Drauzio Varella
Popularidade delas vem do sonho com a fonte da juventude e da falta de disposição para atividades físicas
Faltam evidências que justifiquem a indicação de vitaminas para adultos saudáveis, tenho repetido nesta coluna há anos. Não esqueço de fazer a ressalva de que as grávidas podem se beneficiar de algumas delas, como o ácido fólico, importante para o desenvolvimento do sistema nervoso fetal.
Toda vez que escrevo isso, recebo uma avalanche de críticas pouco civilizadas, muitas das quais partem de médicos que se proclamam testemunhas dos benefícios das vitaminas, sais minerais e antioxidantes na saúde de seus pacientes que já eram saudáveis.
Faço esse preâmbulo, caríssima leitora, na vã tentativa de evitar as ofensas de sempre. O texto que se segue traz uma série de recomendações enunciadas, não por mim, mas pelo respeitado United States Preventive Services Task Force, o USPSTF, que acaba de atualizar a análise do impacto dos suplementos vitamínicos no risco de doenças cardiovasculares, câncer e na mortalidade geral da população adulta, bem como de seus efeitos nocivos.
A revisão se concentrou em estudos com adultos saudáveis, de 18 anos ou mais, sem deficiências nutricionais, doenças cardiovasculares, câncer ou outras enfermidades crônicas —com exceção de pressão alta, sobrepeso e obesidade.
Estudos com betacaroteno e vitamina A. Foram avaliados seis ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos sobre a suplementação com beta caroteno. Quando comparado ao grupo que tomou placebo, os que receberam betacaroteno diariamente não tiveram redução da mortalidade nem da incidência de doença cardiovascular ou câncer, as duas principais causas de óbito entre nós.
Em dois ensaios randomizados realizados entre adultos com risco de câncer de pulmão —fumantes e trabalhadores expostos ao asbesto—, o grupo que tomou betacaroteno ou betacaroteno associado à vitamina A, apresentou aumento da incidência de câncer de pulmão de 18% e 28%, respectivamente.
Um estudo realizado para avaliar o papel da vitamina A na mortalidade geral não mostrou diferença significativa em relação ao grupo placebo.
Vitamina E. Em nove estudos randomizados a administração diária de vitamina E, por um período de três a dez anos, não foi capaz de reduzir a mortalidade geral ou por eventos cardiovasculares. A incidência e a mortalidade por câncer foram iguais às do grupo-placebo.
Multivitaminas. A revisão analisou nove estudos randomizados. Não foi possível demonstrar benefícios na mortalidade geral, por doenças cardiovasculares ou câncer.
Dos nove, três estudaram especificamente a mortalidade por câncer e doenças cardiovasculares: dois empregaram suplementos multivitamínicos enquanto o terceiro associou um antioxidante às multivitaminas. Não houve benefício.
Vitamina D com ou sem cálcio. Em 32 ensaios randomizados em que a vitamina D foi administrada isoladamente ou associada ao cálcio, não ocorreu diminuição da mortalidade geral ou por doença cardiovascular ou câncer. A incidência de infartos e AVCs foi igual à do grupo-placebo.
Vitamina C. Apesar da popularidade e do consumo disseminado, há apenas dois estudos randomizados. Resultado: nenhum efeito na mortalidade geral, na incidência de eventos cardiovasculares e na mortalidade por câncer.
Selênio. Não há demonstração de efeito benéfico na mortalidade geral, por câncer ou por doenças cardiovasculares.
Malefícios. A maioria dos suplementos não provoca efeitos colaterais importantes. Betacaroteno não deve ser administrado a fumantes e pessoas expostas ao asbesto. Vitamina E em doses diárias entre 111 e 200 unidades aumenta o risco de AVC hemorrágico. Vitaminas D —em doses acima de mil unidades— e vitamina C aumentam o risco de cálculos renais.
Você perguntará, prezado leitor: se não há demonstração de eficácia, de onde vem tanta popularidade das vitaminas?
Primeiro, do sonho com a fonte da juventude que acalanta a humanidade desde os primórdios. Segundo, da nossa falta de disposição para as atividades físicas e para levantar da mesa antes de devorar tudo o que nos ofereceram. Os comprimidos de vitaminas nos dão a sensação de que estamos cuidando bem da saúde, sem nenhum esforço.
Essa ilusão é responsável por um mercado mundial que movimenta US$ 110 bilhões por ano. Nos Estados Unidos são US$ 10 bilhões; no Brasil, R$ 6,6 bilhões anuais.
Tanto dinheiro investido em comprimidos quase sempre inúteis que vão parar no vaso sanitário. Faz sentido?
Fonte: Folha de S. Paulo
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