Drauzio Varella
A atuação do sistema vai muito além da necessidade de tratar as afecções agudas
O acesso ao atendimento médico está entre as principais preocupações dos brasileiros. Nestas eleições, nada mais importante do que analisarmos as propostas dos candidatos aos cargos majoritários.
O SUS revolucionou a saúde pública no país, a partir do momento em que foi incluído na Constituição de 1988. Seus primeiros passos foram na direção do tratamento das pessoas que adoeciam. Eram atendimentos pontuais: crianças desidratadas, adultos com pneumonia, apendicite, fraturas ortopédicas, vítimas de acidentes. Os pacientes eram operados ou recebiam os medicamentos indicados e voltavam para suas casas.
Trinta e quatro anos depois, encontramos o Brasil em outra realidade econômica e epidemiológica. A faixa da população que mais cresce é a que está com mais de 60 anos. Quando perdemos um parente de 70 anos, dizemos que morreu moço. O envelhecimento no Brasil ocorreu numa velocidade duas vezes superior à dos europeus.
Os brasileiros vivem mais, mas envelhecem mal. Aos 60 anos, metade dos homens e das mulheres sofre de hipertensão arterial e o número de pessoas com diabetes está ao redor de 20 milhões, sem contar os que andam pelas ruas com taxas de glicemia elevadas sem diagnóstico nem consciência da gravidade potencial da doença. A obesidade virou epidemia: o número de adultos acima da faixa de peso saudável já ultrapassou 55% da população.
Esses dados epidemiológicos explicam por que as duas causas principais de morte entre nós são as doenças cardiovasculares e o câncer.
As prioridades deixaram de ser as endemias rurais do país em que concluí o curso médico 50 anos atrás. Sem controle, as pessoas com hipertensão ou diabetes correm o risco de ter ataques cardíacos, derrames cerebrais, insuficiência renal que as torna dependentes de hemodiálises e transplantes de rim, cegueira, amputações de membros e outras complicações que deixam sequelas definitivas —com as quais o SUS precisa lidar com recursos humanos e financeiros de que não dispõe.
Nesse panorama, a atuação do sistema de saúde vai muito além da necessidade de tratar as afecções agudas em pessoas que receberão alta, depois de atendidas. Nas doenças crônicas o objetivo não é a cura, mas o controle para evitar complicações, tarefa muito mais complexa.
Os estudos mostram que cerca de 30% de condições como diabetes, hipertensão, obesidade e problemas pulmonares dependem de moradia, saneamento básico, acesso a alimentos, salário, tempo desperdiçado no transporte, falta de espaço para lazer, violência urbana e outros fatores alheios à assistência médica. Cerca de 50% são dependentes do estilo de vida: cigarro, álcool, sedentarismo, falta de higiene, alimentação inadequada, horas de sono, entre outros.
Portanto, se o funcionamento do SUS fosse perfeito, o impacto da assistência médica no controle das doenças crônicas seria de apenas 20%.
Esses números explicam a regra dos 50% no controle da pressão alta: só metade dos hipertensos sabe que tem pressão alta; dos que sabem, apenas a metade recebe a prescrição de medicamentos; dos que a recebem apenas metade faz uso deles com regularidade. Conclusão: conseguimos o controle adequado em apenas 12,5% dos hipertensos. No caso do diabetes, a mesma frustração.
Só existe uma saída: a atenção primária. Sem evitar que as pessoas adoeçam ou tenham as complicações decorrentes do descontrole das doenças crônicas, não haverá saída.
Para fazer frente a esse desafio, o SUS dispõe de um dos maiores programas de saúde pública do mundo: o Estratégia Saúde da Família, com equipes das quais fazem parte os agentes de saúde que, de porta em porta, já atendem a mais de 160 milhões de brasileiros. São 260 mil agentes, contingente maior do que o do Exército nacional.
As equipes formadas por eles, uma técnica de enfermagem, uma enfermeira e um médico, desde que bem treinadas e com recursos mínimos, têm condições de encaminhar ou resolver esses problemas em seu nascedouro.
Quando você ouvir um candidato dizer que vai resolver os problemas do SUS, saiba que está te enganando. A saúde pública brasileira não está ao alcance de soluções simplórias. É uma área de alta complexidade que exige participação da sociedade e de programas dirigidos à atenção básica, como a prestada pelo Estratégia Saúde da Família.
Fonte: Folha de S. Paulo
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