Luiza Pastor
Aquecimento nas grandes montanhas leva a maiores riscos nas escaladas
No domingo (6) em que começou a COP27, conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas, no Egito, o blog conversou com o montanhista paulista Pedro Hauck, 41, geógrafo com doutorado em geologia, que há 24 anos se dedica a escaladas por paixão e profissão. E ele, que falou desde Katmandu, após ter escalado a Ama Dablam, montanha do Himalaia com 6.812 metros de altitude considerada uma das mais belas do planeta, confirma o que muitos escaladores comentam há tempos nos grupos de mensagens: há cada vez menos neve e maiores riscos nas altas montanhas.
"Eu comecei a escalar no final da década de 1990 e sou testemunha viva dos impactos e alterações das mudanças climáticas", afirma Hauck. O exemplo que ele considera mais emblemático são as montanhas dos Andes, das quais já escalou 58 dos 105 picos acima de 6 mil metros de altitude.
"Antes, nos guias de escalada, você tinha fotos de áreas cobertas de neve, teoricamente perfeitas para escalar, mas que hoje você chega lá e vê que estão totalmente desatualizados, não existe mais essa cobertura", explica. "Na região leste da Bolívia, por exemplo, onde está localizada a Cordilheira Real e que, por estar próxima da Amazônia, é mais úmida, começam a surgir penitentes [formações de gelo que podem chegar a mais de um metro e podem comprometer a escalada] que antes só existiam em áreas mais secas", acrescenta.
O problema da falta cada vez maior de neve nas altas montanhas, em especial nos Andes, continua Auck, "é que se trata de uma região de rocha muito fraturada, na qual o gelo funciona como um cimento que mantém a superfície unida". Se esse gelo derrete demais com temperaturas cada vez mais altas, "o risco de avalanche de rochas é muito grande e cada vez mais frequente".
"Antes, só víamos formação de penitentes no final da temporada de escalada, por volta de setembro", conta, "mas no ano passado já os vimos no mês de julho".
Nos Himalaias não é diferente, com a agravante de que as montanhas mais altas dificultam as operações de resgate. Neste ano, só em outubro passado, uma única avalanche matou 26 pessoas que estavam a apenas 4.880 metros de altitude, no pico Draupadi ka Danda II, no lado indiano da cordilheira.
Segundo Auck, essas mudanças drásticas do clima que afetam regiões tão sensíveis têm feito com que o perfil do montanhismo se altere. "Antes, quando comecei, se falava muito de escaladas técnicas, todos buscavam as mais difíceis, mas hoje a procura maior é por acumular número de cumes, ou somar tantas montanhas acima de tantos mil metros, ou mesmo em reduzir o tempo de escalada das montanhas mais altas, mas em geral buscando as rotas normais, das quais se conhece melhor os riscos", afirma.
Mais risco, maior procura: paradoxo contra o relógio
Auck costuma fazer suas expedições com a mulher, a também montanhista Maria Teresa Ubrich, que é a brasileira que escalou mais montanhas acima dos 6 mil metros —28 delas só nos Andes. Eles são sócios da agência Soul, que organiza expedições a montanhas em todo o mundo, e que tem registrado cada vez mais demanda por pacotes que incluam escaladas antes restritas a poucos iniciados.
"O montanhismo no Paraná, por exemplo, onde moro, começou em 1879, quando nem time de futebol havia no estado", conta Auck. "Mas por muitos anos, até a criação do Plano Real, com a estabilização da economia e da moeda, era mesmo um esporte para poucos, os equipamentos eram todos importados, caros, e difíceis de encontrar".
"Com mais facilidade para obter bons equipamentos que deem um mínimo de conforto em meio aos perrengues naturais de uma escalada, aumentou muito a procura pela atividade e houve a evolução natural, em que a pessoa começa subindo montanhas por aqui mesmo, no Brasil, que são mais baixas, e depois vai para a Bolívia, a Argentina, as montanhas dos Andes, até que um dia descobre que não é um plano do outro mundo ir até os Himalaias", explica.
Então, se o leitor está pensando em se aventurar em altas montanhas, o melhor é começar a treinar desde já. Porque, a depender do rumo do clima nos próximos anos, é possível e, infelizmente, provável, que as grandes escaladas estejam em pleno processo de extinção.
Fonte: Folha de S. Paulo
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