Luiz Felipe Pondé
Quem defende 'homeschooling' acaba pedindo a Deus ou a extraterrestres para dar um golpe de Estado no Brasil
Sou contra. "Homeschooling", ou "escola em casa", é uma daquelas modinhas que a direita brasileira importou da direita americana, como arma para todos e fake news como liberdade de expressão. O maior argumento contra os bobocas da direita hoje é eles terem vícios semelhantes aos inteligentinhos da esquerda: importar todo tipo de lixo americano. Os EUA são o maior produtor de lixo cultural do mundo.
Sou contra a "escola em casa" porque não acho que as famílias estão com essa bola toda. Assim como desconfio de gente que quer ficar falando de sexo —ou similares— com crianças, desconfio de pais que querem educar seus filhos em casa.
O argumento máximo a favor da escola formal é a pluralidade de ambientes que ela oferece. Claro que nessa pluralidade vai todo tipo de risco, mas quem disse que as famílias não são um risco também? Principalmente aquelas que querem ter o monopólio dos "valores" —eita expressão brega essa "valores"— na formação dos filhos. Acho gente muito esquisita esse povo que defende a "escola em casa".
Evidente que há uma parte da escola que acontece em casa. Pais que se importam tanto com a escola deveriam tirar dez em toda tarefa para casa dos filhos. Mas, não. Quem defende a "escola em casa" o faz por uma forma peculiar de arrogância. Entende a si mesmo como especialista em tudo.
No lado diametralmente oposto aos pais que correm atrás de especialistas de forma paranoica para fazer diagnósticos psicopatológicos dos filhos, os defensores da "escola em casa" são também uma forma teratológica —não sabe o que é? Olhe no Google— da paternidade e maternidade loucas do mundo contemporâneo.
Não duvido que existam países que pratiquem essa forma de escola. O que por si, não prova nada. Mas, a realidade do Brasil é que a "escola em casa" é capricho de classe média obcecada com ser a única fonte de mundo dos filhos —o que, por si só, já deve levantar suspeitas. Quem defende a "escola em casa" acaba pedindo a Deus ou a extraterrestres para dar um golpe de Estado no Brasil.
A realidade do Brasil é "escola em lugar nenhum" porque grande parte das crianças não vão a escola nenhuma. Grande parte das famílias não tem estrutura para garantir nem a ida das crianças para a escola formal, quanto mais "escola em casa". Por isso, toda essa discussão é jogar no lixo tempo de resolução para os problemas sérios da educação no Brasil.
Não entremos aqui num debate profundo sobre educação porque ela simplesmente não comporta profundidade nenhuma. A questão é urgente demais para as complexas combinações da inteligência. A questão é puro desespero. É necessário botar as crianças na escola porque do contrário o país vai para o saco, mais do que já está. E escola aqui é escola formal, onde elas deviam passar o dia todo.
Sim, a educação é rasgada por modas ideológicas, professores pregadores, infraestrutura lixo. As escolas privadas são empresas submetidas ao mercado e a queda na natalidade. As universidades são instituições em que burocratas, marqueteiros e politiqueiros dominam o território. Aluno importa como renda. A gente sabe disso tudo. Não há nenhuma grande teoria na educação afora muita idealização da própria atividade ou modas de autoajuda e motivacional. Ou ela é política, ou é psicologia ou é vendas. Por isso mesmo não cabe nenhuma profundidade no assunto.
O problema é mais de engenharia do que de ciências humanas. Quando uma situação fica tão miserável quanto a educação no Brasil, a única atitude possível é a busca do razoável. No caso, instalações descentes, professores treinados,crianças com dentes na boca, ambiente seguro, comida sem veneno, carga horária completa, ler, escrever, fazer conta, aprender a conviver com outras crianças que serão os adultos do futuro.
Vale acrescentar que a família brasileira é, em grande parte, tão miserável quanto as outras instituições brasileiras. Portanto, esse fetiche com uma educação em que a família é responsável pelos "valores" —de novo essa expressão brega— a serem passados para os filhos é papo furado. Arrogância e blá-blá-blá.
Fonte: Folha de S. Paulo
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