTO, MÉDIO OU LONGO PRAZO
É também dentro desse espírito de concorrência das preposições em e a que temos três possibilidades de uso:
  • Sentiremos as consequências a médio prazo.
  • No longo prazo, o mal que a reeleição vai produzir é coisa muito séria.
  • Nossas finanças estarão recompostas em curto prazo.
Embora as três formas sejam válidas, as expressões correntes são a curto prazo e a longo prazo, como registra o Houaiss. Não há razão para certo corretor ortográfico sugerir apenas “em” curto prazo e “em” longo prazo. Eis mais evidências de que é muito comum, na língua portuguesa, a preposição em comutar com a
  • Vende-se a quilo / em quilo. 
  • Eles tocam a 4 mãos / em (com) 4 mãos. 
  • A favor do vento / em seu favor. 
  • Parou à frente / na frente / em frente da escola. 
  • Àquela altura / naquela altura dos acontecimentos.
  • Àquela época / naquela época... 
Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS

 

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

A SOCIEDADE DÁ DE OMBROS, VENCIDA PELA INÉRCIA, E O PAÍS ESTÁ A CAMINHO DO BREJO

Ilustração reproduzida do Arquivo Google
Cora Rónai
O Globo

Um país não vai para o brejo de um momento para o outro — como se viesse andando na estradinha, qual vaca, cruzasse uma cancela e, de repente, saísse do barro firme e embrenhasse pela lama. Um país vai para o brejo aos poucos, construindo a sua desgraça ponto por ponto, um tanto de corrupção aqui, um tanto de demagogia ali, safadeza e impunidade de mãos dadas.

Há sinais constantes de perigo, há abundantes evidências de crime por toda a parte, mas a sociedade dá de ombros, vencida pela inércia e pela audácia dos canalhas.

LEMBRAM DAQUILO? – Aquelas alegres viagens do então governador Sérgio Cabral, por exemplo, aquele constante ir e vir de helicópteros. Aquela paixão do Lula pelos jatinhos. Aquelas comitivas imensas da Dilma, hospedando-se em hotéis de luxo. Aquele aeroporto do Aécio, tão bem localizado. Aqueles jantares do Cunha. Aqueles planos de saúde, aqueles auxílios moradia, aqueles carros oficiais.

Aquelas frotas sempre renovadas, sem que se saiba direito o que acontece com as antigas. Aqueles votos secretos. Aquelas verbas para “exercício do mandato”. Aquelas obras que não acabam nunca. Aqueles estádios da Copa. Aqueles superfaturamentos.

Aquelas residências oficiais. Aquelas ajudas de custo. Aquelas aposentadorias. Aquelas vigas da perimetral. Aquelas diretorias da Petrobras. A lista não acaba.

TUDO POR DINHEIRO – Um país vai para o brejo quando políticos lutam por cargos em secretarias e ministérios não porque tenham qualquer relação com a área, mas porque secretarias e ministérios têm verbas — e isso é noticiado como fato corriqueiro da vida pública.

Um país vai para o brejo quando representantes do povo deixam de ser povo assim que são eleitos, quando se criam castas intocáveis no serviço público, quando esses brâmanes acreditam que não precisam prestar contas a ninguém — e isso é aceito como normal por todo mundo.

Um país vai para o brejo quando as suas escolas e os seus hospitais públicos são igualmente ruins, e quando os seus cidadãos perdem a segurança para andar nas ruas, seja por medo de bandido, seja por medo de polícia.

PARA O BREJO… – Um país vai para o brejo quando não protege os seus cidadãos, não paga aos seus servidores, esfola quem tem contracheque e dá isenção fiscal a quem não precisa.

Um país vai para o brejo quando os seus poderosos têm direito a foro privilegiado. Um país vai para o brejo quando se divide, e quando os seus habitantes passam a se odiar uns aos outros; um país vai para o brejo quando despenca nos índices de educação, mas a sua população nem repara porque está muito ocupada se ofendendo mutuamente nas redes sociais.

Enquanto isso tem gente nas ruas estourando fogos pelos times de futebol!

Fonte: Tribuna da Internet
Ganhamos mais pela amizade e moderação do que pelo medo. A violência pode funcionar sobre as naturezas servis, não sobre espíritos independentes. (Ben Jonson, escritor inglês)

LUGARES

AREZZO - ITÁLIA
Arezzo é uma comuna italiana, da região da Toscana, na província de Arezzo, que tinha, em 2013, uma população de cerca de 99.000 habitantes. Estende-se por uma área de 386 km², tendo uma densidade populacional de 237 hab/km². Wikipédia

MORTOS MUITO VIVOS

Ruy Castro

Texto delicioso da repórter Anna Virginia Balloussier, "A morte lhe cai bem", na "Ilustríssima" (26/2), conta como os jornais preparam de antemão os obituários de pessoas de certa idade, de saúde instável ou cujas profissões os ponham em perigo, para não serem surpreendidos quando uma delas apanha o chapéu. O "New York Times", por exemplo, cuja seção de obituários vem desde 1851, é um cemitério de vivos. Mas até ele pode se apressar. Vide o caso do bilionário David Rockefeller, hoje com 101 anos. Seu obituário já foi escrito cinco vezes — e ele enterrou seus cinco obituaristas.

Certa vez, num artigo para uma revista de avião, precisei citar o imperador Hirohito, do Japão. Ele estava com 87 anos, muito doente, e esperava-se sua morte a qualquer momento. Como as revistas são feitas com meses de antecedência, convenci o editor de que podíamos dá-lo como morto. Isso foi em setembro de 1988. Os dias, semanas e meses se passaram, e Hirohito, nada. Só morreu em janeiro de 1989 — na exata semana em que a revista chegou às aeronaves.

Pouco antes, em 1987, a Folha me pedira o obituário de Dercy Gonçalves, talvez imaginando que, aos 82 anos, ela estivesse pela bola sete. Eu sabia que, dali a dias, Dercy iria estrear uma temporada no Canecão, sinal de que devia estar em forma. Mas, sabe-se lá? Escrevi o texto. Pois Dercy só iria morrer em 2008 — 21 anos depois.

Outro dia, caiu-me aos olhos um artigo meu, de 2000, para uma revista mensal, em que declarei que o ex-craque Maradona vivia a crônica de uma morte anunciada. De fato, tudo indicava que, arrogante, prepotente e entupido de cocaína, ele não duraria muito. Mas Maradona parou com tudo, recuperou-se e está até hoje por aí.

Eu, sim, é que, por outros motivos e sem avisar, quase fui embora várias vezes nesses 17 anos.

Fonte: Folha de S. Paulo - 04/03/2017

FRASES ILUSTRADAS