Ruy Castro
Em 1974, ele ainda rescendia aos uísques, cigarros e casacos de Dorothy Parker
O colega Josimar Melo falou aqui (5/5) de sua decepção ao hospedar-se há pouco no Algonquin, em Nova York. É o hotel da Rua 44 que, durante os loucos anos 20, foi palco diariamente do almoço de Dorothy Parker e seus amigos, rapazes e moças marcantes no jornalismo, poesia e teatro americano e cujas frases mortíferas corriam o mundo. Em 1930, turistas já iam almoçar lá para ficar perto da Round Table, sua mesa cativa, e escutar o que diziam. O grupo se dispersou, mas o Algonquin continuou a atrair jornalistas, escritores e gente de teatro e cinema.
Josimar não reconheceu nele o velho glamour, e com razão. Tive mais sorte: hospedei-me lá por 40 dias em 1974, às expensas da revista Reader’s Digest. Também já não era o Algonquin da Round Table —a própria mesa fora recolhida ao museu do hotel—, mas o passado aparecia por toda parte.
A mobília ainda era a original. O saguão cheirava a décadas de ilustres uísques, cigarros e casacos. Os hóspedes continuavam a receber o New York Times de manhã, por baixo da porta. O compositor Alec Wilder, que morava lá, era levado até o quarto quando chegava fora de prumo, tarde da noite, e posto de pijama na cama. Afaguei Mathilda, a gata oficial. Os corredores eram decorados com os originais dos cartuns de James Thurber, Peter Arno e Charles Addams para a New Yorker. E, certa vez, no restaurante, fui vizinho de mesa de William Shawn, editor-chefe da revista por 35 anos.
Desde então, o Algonquin sofreu muitas alterações, uma delas a proibição de fumo em suas dependências. Daí o valor do objeto que, não sei como, foi parar na minha mala no dia em que fechei a conta: um cinzeiro.
Nos anos 90, de volta ao Algonquin, falei do cinzeiro com a chefe de imprensa do hotel. Empolgou-se e perguntou se eu o mandaria por empréstimo, para fazerem uma cópia para o museu. Respondi que sim. E claro que não mandei. Tenho-o até hoje.
Fonte: Folha de S. Paulo - 14/05/2022
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