Edgar Flexa Ribeiro
A classe dirigente
paulista, logo após sua derrota na Revolução de 1932, tomou
explicitamente a decisão de “formar uma nova elite capaz de contribuir
para o aperfeiçoamento das instituições, do governo e a melhoria do
país”, e organizou-se para tanto.
Um grupo de empresários fundou a
Escola Livre de Sociologia e Política em 1933, e logo depois, em 1934,
Armando Salles de Oliveira, então interventor, funda a Universidade de
São Paulo - a USP - com a colaboração de Júlio de Mesquita Filho, entre
outros.
Nas palavras de Sergio Milliet: “De São Paulo não sairão
mais guerras civis anárquicas, e sim uma revolução intelectual e
científica suscetível de mudar as concepções econômicas e sociais dos
brasileiros”.
Naquele momento, derrotado em suas pretensões, São
Paulo identificou a necessidade, e aproveitou a oportunidade, para
tratar da formação de suas elites. E com isso fixar prioridades,
interesses, perspectivas e projetos locais - mas com projeção nacional.
O
projeto USP floresceu e cresceu. Na geração seguinte à de sua fundação,
26 anos depois, as pretensões paulistas chegavam à Presidência da
República pela primeira vez depois de 1930 com a posse de Jânio Quadros,
em 1960. Jânio revelou-se apenas um projeto pessoal.
Mas no ano
anterior, em 1959, já tinham começado a circular os primeiros
“fusquinhas” feitos no Brasil. A indústria automobilística, que nascia
em São Paulo, começava a mudar a face do país. E sempre os paulistas
ocupando um considerável espaço nas decisões nacionais.
Em 1994,
São Paulo volta afinal ao poder na segunda geração desde que a USP foi
criada: tendo comandado a formulação e implantação do Plano Real como
Ministro da Fazenda, no governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso
é eleito Presidente da República.
Sessenta anos depois de sua criação, a USP cumpria as propostas de seus fundadores.
Evidentemente,
o Brasil era outro. Mas São Paulo industrializado, modernizado e sempre
rico já mostrava que seu projeto de poder ia talvez até além do que
previram os seus iniciadores.
A indústria paulista como um todo, a
indústria automobilística em particular, ganhara importância nacional. E
para tornar o automóvel acessível “fez-se de um tudo”.
A
principal consequência disso é que todas as outras formas de mobilidade
das populações - e de recursos para organizar a expansão das cidades -
desapareceram.
Todo mundo tem que ter automóvel ou andar de
ônibus. As estradas de ferro, os transportes de massa sobre trilhos,
desapareceram. O metrô aparece, mas como um “repeteco”, em áreas já
desenvolvidas, e não para organizar a expansão em áreas ainda mal
urbanizadas.
As cidades cresceram desordenadamente, problemas
novos foram criados, prioridades foram esquecidas. Cai o imposto sobre
os carros para quem já pode, e quem ainda não pode que se amontoe nas
filas dos ônibus até poder ter seu “carrinho”.
O “êxito“ paulista
teve seu preço. E a novíssima, moderníssima e tumultuada Brasília é um
excelente exemplo – para não citar outros.
Até hoje não se tratou a
sério da ligação ferroviário entre o planalto central e o litoral da
região sudeste. A segunda maior safra de soja do mundo chega aos portos
no lombo de caminhões – e ainda querem fazer trem-bala para levar
bacanas entre Rio e São Paulo.
Não há crise “nos portos”, a crise está no acesso a eles. E vamos em frente, de automóvel, no projeto paulista.
Assim
correram as coisas. E nesse processo histórico caímos no presente: o
país todo vive sob uma única “moeda”, emitida em São Paulo, fundada nos
seus interesses e que comanda o resto. Como toda moeda, essa tem também
duas faces. São antagônicas, mas são interdependentes: uma não resiste
nem progride sem a outra. Só que com outros nomes: CUT e FIESP - ou seus
apelidos: PSDB e PT. Tudo a serviço da mesma causa, cada face a seu
modo: tomar o poder nacional.
Está chegando 2014. A carranca na
frente da barcaça, venha de onde vier, tenha a cara que tiver, terá uma
dessas origens e estará ancorada no mesmo projeto. É uma moeda só, e
suas duas faces terminam sempre se compondo – afinal, é isso que lhe dá
valor...
Edgar Flexa Ribeiro, educador.
Fonte: Blog do Noblat