Fernando Fabbrini
Só sei que não sei mais bulhufas
Dizem que uma das poucas vantagens de envelhecer é que a gente também fica mais sábio, escaldado e esperto com o passar do tempo. Na Espanha existe um ditado bem-humorado na mesma linha: “Mais sabe o diabo por ser velho do que por ser diabo”.
Não é regra geral; alguns pioram com a idade, ficam ainda mais tolos, ranzinzas, rígidos. Porém, após algumas décadas bem vividas de alegrias e decepções, certos felizardos ganham de brinde um tipo de premonição; um faro diferenciado que permite avaliar rapidamente personagens, eventos, notícias ou rebuliços. E aí, dependendo do caso, logo pinta aquela certeza do “ah, já vi esse filme antes, conheço o enredo e sei como termina”.
Mas a atual conjuntura – como diria Millôr – anda desafiando a expertise dessa galera. Eu, por exemplo, estou reencarnando aquele famoso trio de macaquinhos orientais que não ouvem, não veem e não falam. Situações inesperadas surgiram; procuro para elas uma resposta, uma jurisprudência confiável na vasta enciclopédia de minha memória – e nada, bulhufas, titicas. Sobra-me aceitar, humildemente, que até pobres-diabos calejados permanecem, como eu, atônitos, coçando as cabeças, sem entender o que se passa nos céus e infernos do país e do mundo.
Vejam só: é a primeira vez que uma Copa desperta tão pouco entusiasmo na massa torcedora. A maioria está se lixando para o certame. E a camisa amarela – que antes retratava o país de chuteiras, o raríssimo sentimento de brasilidade unânime a cada quatro anos – agora é logomarca política. A propósito, pela primeiríssima vez, vejo milhões nas ruas no modo espontâneo, manifestando descontentamentos patrióticos em tempos de Copa, contrariando aquela máxima “brasileiro gosta é de futebol, não liga para política”. Até li num cartaz improvisado: “Copa é igual economia, a gente vê depois”.
Inédito, também, que gente cantando animada – casais pacíficos e idosos com suas bandeiras e crianças, debaixo de sol e de chuva – seja considerada perigosa protagonista de atos antidemocráticos. O repórter de uma grande emissora, apoplético ao microfone, chamou-os de “pilantras e canalhas”. Mais um nó na minha cabeça: pelo que me lembro, atos antidemocráticos de pilantras e canalhas eram outros – pichações, confusões, invasões, porradas, bandidos mascarados, vitrines quebradas, saques em supermercados. Já que mudaram a forma e o conteúdo, tentarei adaptar-me à novidade.
Por isso agora penso mil vezes antes de emitir opiniões – até quando a faxineira me pergunta sobre marcas de detergentes. Isso porque das redes chegam-me toneladas de informes da realidade nacional; denúncias, conflitos, suspeitas, declarações polêmicas e confrontos de toda sorte. Porém, se abro um jornal, um site ou ligo a TV, sou transportado imediatamente para alguma nação nórdica onde as manchetes são as compras de Natal, o nascimento de um novo gorila no zoológico, a comovente adoção de um órfão vietnamita por um casal de celebridades ou o casamento faraônico de artistas de novela numa ilha tropical. Afinal, em qual desses dois países tão diferentes vivemos?
Valham-me Gutenberg, McLuhan e Umberto Eco! Estamos no turbilhão de um fenômeno de desordem informacional ou tudo isso é apenas esquizofrenia midiática transitória de etiologia desconhecida?
Fonte: https://www.otempo.com.br
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