José Manuel Diogo
Por medo da resposta, não fazemos mais perguntas, e a democracia se enfraquece
Seja no Brasil, em Portugal ou na China —que não tem democracia, mas pode ser que a tenha um dia—, todos exageram muito em vésperas de votar. Mas nunca tanto como agora.
Em eleições de um segundo turno, como esse que aí vem, quando seria mais importante que nunca saber comunicar, ninguém consegue nem sequer conversar. Nem sobre aquilo em que se concorda. Mais valia ficar de boca fechada.
É verdade que as mensagens em uma campanha política são sempre um empobrecimento do discurso. Mas nunca foi assim tão pobre, tão vazio, tão triste e tão grotesco. O objetivo já nem é mais informar; apenas fazer odiar.
Todos afirmam falando alto. Gritaria em branco e negro: Ele é bom, ele é ruim. É comigo ou contra mim. Meu Deus, ele é o Diabo —nomes capitalizados. Não há mais tons de cinza, cores no arco-íris ou escalas musicais. O som é de uma nota só, o que equivale a nenhum. Conversa digna de surdos. Só passado, sem futuros.
Nas vésperas desse segundo turno, ninguém consegue produzir alegria que sossegue a raiva do dia a dia. O maniqueísmo se apoderou das palavras e aprisionou o tempo. Não cabe questionamento.
Os amigos ficam estranhos. Até os meus —sobretudo os meus. Aqueles que sempre me ligavam só para jogar conversa fora, trocar uma ideia, bater um papo ou dar risada, já não fazem isso. Apenas mandam mensagens. Aquelas, sabem? Vídeos e fotografias. Memes e infografias. Todas berrando alguma inquestionável verdade, alta e sonora, no meu ouvido. Sem quererem saber o que eu penso, o que eu sei ou se aquela mensagem me foi por mil vezes repetida.
Não estamos nos falando mais. Não há conversa. Por medo da resposta, não fazemos mais perguntas. Apenas afirmamos nosso lado. Seja o doce ou salgado. Cefalópode invertebrado ou canibal bananada. Ninguém já quer entender nada.
Pensamento único, sentido obrigatório, sem direito a contraditório. Não estamos conversando mais. Com medo que alguém discorde, que alguém concorde, que alguém fale! Nossas falas são já todas por mensagem. Cifradas na raiva da rede verde, esse tal de WhatsApp, que já nem em português significa "o que se passa".
Nos grupos que por lá há, onde antes os amigos se juntavam, hoje não são mais lugares de debate. São altares de afirmação —e, por isso, são inúteis.
As centenas, os milhares, as centenas de milhares de mensagens diariamente lá colocadas não atendem a qualquer fito ou servem a algum propósito inteligente. São apenas a radiografia de uma sociedade esquizofrênica que o excesso de comunicação tornou cega, surda e muda —e onde a democracia, a cada dia que passa se enfraquece.
Fonte: Folha de S. Paulo
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