Ruy Castro
Nesta entrevista de 1980, ele começava a voltar, depois de conhecer a glória e o desprezo
Playboy, 1980. Trechos de minha entrevista com o suave Erasmo.
"Já tive a minha fase de ídolo, de ser rasgado pelas fãs, de não poder sair à rua. Um dos motivos da minha calvície foram os chumaços de cabelo que as meninas arrancavam. Até três juntas dá pra encarar, só querem beijar. Mas, no que passou de dez, ficam selvagens, te pisoteiam, podem até te matar."
"Eu não vim da elite. Vim do proletariado urbano, nasci na Zona Norte do Rio. Cantei em circo, cantei em propaganda de candidato a vereador na Baixada Fluminense, cantei em caminhão, já fui em avião de carga para cantar no Piauí. Já cantei em cinema sem microfone. Onde pintava uma grana eu ia buscar."
"Era chique convidar o pessoal da Jovem Guarda para as festas. Uma grã-fina dizia pra outra: ‘Sabe quem vem? O Erasmo!’. A outra dizia: ‘Oh!’. E lá ia eu. Era só chegar, dizer boa-noite e já me punham um violão na mão. Depois de cantar, eu me interessava por uma ou por outra. Mas aí já não servia mais. As mães delas diziam: ‘Ponha-se no seu lugar. Quem é você para querer a minha filha?’."
"Quando a Jovem Guarda faliu, ninguém mais quis saber de mim. Aí pintou o tropicalismo e eu descobri que havia cabeludos mais cabeludos do que eu, gente que usava roupas mais extravagantes que as minhas, rebeldes mais ousados do que eu —porque eu era rebelde, mas não era ousado. Pirei. Ninguém mais me recebia nem com cafezinho. Tive de recomeçar do zero."
"Foi num show da Elis Regina no Canecão. Ninguém entendeu por que eu chorei quando ela cantou ‘As curvas da estrada de Santos’. Para mim, era a volta por cima. Hoje está todo mundo integrado, as pessoas gravam umas com as outras, é uma bacanal de ritmos, ninguém cobrando raízes. Música é universal e não tem de estabelecer fronteiras. Se há duas pessoas que eu não me canso de ouvir, e não vou me cansar nunca, são Elvis Presley e João Gilberto."
Fonte: Folha de S.Paulo
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