sexta-feira, 30 de setembro de 2022

A SITUAÇÃO DO ENSINO NO BRASIL EM ESTADO DE COMA

Por Francisco Bend
Por que a diferença de qualidade do ensino público para o privado? Os professores da rede pública ganham praticamente o mesmo salário dos professores que ensinam em escolas particulares atualmente, então não reside no professor a causa do ensino pago ser melhor, razão pela qual somos obrigados a pesquisar com mais profundidade os motivos que levaram a este desnível.

Ora, o ensino no Brasil remonta à sua descoberta, quando os padres católicos iniciaram a catequese com os índios e inauguração de escolas para os filhos dos imigrantes e das famílias mais abonadas que vinham para o Brasil enriquecer.

A partir do momento que o Império passou a construir escolas públicas, estas jamais tiveram o mesmo ambiente escolar, as mesmas construções, bibliotecas, a tradição no ensino que os padres trouxeram de várias partes da Europa, e não somente de Portugal.

Portanto, há séculos, a escola particular se notabiliza pela organização, e, na sua maior parte, pertence a grupos religiosos que usam da disciplina e metodologia interna métodos de aprendizado inexistentes na escola aberta, além de os investimentos na área educacional por parte do governo serem desviados de seus objetivos e para onde haviam sido locados inicialmente.

BRIZOLA E DARCY

Por outro lado, sabemos que educar o povo nunca foi meta de governo algum, com exceção do projeto de Brizola e Darcy Ribeiro, os CIEPS, que ministravam a carga horária de ensino, mas também propiciavam tempo integral às crianças, retirando-as das ruas e protegendo-as das más influências e de ambientes negativos.

Por exemplo, as agressões a professores não existem nos colégios pagos, enquanto que, nos públicos, diariamente a imprensa veicula notícias sobre esta falta de educação e respeito para com os mestres.

Portanto, a educação chegou a níveis tão deteriorados e por culpa dos governos, que até os pais deveriam voltar a frequentar o ambiente escolar e aprender a reverenciar quem ensina seus filhos!

O próprio povo não dá valor ao ensino, vamos ser realistas. O Bolsa-Família demonstra que o interesse é pela doação, e não pelo aprimoramento profissional, intelectual e da mão de obra especializada.

MANIPULAÇÃO

O governo conseguiu depois de décadas de ensino deficiente, comandar o povo conforme a sua vontade e interesse, manipulando-o vergonhosa e despudoradamente. Em consequência, os pais transmitem aos seus filhos o mesmo descaso e desvalorização ao estudo, mas os obrigam a pedir esmolas e conseguirem qualquer trabalho que renda alguns tostões para ajudarem em casa, ou seja, o mesmo meio em que vivem de pobreza e de dependência das benesses do governo será o mesmo às crianças pela falta de tradição e costume, apelo e desejo, de se instruírem, de progredirem, de se desenvolverem.

O resultado se expressa nos programas de TV, na ausência de leitura, de não se ler jornais, revistas, e do descaso pela situação política e social do País, importando tão somente a diversão, no caso, futebol, carnaval, o churrasquinho fim de semana regado a boas cervejas geladas. E o futuro, a Deus pertence!

Eu afirmaria que não bastariam pesados investimentos na área educacional se não vierem acompanhados de programas de valorização do estudo estensivos aos pais, de modo que incentivem seus filhos a estudar, apesar dos exemplos nada edificantes de nossas autoridades e, na maioria das vezes, do próprio ambiente familiar, lamentavelmente.
Seria presunção pensar que aquilo que sabemos não é acessível à maioria dos outros homens. (Konrad Lorenz)

LUGARES

BAVIERA - ALEMANHA
O Castelo de Neuschwanstein (em alemão, Schloss Neuschwanstein) é um palácio alemão construído na segunda metade do século XIX, perto das cidades de Hohenschwangau e Füssen, no sudoeste da Baviera, a escassas dezenas de quilómetros da fronteira com a Áustria. Foi construído por Luís II da Baviera no século XIX, inspirado na obra de seu amigo e protegido, o grande compositor Richard Wagner. A arquitectura do castelo possui um estilo fantástico, o qual serviu de inspiração ao "Castelo da Bela Adormecida", símbolo dos estúdios Disney. Apesar de não ser permitido fotografar o seu interior, é um dos edifícios mais fotografados da Alemanha e um dos mais populares destinos turísticos europeus, além de também ser considerado o "cartão postal" daquele país. O nome Neuschwanstein é uma referência ao "cavaleiro do Cisne", Lohengrin, da ópera com o mesmo nome. (Wikipédia)

MR. MILES


O homem que visitou 312 países

Ainda da Ásia, mas agora da Indonésia, onde tem outro afilhado aniversariando, nosso incansável viajante manda as noticias desta semana:

Gostaria de saber se O Homem mais viajado do mundo parou de viajar, pois sempre que leio sua coluna, vejo que ele esteve em 183 países e 16 territórios ultramarinos. Não muda nunca?
Roque Risarto, por email

Well, my friend: atendendo ao seu pedido e ao de muitos outros leitores que não compreenderam minhas respostas anteriores, vou atualizar o número de países que visitei: foram 312!. Sim: são muito mais do que os países atualmente existentes. Tomei a liberdade, if you don't mind, de incluir países que já existiram várias vezes em realidades diferentes. Por exemplo: fui ao Zimbabwe e à Rodésia; ao Alto Volta e à Burkina Faso; à Iugoslávia e à Sérvia, a Birmânia e à Mianmá, o Ceilão e Sri Lanka and so on. Foram várias dezenas de países que tive o prazer de visitar em situações diferentes. Geograficamente, eles ficam no mesmo lugar (com ligeiras variações), mas visitar um deles foi uma experiência diferente do que visitar o outro. Do you know what I mean?

As condições políticas, institucionais, sociais e demográficas mudaram do mesmo modo que os países mudaram de mandantes. A população, quase sempre, permaneceu a mesma, mas mesmo ela, however, sofreu mudanças de status — para pior ou para melhor —, que, for sure, justificaram meu retorno, com alegrias e decepções.

Vou assumir, agora, esse número, para evitar questionamentos futuros. Mesmo ele talvez tenha algum erro, porque, apesar de minha memória e minha coleção de 36 tomos de passaportes encadernados, é possível que eu tenha esquecido de alguma passagem, já que, as you know, minha vida é viajar.

Relembro que comecei cedo, depois que herdei inesperada fortuna de uma contraparente que jamais cheguei a conhecer.: Shame on me: imprevidente, gastei tudo. Mas, at least, gastei meu dinheiro com o que deve ser gastado. Conhecendo e ganhando, dia a dia, mais tolerância e discernimento. Anos mais tarde, contudo, eu já havia me tornado sócio-remido de oito programas internacionais de milhagem que me permitem, ainda hoje, viajar quando quero pelo planeta. Também fiz, thank God, inúmeros amigos, padrinhos e compadres no mundo dos hotéis, pousadas e restaurantes — razão pela qual, como muitos sabem, jamais forneço dicas pontuais, de modo a não magoar pessoas queridas around the world.

Não sou um colecionador de países e nem ponho agulhas em mapas para registrar minha passagem — um episódio, by the way, irrelevante para as outras pessoas.

O número que consta dessa coluna era apenas uma ficção para dar noção de grandeza — e foi, of course, inúmeras vezes contestado por queridos viajantes que estiveram em uma quantidade ainda maior de lugares.

Quero lembrar que esse número só surgiu, nos anos 60, quando fui entevistado por uma linda jornalista do San Francisco Chronicle. Contei muitas de minhas histórias para a bela repórter e ela quis saber em quantos países eu havia estado. É claro que eu não tinha qualquer número para mencionar. Mas, de modo a poder marcar um segundo encontro, garanti a ela que iria pesquisar com denodo. Três dias depois surgi com um número suficientemente grandioso para convencê-la a passar a noite comigo. Essa é a única realidade.

Agora, entretanto, pesquisei e tenho essa nova informação: 312 países. É muito. Depende do ponto de vista. Gosto mutio de tê-los visitado. But, unfortunately, confesso que, pelo menos cem deles só conheço superficialmente. Ainda vou voltar!

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

VOTO DESPARELHADO

Golden Gate Bridge, San Francisco (California)
José Horta Manzano
De quatro em quatro anos volto ao assunto na época das presidenciais. Mas vamos começar pelo começo.

No Brasil, a colonização europeia chegou pela costa marítima. No primeiro século, com a notável exceção do vilarejo de São Paulo, os numerosos estabelecimentos portugueses estavam à beira-mar, de norte a sul do território.

Diferentemente dos EUA e do México, países com duas faces costeiras, o Brasil só pode contar com a costa atlântica. Sem a atratividade de uma outra face marítima, nosso povoamento demorou a penetrar fundo no território. A construção da nova capital federal, Brasília, e os incentivos dados nos anos 1970 à internalização do “progresso” não provocaram caudalosa marcha para o Oeste. O grosso da população e das atividades do país continuaram concentradas numa faixa de poucas centenas de quilômetros ao longo da faixa costeira.

Assim é até hoje. Veja um exemplo flagrante. Nosso país, com seus 4.400 km de extensão leste-oeste, cobre 4 fusos horários. No entanto, quando o locutor de alguma estação de rádio de projeção nacional ouvida em todo o território proclama, com voz empolada, que são 10 horas, está dando somente a hora da costa atlântica.

É verdade que cerca de 90% dos brasileiros se encontram dentro desse fuso, mas não deixa de ser injusto para com os demais. O relógio de mato-grossenses, amazonenses e vizinhos ainda está marcando 9 horas. Devem sentir-se cidadãos de segunda zona. Pior ainda são os acrianos, para os quais são ainda 8 horas. Ah, e tem o caso dos habitantes de Fernando de Noronha. São poucos, mas merecem atenção como os demais. Os relógios do arquipélago estão marcando 11 horas.

Até aqui, tratei de uma indelicadeza para com parte da população. Fica feio, mas não é ilegal. Já o que vem a seguir resvala para terreno pantanoso.

Faz uns vinte anos que os brasileiros do exterior temos direito de votar nas presidenciais. Vota-se somente para presidente, visto que, no Congresso, ainda não foram criadas vagas de deputados e senadores para defender especificamente os interesses dos expatriados.

Brasileiros da Nova Zelândia são os primeiros a apertar teclas na urna eletrônica. Em seguida, vêm os conterrâneos estabelecidos na Austrália, no Japão, na China, e assim por diante, até a Terra girar e o dia clarear em território nacional. Começam primeiro a votar os fernando-noronhenses, em seguida votam os da grande faixa que segue a hora de Brasília. Uma hora depois, abrem-se as urnas de amazonenses e mato-grossenses. Por último, vêm os acrianos.

Enquanto isso, continua o voto no exterior. A Terra vai girando – Ásia, África, Europa – e as urnas vão se abrindo. E chega a vez dos Estados Unidos. Consulados da costa atlântica são seguidos pelos do interior do país até chegar à costa do Pacífico.

No Brasil, cada estado encerra a votação às 17 horas locais. Os últimos a bloquear as maquinetas são os do Acre, que só terminam de votar duas horas depois do grosso da população do país. Fechadas as urnas do Acre, todos os veículos de informação anunciam a esperada estimativa geral colhida na boca de urna. Em seguida, vão pingando, um atrás do outro, resultados parciais daqui e dali. Em meia hora ou coisa assim, conhece-se o nome do(s) vencedor(es).

Até aí, beleza pura. Só que… nos EUA, na costa do Pacífico, as urnas ainda estão abertas e há gente esperando pra votar. Temos aí um grave problema. Em princípio, o horário de votação de todos os brasileiros tem de estar encerrado pra que se saiba dos resultados. Como é possível terem esquecido os que votam em Los Angeles ou em San Francisco? E não são poucos.

Chegamos assim à bizarra situação de ver eleitores que votam sabendo já do resultado, como se o voto deles não fizesse a menor diferença. Ou, pior ainda, podendo, sim, fazer diferença no caso de resultado apertadíssimo.

É uma anomalia que tem de ser sanada. Quem sabe para as próximas eleições, quando estará menos absorvido em se esquivar de ataques da extrema-direita belicosa, o TSE vai poder se debruçar sobre esse problema.
Como fazer então?
A França, que tem ilhas e pequenos territórios ao redor do planeta, já resolveu o problema faz tempo. Os eleitores do exterior não votam no domingo, mas um dia antes, no sábado. Assim, sem afobação, as seções eleitorais transmitem o resultado a Paris. Os votos do estrangeiro ficam armazenados no computador central à espera do fim do voto nacional.

Pra tudo tem remédio, basta querer.

Fonte: brasildelonge.com
Ambição é uma pobre desculpa por não ter suficiente senso de preguiça. ( Steven Wright)

LUGARES

SÃO PETERSBURGO - RÚSSIA
A Catedral do Salvador sobre o Sangue Derramado ou Igreja da Ressurreição do Salvador sobre o Sangue Derramado é uma igreja ortodoxa russa de São Petersburgo, situada na margem do canal Griboedov próximo ao parque do Museu Russo e da Nevsky Prospekt. Wikipédia

NÃO TROPECE NA LÍNGUA


TENDÊNCIA A VIVER – REGÊNCIA
-- Minha dúvida diz respeito ao uso da preposição de em situações como “a tendência é de”. Tenho encontrado frases ora com a preposição, ora sem, como exemplifico a seguir. Maria Laís Pestana, São Paulo/SP
  • Tendência é de que problemas com chuvas aumentem em São Paulo. Portanto, a tendência é que I. 
  • Tendência é ampliar política de benefícios.
  • Tendência é de aumentar as exportações agropecuárias este ano.A tendência é de as provas oficiais se expandirem para além do Estado.
  • A tendência é as taxas futuras seguirem o comportamento do mercado de câmbio.
  • Em outubro, tendência é de melhoraMercado não teme mais Lula e a tendência é a queda do dólar.
O substantivo tendência pode ser regido por mais de uma preposição, quais sejam a, de, em, para:
  • Tem tendência à embriaguez.
  • Opõe-se à sua tendência de conferir o ascendente.
  • Observou a tendência natural das crianças em contrariar tudo.
  • A senhora respondeu que não tinha tendências para freira.
Contudo, quando se tem a construção tendência + verbo ser + predicativo (ou oração predicativa), a preposição pode ser omitida. Aliás, a frase fica melhor sem ela:
  • A tendência é melhorar.
  • Nossa tendência é conquistarmos o hexa.
  • A tendência é a queda dos preços.
--- No jornal O Estado de S. Paulo de 1º/10/02, na coluna Espaço Aberto, foi publicado o artigo “Para onde vamos”, de Rubem de Freitas Novaes. Dele extraí o excerto: “Descontado o exagero, é muito apropriada ao momento que vivemos.” Pergunto se a regência do verbo viver está correta. A. A. F., São Paulo/SP

Segundo os dicionários, o verbo viver é usado com a preposição em no caso de complemento de lugar:
  • Ele vive em São Paulo há anos.
  • Vive na casa do sogro.
A mesma regência acontece nas expressões “viver em paz” e “viver em família”. Também se usa a preposição em quanto se tem um adjunto adverbial de tempo posposto ao verbo:
  • Nossos avós viveram em um século marcado por profundas transformações.
  • Vivemos/estamos vivendo numa época de muita violência.
  • Esse autor viveu no século das Luzes.
Por outro lado, o verbo viver dispensa qualquer preposição quando significa “passar a vida; vivenciar, experimentar, passar por; fruir, desfrutar, aproveitar (a vida)”
  • Ela disse que nunca viveu certas experiências.
  • Vive uma vida folgada.
  • Os melhores momentos da minha infância foram vividos solitariamente.
  • Vivemos bons momentos juntos.
Assim sendo, o autor da frase poderia defender sua redação dizendo que ali o verbo viver é transitivo direto (sendo o pronome “que” o objeto direto) porque ele quis lhe dar o sentido de “experimentar, gozar, desfrutar”: os momentos que vivemos = os momentos vividos, os momentos presentes

Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

MUSEU MOSTRA QUADROS ESPOLIADOS DE JUDEUS

Berna - um dos tesouros exibidos em exposição
Por Rui Martins

Museu de Arte de Berna expõe quadros de judeus espoliados pelos nazistas

A importância da atual exposição do Museu de Arte de Berna é também política, didática, histórica além de artística, partindo de um controvertido legado de quadros, recebidos de um diretor de museu, negociante de arte, colecionador e organizador de exposições alemão, vindo da época do nazismo. Isso porque nos mostra como o poder político pode ditar normas artísticas e impedir a livre manifestação e a evolução natural das artes.

Durante o nazismo alemão se cristalizou o conceito de arte degenerada e isso envolvia a literatura, a pintura e a música. Tudo quanto fugia do modelo clássico e naturalista da arte alemã, e isso poderia ser por seu pacifismo e pessimismo, era condenado, considerado decadente, e devia ser destruído, pondo-se assim fim à diversidade artística. A perseguição à “arte degenerada” incluía seus possuidores e também os artistas judeus. Enquanto os nazistas depuravam seus museus e galerias da chamada “arte degenerada”, ela florescia principalmente na França, para ser reprimida durante a invasão pelos nazistas alemães.

É esse o contexto da exposição Gurlitt, um Balanço. Gurlitt é o nome de uma tradicional família de colecionadores e expositores de arte alemães. Quem nos interessa é Cornelius Gurlitt, colecionador de quadros de arte, cujo destino mudou em setembro de 2010, aos 77 anos, quando passou por um simples controle de alfândega na fronteira alemã, ao voltar de trem de Zurique para Munique. Ao abrirem sua sacola, encontraram um pacote em dinheiro vivo, no valor de 9 mil euros, apreendidos por não haver um documento de origem, suspeitando-se de fraude fiscal.

Cerca de um ano depois, a polícia financeira fez uma busca num apartamento alugado por Cornelius em Munique e ali se depararam com muitos caixotes de latas de conserva que, na verdade, escondiam pinturas de arte bem guardadas e em perfeito estado de conservação. No total, eram 1406 quadros e desenhos sem moldura, salvados da época nazista pelo pai de Cornelius, o diretor de museu Hildebrand Gurlitt. Seus autores eram prestigiosos pintores da “arte degenerada” como Renoir, Matisse, Picasso, Paul Klee, Kokoschka, Kandinsky, Max Beckmann e outros.

A dúvida sobre a origem desses quadros surgiu na mesma época, em 2010, quando Cornelius Gurlitt vendia em Colônia, na Alemanha, O Domador, uma pintura expressionista de Max Beckmann, que deixara a Alemanha em 1937, para viver em Paris e depois em Amsterdã, embora cidades ocupadas pelos nazistas. Em 1947, Beckmann emigrou para os Estados Unidos onde foi professor na Universidade de Saint Louis, morrendo três anos depois em Nova Iorque.

Ora, quem se encarregara na época da venda do quadro O Domador era Alfred Flechtheim, judeu dono de uma galeria que fugira da Alemanha em 1933. O fato do quadro ter ficado com Hildebrand Gurlitt levantou a suspeita de ter havido nesse caso e muitos outros um tipo de espoliação de arte por compra a bom preço de judeus forçados a fugir ou já sem recursos.

Entretanto, Cornelius defendia a ideia de que seu pai queria salvar os quadros de uma destruição ou de ficarem com os russos no fim da guerra.

Em favor de Hildebrand Gurlitt existiam cartas de Beckmann falando do seu apoio. Mas outros quadros eram de obras espoliadas pelos nazistas entre 1940-41. Essa questão ainda estava em debate, quando Cornelius morreu em Munique aos 81 anos, legando em doação todos seus quadros, mais de 1.600, por testamento ao Museu de Arte de Berna.

A partir da aceitação do precioso legado, o Kunstmuseum decidiu fazer uma minuciosa pesquisa sobre os quadros herdados. Há quatro anos, numa exposição precedente, sob o título As Espoliações Nazistas e suas Consequências sobre quadros cuja origem permaneciam duvidosas, houve uma primeira avaliação. Nela, se fez um primeiro balanço da pilhagem de bens de judeus pelos nazistas dentro do contexto histórico e do papel desempenhado na época por museus e negociantes de arte.

Concluiu-se pela implicação de Hildebrand Gurlitt nas vendas forçadas e no comércio de obras de “arte degenerada”, provenientes de espoliações e confiscações dentro de museus. Assim, entre algumas obras legadas havia uma relação direta com a vida de pessoas perseguidas, principalmente artistas, colecionadores e negociantes de arte judeus. Previa-se a restituição de obras espoliadas, o que de fato ocorreu nestes últimos anos.

No decurso das investigações, apurou-se que, em 1937, houve um movimento nazista para retirar e confiscar de todos os museus alemães as obras de arte moderna consideradas “degeneradas”. No total foram mais de vinte mil obras expressionistas, abstratas, dadás, incluindo também obras criadas por artistas de esquerda e judeus, retiradas dos museus alemães. Uma parte dessas obras foram vendidas, fora da Alemanha por Hildebrand, para financiar a guerra alemã contra os Aliados.

Ao fim da guerra, em 1945, oficiais norteamericanos encarregados da proteção de obras de arte confiscaram a coleção de Hildebrand, que, não tendo sido condenado, as recebeu de volta em 1950, e retornou às suas atividades de organizador de exposições de arte na Alemanha, até 1956, quando morreu vítima de um acidente de trânsito, ficando sua coleção com o filho Cornelius.

A exposição Gurlitt – Um Balanço estará aberta até 15 de janeiro 2023, no Kunstmuseum Bern. Interessados podem ter acesso pelo link www.gurlitt.kunstmuseunbern.ch

Essa provação vivida pelos artistas alemães durante o nazismo, deve servir como alerta contra toda tentativa de grupos políticos ou religiosos decididos a condenar e impedir seja qual for o tipo de diversidade cultural, seja pelo corte de verbas, pelo fechamento de escolas ou perseguição dos artistas.

Fonte: https://www.chumbogordo.com.br
Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive. (H. L. Mencken)

LUGARES

MONTE SAINT- MICHEL - FRANÇA
O Monte Saint-Michel é uma ilha rochosa na foz do Rio Couesnon, no departamento da Mancha, na França, onde foi construído uma abadia e santuário em homenagem ao arcanjo São Miguel. Seu antigo nome é "Monte Saint-Michel em perigo do mar". Wikipédia

NEM TURISTA, NEM APRENDIZ

Ruy Castro

Há 110 anos, Roquette-Pinto foi à Amazônia como cientista

Não é uma data a justificar oba-obas oficiais. É muito mais. No dia 22 de julho próximo, serão 110 anos da viagem do cientista Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) à Amazônia, a convite do general Candido Rondon, em mais uma expedição para desbravar a região, contatar tribos e demarcar fronteiras. Em cada viagem, Rondon levava um perito para cada disciplina. Ao chamar Roquette-Pinto, levou um homem-equipe.

Naquela expedição, Roquette foi cartógrafo, etnógrafo, sociólogo, geógrafo, arqueólogo, botânico, zoólogo, médico, farmacêutico, legista, linguista, desenhista, fotógrafo, sonoplasta e folclorista. Registrou toda a aparência da região: folha, árvore, floresta, composição dos solos, contorno dos rios, variedade da fauna.

Nas visitas às tribos já contatadas, mediu o crânio de seus membros, comparou pesos e alturas, analisou suas endemias e descreveu seus conhecimentos, formas de produção, comércio e transporte, relações familiares, língua, hábitos religiosos e coreografias. Anotou musicalmente seus cantos e gravou-os em cilindros de cera. Roquette realizou até a primeira autópsia de um indígena --por acaso, uma mulher.

A morte estava sempre ao lado: dias e dias de caminhada sem sol visível, à mercê de calor, animais, flechas, armadilhas, varíola, beribéri, malária. De volta ao Rio em dezembro, doou ao Museu Nacional uma tonelada e meia de objetos, que transportara em carro de boi pela selva. As anotações musicais foram entregues ao jovem Villa-Lobos para serem harmonizadas.

Em 1916, Roquette condensou tudo em sua obra-prima, "Rondônia", um tratado multidisciplinar sobre aquele Brasil recém-revelado e um libelo contra a tese, então corrente, de que nossas mazelas se deviam à composição étnica.

Roquette-Pinto não foi à Amazônia em trem de luxo, com lençóis levados de casa e em companhia de grã-finas. Não foi como turista, muito menos aprendiz.

Fonte: Folha de S. Paulo - 05/05/2022

FRASES ILUSTRADAS

terça-feira, 27 de setembro de 2022

O LIVRE ARBÍTRIO É UMA ILUSÃO?

Por centenas de anos, filósofos antigos e cientistas contemporâneos apontaram para a possibilidade intrigante de que o livre arbítrio é uma ilusão. Embora geralmente a maioria dos humanos acredite ter um controle relativo sobre suas decisões, pesquisadores como Benjamin Libet contestaram essa noção.

A ideia de que os humanos podem não ter autonomia completa sobre suas vidas questiona até que ponto temos controle. Se o livre arbítrio é uma ilusão e nosso controle é realmente limitado, então coisas como lei criminal e status social podem ser questionadas.

Mas essas conclusões são bem fundamentadas? Para avançar nossa compreensão coletiva do livre arbítrio , o Dr. Uri Maoz está liderando um projeto de pesquisa colaborativa que reúne neurocientistas e filósofos de todo o mundo.

Uma exploração do livre arbítrio

O que é livre arbítrio, realmente? A definição de livre arbítrio é: “o poder ou capacidade de escolher entre alternativas ou de agir em certas situações independentemente de restrições naturais, sociais ou divinas”. Em outras palavras, ter livre arbítrio é ter controle indefinido sobre si mesmo e suas decisões. O livre arbítrio nos permite escolher entre o certo e o errado, bem como uma miríade de escolhas mundanas todos os dias: ônibus ou bicicleta, sopa ou salada, etc.

O conceito de livre arbítrio vem com a assunção da responsabilidade pelas próprias decisões, boas e más. Essa suposição está em alinhamento estrito com o idealismo, a política e a estrutura social da América: os americanos têm controle sobre suas escolhas e, portanto, têm controle sobre seus resultados.

Para aqueles que acreditam que o livre-arbítrio é uma ilusão, coisas como lei criminal, provisão de bem-estar e status social podem estar fora de nosso controle. Sua postura levanta a questão: se não temos controle absoluto, podemos ser julgados absolutamente por nossas circunstâncias?

Maoz, neurocientista computacional da Chapman University, explica: “O livre arbítrio está na base de muitos dos nossos pilares sociais. Nosso sistema jurídico presume algum tipo de liberdade. Existem teorias econômicas que pressupõem que as pessoas são livres para tomar suas decisões. Por todas essas coisas, entender como somos livres, os limites de nossa liberdade, como é fácil manipular nossa liberdade, e assim por diante, eu acho que é importante. ”

A pesquisa de Maoz desafia as suposições controversas sobre o livre arbítrio que surgiram de nomes como Libet e Sam Harris , um conhecido autor e apresentador de podcast que declarou: “O livre arbítrio é uma ilusão. Nossas vontades simplesmente não são de nossa própria criação. ” A base para a ousada conclusão de Harris depende fortemente de experimentos conduzidos na década de 1980.

Nesses experimentos, os participantes foram solicitados a realizar tarefas simples, como pressionar um botão ou flexionar o pulso . Enquanto estavam sentados em frente a um cronômetro, com eletrodos de EEG monitorando a atividade cerebral presos às suas cabeças, os participantes foram instruídos a anotar o momento em que tomaram consciência de sua decisão de se mover.

O que os pesquisadores descobriram foi que os sinais de EEG foram identificados em média meio segundo antes que os participantes notassem sua consciência de sua decisão de se mover. Essa lacuna entre o sinal do cérebro e a consciência humana tornou-se conhecida como “potencial de prontidão”. Os pesquisadores acreditam que isso ajudou a provar que as decisões são tomadas primeiro no cérebro, antes que uma pessoa tome conhecimento de sua decisão.

Temos livre arbítrio?

Ao longo dos anos, várias falhas importantes foram identificadas nesses experimentos, o que gerou um debate no mundo da ciência. O trabalho de Maoz também questiona suas conclusões instáveis. Tendo empreendido uma série de experimentos para quantificar e testar o livre arbítrio, Maoz é um dos maiores líderes de pensamento em volição e tomada de decisão de nosso tempo.

“Eu não diria que há evidências convincentes agora de que não temos livre arbítrio”, disse Maoz, “na verdade temos evidências de que há muitos problemas com este experimento Libet … Mesmo se você realmente pudesse prever estes decisões muito arbitrárias de qual mão você levanta, não parece generalizar para decisões importantes da vida. ”

Aqueles que discordam das descobertas do experimento geralmente o fazem por alguns motivos. Os experimentos realizados por Libet, que ele alegou indicarem falta de livre arbítrio, podem não ter provado muito. As próprias premissas nas quais ele conduziu esses experimentos parecem estar equivocadas.

Libet acreditava que o atraso entre os sinais de EEG e a consciência dos participantes de sua decisão de se mover, ou o “potencial de prontidão”, mostrava que as decisões estavam sendo tomadas antes que a pessoa soubesse o que faria. As descobertas, no entanto, podem apontar para algo muito mais simples e menos científico.

Uma questão em torno da legitimidade do experimento é que uma certa quantidade de erro humano parece ser inerente a seus parâmetros. Afinal, os participantes foram solicitados a anotar o momento preciso em que tomaram conhecimento de sua decisão de realizar uma tarefa. É discutível que os humanos sejam capazes de registrar isso com precisão avançada.

Além disso, é questionável se Libet poderia ter provado com alguma certeza que os sinais de EEG lidos nos participantes estavam de fato ligados à sua decisão de movimento ou ao movimento em si. Ele poderia facilmente ter captado outros estímulos, como uma expectativa de movimento. As ferramentas usadas neste experimento poderiam realmente ler o momento exato em que os participantes tomaram a decisão de realizar uma tarefa com alguma precisão precisa? Provavelmente não.

Em 2010, o Dr. Aaron Schurger e seus colegas propuseram que as descobertas de Libet não faziam nada para provar que o livre arbítrio é uma ilusão. Em vez disso, eles mostraram que o cérebro humano, quando confrontado com uma tarefa arbitrária, às vezes simplesmente vira a balança em direção a uma decisão nebulosa em detrimento de outra, salvando-nos de refletir incessantemente entre decisões sem conseqüências reais.

Isso não indica necessariamente que os humanos não tenham controle total sobre o processo de tomada de decisão. Em vez disso, talvez demonstre que os humanos são biologicamente programados para conservar tempo e energia, não se demorando em decisões sem importância.

Embora os experimentos do Dr. Libet possam não ter feito nenhum progresso real para responder a perguntas antigas sobre o livre arbítrio, eles ajudaram a alimentar discussões importantes. As ramificações do que significaria a falta de livre arbítrio podem ser o que está mais em jogo no debate, e também é um ponto crucial da pesquisa de Maoz.

Mesmo que a existência ou não existência do livre arbítrio permaneça indeterminada, algumas das mentes mais brilhantes do mundo estão se reunindo para buscar respostas . Nesse ínterim, é seguro presumir que, embora possamos não estar processando conscientemente cada uma das decisões subalternas que tomamos, as decisões maiores com implicações maiores são aquelas que podemos controlar.

Fonte: https://www.pensarcontemporaneo.com
Não me uses sem motivo; não me guardes sem honra. (inscrição nas espadas e punhais fabricados em Toledo)

LUGARES

STEIN AM RHEIN - SUÍÇA
Stein am Rhein é uma comuna da Suíça, no Cantão Schaffhausen, com cerca de 3.110 habitantes. Estende-se por uma área de 5,75 km², de densidade populacional de 541 hab/km². Confina com as seguintes comunas: Eschenz, Hemishofen, Öhningen, Wagenhausen. A língua oficial nesta comuna é o Alemão. Wikipédia

ROMANCE FORENSE

Cachorro comedor de ovelha...
Por Ronaldo Sindermann, advogado (OAB/RS nº 62.408)

O empregado da fazenda de um conhecido desembargador traz, por uma estrada em Bagé, um rebanho de ovelhas, quando surge pelo inóspito caminho uma Toyota Hilux reluzente.

Para na frente do campeiro e desce um cara de terno preto, camisa risca de giz, gravata vermelha e sapatos de couro de jacaré, que propôs:

- Meu nobre senhor, se eu adivinhar quantas ovelhas tem neste rebanho, o amigo me dá uma?

O velho gaúcho pensa e meio desconfiado responde:

- Sim! Não são minhas, mas pago para o patrão.

Então o cara volta até a camioneta, pega um notebook, se conecta via celular à Internet e começa a pesquisar.

Identifica a área do rebanho via satélite, calcula a criação de ovinos na região da fronteira, examina a média de abate, raças, quantidade de lã, baixa tabelas, cruza dados e depois de alguns minutos, diz ao campeiro:

- O amigo tem 634 ovelhas neste rebanho e 32 estão prenhas.

O gaúcho admite que estava certa a quantidade de animais.

- Pode levar a ovelha que eu prometi!

O cara pega o bicho e o coloca no porta-malas da Toyota. Quando está fechando a tampa, o gaudério pergunta:

- Desculpe, mas se eu adivinhar a sua profissão, o amigo me devolve o animal?

Duvidando que acertasse, o cara concorda.

- O senhor é candidato a deputado! - diz o gaúcho.

- Incrível! Como adivinhou?

- Por quatro razões.

- Quais?

- Primeiro, pela frescura da sua roupa. Segundo, parou sem que eu o chamasse. Terceiro, está bancando o esperto. E, quarto, nota-se que não entende nada de ovelhas.

Há um hiato e logo o empregado do desembargador ruralista arremata:

- Devolve já o meu cachorro!

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

DIÁRIO DE VIAGEM AO URUGUAI

Mauro Calliari

No país de maior renda per capita da América Latina, inspirações para nossas cidades

Monte.VI.d.E.O

Todo nome esconde uma história e muitas versões. Para Montevidéu, a melhor de todas é a de que, quando os espanhóis navegaram ao longo da costa do Rio da Prata, foram contando os morros. Um, dois, três... no sexto morro, construíram a futura capital. Portanto, Montevideo (como se escreve em espanhol) é o Monte número VI (seis, em algarismos romanos), na direção do Este (leste) a Oeste. Não deixa de ser irônico que um país tão plano tenha sua toponímia ligada a um morrinho.

Cidades e vazios

O Uruguai é ainda mais urbanizado que o Brasil, mas com uma concentração espantosa: mais de 40% da população uruguaia mora numa cidade só, Montevidéu. Depois da capital, só existem oito cidades com mais de 50 mil habitantes.

Apesar de terem crescido já após a independência, o traçado das cidades é tipicamente espanhol, no formato de tabuleiro, que ganha o bonito nome de "damero". Na sempre imponente praça central, se encontram os símbolos do poder: o religioso —a Catedral—, o político —a Intendência— e o simbólico —a onipresente estátua de Artigas, às vezes em seu cavalo, como em Paysandú, às vezes a pé mesmo, como em Carmelo.

Ao redor do centro, as típicas casas geminadas, de um ou dois andares, convivem com lojas, papelarias, cartórios, escritórios, escolas e órgãos públicos. A mistura é boa e permite aquela variedade de pessoas — estudantes, aposentados, funcionários do comércio, que dá vitalidade às cidades. Nas calçadas, há pequenas gentilezas urbanas como banquinhos. Nada melhor para ver a vida passar enquanto se toma o seu mate.

A exceção é a região de Maldonado. Ali está Punta del Este, a queridinha dos turistas brasileiros e argentinos. O investimento estrangeiro ali parece estar reproduzindo pedaços de Miami, com aqueles prédios enfileirados, olhando para o mar. A urbanização recente se descola da passada. Em vez dos bulevares aerados, uma faixa de rolamentos contínua, com poucas travessias e uma monotonia urbana diferente do centro antigo, com seus cafés charmosos e comércio.

Dois cassinos exprimem essa mudança. O Enjoy, no antigo hotel Conrad, em Punta, é construído para receber quem chega de carro. O de Piriápolis, no Argentina Hotel, da década de 1930, ao contrário, recebia os turistas na estação de trem. O trem não existe mais, mas os turistas saem dos corredores largos e vão andar na rambla, a frente de mar que evoca —de longe— a Riviera Francesa.

Negócios brasileiros na paisagem

Além dos produtos nas gôndolas, duas marcas aparecem com frequência nas ruas das cidades uruguaias. Itaú e Igreja Universal. O Itaú, aliás, faz campanha ostensiva para captar clientes, num país em que grande parte das pessoas não têm conta no banco. Tudo se paga e se compra numas redes de lojas que oferecem de câmbio a pagamento de contas, loteria esportiva e ingressos esportivos.

Vacas e pessoas

Nos extensos campos, há, plantações e vacas. O pessoal diz que são mais de três vacas para cada habitante. Além de exportar, o Uruguai tem um dos grandes consumos de carne do mundo. Pedi um bife à milanesa num restaurantinho na bucólica cidade de Treinta y Tres e o que veio à mesa foi um filé de brontossauro com mais de dois palmos de largura. Perguntei à gentil garçonete se o pessoal comia isso tudo sozinho. "Por supuesto!".

Urbanidades

Gentileza parece definir as relações com as pessoas que surgem na vida dos viajantes. Raramente, em qualquer país do mundo, alguém é atendido em lojas, restaurantes, ônibus, loterias com tanta gentileza. Pedidos de informação que em outros lugares geram muxoxo, aqui são recompensados com explicações longas e detalhadas.

Me pergunto se isso é fruto da escala. Nas cidades menores, como Mercedes ou Mello, é normal que pessoas estejam menos apressadas. Mas isso também acontece em Montevidéu. Espremidos entre dois gigantes, a noção de nação é forte, e o fato de presidentes de espectros políticos terem se sucedido sem rupturas ou loucuras, é significativo. "Somos um país pequeno", parece ser a explicação para tudo o que acontece ou não acontece por lá.

Montevidéu e Buenos Aires

Comparações são sempre amplificações de uma percepção pessoal, mas são irresistíveis. Nessa simplificação, diria que Buenos Aires é a multidão. A multidão está em toda parte. Na feira de San Telmo passeando, em frente à casa Rosada protestando, na Bombonera e no Monumental de Núñez, cantando e pulando, num parque de Palermo tomando sol, na calle Florida saindo do trabalho. Nos últimos tempos há até multidões de estudantes fazendo fila nos quiosques para comprar as figurinhas da Copa, que estão em falta. "É a última Copa de Messi".

Em Montevidéu, ao contrário, saímos da multidão e entramos a escala do indivíduo. No pôr do sol, pequenos grupos de casais e pessoas sozinhas vão até a beira do rio Prata e se aboletam na rambla conversando baixo ou lendo. Na sede da prefeitura não há nenhum guarda para controlar quem sobe ao mirante do prédio para ter uma visão fabulosa da cidade. Alguns bairros, como Cordón, têm trechos tão bucólicos quanto as fotos de São Paulo na década de 1960. A calma ocorre até na chegada ao futebol. Fui a pé do centro até o histórico estádio Centenário e me aboletei ao lado de grupinhos que tomavam mate enquanto olhavam as botinadas dos jogadores do Peñarol.

Andar a pé

O traçado, a planura e a infraestrutura contribuem para andar a pé nas cidades uruguaias. Em Salto, vi crianças bem pequenas caminhando sozinhas para a escola. Em Colônia, carros param para qualquer pedestre. Em Montevidéu, o trânsito piora um pouco as coisas e há poucas travessias na avenida que segue a praia. Entretanto, chega uma certa hora que tudo se acalma e a cidade se esvazia. Na volta para o hotel, uma noite numa rua escura, me vi caminhando atrás de uma mulher sozinha. Em São Paulo, é comum que a pessoa se vire assustada quando isso acontece. Em Montevidéu, ela nem deu bola e seguiu seu caminho tranquila.

Gardel

Ah, sim. Carlos Gardel era mesmo uruguaio e nasceu em Taquarembó. O simpático museu fora da cidade não tem muita coisa, mas é pródigo em certidões e notícias que comprovam seu local de nascimento.

Fonte: Folha de S. Paulo
O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro. (Barão de Itararé)

LUGARES

CHENONCEAU - FRANÇA
(Jardins)
O Castelo de Chenonceau, também conhecido como Castelo das Sete Damas, é um palácio localizado na comuna de Chenonceaux, departamento de Indre-et-Loire, na região do rio Loire, a Sul de Chambord, na França. Wikipédia

SAUDOSO E-MAIL

Martha MedeirosMartha Medeiros

Agora, você troca mensagens instantâneas, um toma lá dá cá que faz todo mundo parecer meio esquizofrênico

Quando o e-mail surgiu, foi considerado um meio prático, porém frio de se corresponder. Mas agora que o e-mail foi reduzido a pó por Face, WhatsApp & Cia, agora que ele sobrevive apenas para a troca de mensagens profissionais (e olhe lá), agora que ele respira por aparelhos, já podemos lembrar, nostálgicos, de como ele era refinado.

O e-mail entrava discretamente na sua caixa de mensagens e ficava ali, quietinho, aguardando pacientemente o momento em que o destinatário pudesse lê-lo e respondê-lo. Havia todo o tempo do mundo para isso. A resposta podia ser bem articulada, revisada e enviada sem nenhuma aflição. 

Claro que não era agradável deixar alguém aguardando uma semana, mas na maioria das vezes não levava tanto tempo assim, o retorno geralmente era dado no mesmo dia ou no dia seguinte, e isso era suficiente para comemorar esta vibrante conexão virtual.

Isso foi ontem. Anteontem. Um século atrás. Dá no mesmo.

Agora, você troca mensagens instantâneas, um toma lá dá cá que faz todo mundo parecer meio esquizofrênico. A questão do corretor de texto é uma insanidade. “Oi, Patricia!” se transforma em “Ouviu, patife!” e o que era para ser um gentil cumprimento vira um insulto. Não preciso dar outros exemplos, você passa por isso todos os dias: corrigir com avidez as bananices que o corretor comete à revelia.

Mas o mais grave nem é isso.

É ter que responder de bate-pronto. Eu às vezes não sei exatamente como reagir a algo que me escreveram, gostaria de ter ao menos cinco minutos para processar a informação e entender o que estou sentindo antes de mandar a resposta, cinco minutos não é tanto tempo, é? Ora, em cinco minutos o interlocutor já se atirou do oitavo andar, sentindo-se rejeitado pelo meu silêncio.

Não, senhora, você não pode pensar nem cinco, nem dois, nem meio segundo, precisa escrever feito um raio, num flash, sem pestanejar, porque o outro está digitando ao mesmo tempo e isso configura um duelo, ganha quem disparar primeiro. Portanto, seja ligeira e tenha presença de espírito – ainda isso: é imperativo mostrar que é engraçadinha.

Só que não sou engraçadinha. Sou cautelosa. Ponderada. Gosto de construir frases. Criar raciocínios. Sou escritora, me dê um desconto. Não consigo me contentar com frase de telegrama, que, aliás, é uma coisa bem antiga, se não me falha a memória.

Bom mesmo seria se a gente continuasse a se comunicar frente a frente, transmitindo nosso estado de espírito com o próprio rosto, sem precisar do auxílio de algum emoji. Se a gente pudesse falar com calma e o outro responder com calma. Mas isso parece que também é coisa muito antiga.

Nasci atrasada, estou sempre correndo atrás do tempo: aquele tempo que o e-mail me dava pra pensar. 

Fonte: Zero Hora

FRASES ILUSTRADAS

domingo, 25 de setembro de 2022

A SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA NÃO ESTÁ AO ALCANCE DE SOLUÇÕES SIMPLÓRIAS

Drauzio Varella

A atuação do sistema vai muito além da necessidade de tratar as afecções agudas

O acesso ao atendimento médico está entre as principais preocupações dos brasileiros. Nestas eleições, nada mais importante do que analisarmos as propostas dos candidatos aos cargos majoritários.

O SUS revolucionou a saúde pública no país, a partir do momento em que foi incluído na Constituição de 1988. Seus primeiros passos foram na direção do tratamento das pessoas que adoeciam. Eram atendimentos pontuais: crianças desidratadas, adultos com pneumonia, apendicite, fraturas ortopédicas, vítimas de acidentes. Os pacientes eram operados ou recebiam os medicamentos indicados e voltavam para suas casas.

Trinta e quatro anos depois, encontramos o Brasil em outra realidade econômica e epidemiológica. A faixa da população que mais cresce é a que está com mais de 60 anos. Quando perdemos um parente de 70 anos, dizemos que morreu moço. O envelhecimento no Brasil ocorreu numa velocidade duas vezes superior à dos europeus.

Os brasileiros vivem mais, mas envelhecem mal. Aos 60 anos, metade dos homens e das mulheres sofre de hipertensão arterial e o número de pessoas com diabetes está ao redor de 20 milhões, sem contar os que andam pelas ruas com taxas de glicemia elevadas sem diagnóstico nem consciência da gravidade potencial da doença. A obesidade virou epidemia: o número de adultos acima da faixa de peso saudável já ultrapassou 55% da população.


As prioridades deixaram de ser as endemias rurais do país em que concluí o curso médico 50 anos atrás. Sem controle, as pessoas com hipertensão ou diabetes correm o risco de ter ataques cardíacos, derrames cerebrais, insuficiência renal que as torna dependentes de hemodiálises e transplantes de rim, cegueira, amputações de membros e outras complicações que deixam sequelas definitivas —com as quais o SUS precisa lidar com recursos humanos e financeiros de que não dispõe.

Nesse panorama, a atuação do sistema de saúde vai muito além da necessidade de tratar as afecções agudas em pessoas que receberão alta, depois de atendidas. Nas doenças crônicas o objetivo não é a cura, mas o controle para evitar complicações, tarefa muito mais complexa.

Os estudos mostram que cerca de 30% de condições como diabetes, hipertensão, obesidade e problemas pulmonares dependem de moradia, saneamento básico, acesso a alimentos, salário, tempo desperdiçado no transporte, falta de espaço para lazer, violência urbana e outros fatores alheios à assistência médica. Cerca de 50% são dependentes do estilo de vida: cigarro, álcool, sedentarismo, falta de higiene, alimentação inadequada, horas de sono, entre outros.

Portanto, se o funcionamento do SUS fosse perfeito, o impacto da assistência médica no controle das doenças crônicas seria de apenas 20%.

Esses números explicam a regra dos 50% no controle da pressão alta: só metade dos hipertensos sabe que tem pressão alta; dos que sabem, apenas a metade recebe a prescrição de medicamentos; dos que a recebem apenas metade faz uso deles com regularidade. Conclusão: conseguimos o controle adequado em apenas 12,5% dos hipertensos. No caso do diabetes, a mesma frustração.

Só existe uma saída: a atenção primária. Sem evitar que as pessoas adoeçam ou tenham as complicações decorrentes do descontrole das doenças crônicas, não haverá saída.

Para fazer frente a esse desafio, o SUS dispõe de um dos maiores programas de saúde pública do mundo: o Estratégia Saúde da Família, com equipes das quais fazem parte os agentes de saúde que, de porta em porta, já atendem a mais de 160 milhões de brasileiros. São 260 mil agentes, contingente maior do que o do Exército nacional.

As equipes formadas por eles, uma técnica de enfermagem, uma enfermeira e um médico, desde que bem treinadas e com recursos mínimos, têm condições de encaminhar ou resolver esses problemas em seu nascedouro.

Quando você ouvir um candidato dizer que vai resolver os problemas do SUS, saiba que está te enganando. A saúde pública brasileira não está ao alcance de soluções simplórias. É uma área de alta complexidade que exige participação da sociedade e de programas dirigidos à atenção básica, como a prestada pelo Estratégia Saúde da Família.

Fonte: Folha de S. Paulo

O NAUFRÁGIO DA DENTADURA

Fernando Albrecht
O escritor e cronista Sérgio Jockymann contou, no jornal Folha da Tarde, um causo saboroso dos anos 50. Inaugurava-se uma barragem e, à cerimônia, feita no alto da obra, veio todo o mundo de sempre e os papagaios de pirata.

Chegou a vez do prefeito. Todo retaco na sua fatiota nova, ajeitou o microfone de haste, puxou um calhamaço de papel. Arrumou a garganta com um pigarro forte e abriu a boca para falar, fala que seria transmitida para a emissora de rádio local e para vários alto-falantes espalhados na área.

Desastre. Sua dentadura caiu dentro da barragem. Quinze metros de fundura, como mediu mais tarde um mortificado correligionário. Silêncio total. Depois de um longo tempo, o alcaide boca murcha conseguiu articular uma mensagem radiofonizada de desespero.

– Efa não! E’fazia a reprefa!

Teve também o caso do sempre aqui citado jornalista Carlos Amaro Coelho. Quando tomava umas cangibrinas a mais, conforme gíria da época, inventava de esconder sua dentadura em algum lugar do quarto do hotel onde morava. Na manhã seguinte, ele ligava para os companheiros de libação da noite anterior e disparava o SOS dos sem-dentadura.

– Vofês não fabem onde diabo feftá minha dentadura? Que bofta! P’erdi de nofo meuf dentef!

E a gente lá ia saber? Um dia estava no sapato, no outro dentro da geladeira e até no chinelo. Paranoico de dentadura, vejam só.

De outra vez, o Coelho, que era o editorialista da Zero Hora no tempo em que ela era do empresário Ary de Carvalho, foi a um coquetel na casa do chefe, cuja mulher, Marlene, não ia lá muito com a cara do Coelho. Estavam lá secretários de Estado, o governador e seus secretários, empresários, o cardeal Dom Vicente Scherer, magistrados, tout le monde.

Pois foi em uma dessas rodas de alto coturno que o Coelho encostou. A conversa estava animada, e o meu amigo Coelhinho deitava falação. Estava no auge da peroração quando a voz de dona Marlene…

– Coelho, essa dentadura nova ficou tão bem em ti…

Fonte: https://fernandoalbrecht.blog.br
A democracia é um erro estatístico, porque na democracia decide a maioria e a maioria é formada de imbecis. (Jorge Luis Borges)

LUGARES

SORRENTO - ITÁLIA
Sorrento é uma cidade costeira no sudoeste da Itália, voltada para a baía de Nápoles na península Sorrentina. Localizada no topo de uma falésia que separa a cidade de suas marinas movimentadas, a cidade é conhecida pela vista de grandes extensões de água e da Piazza Tasso, uma praça repleta de cafés. O centro histórico é um labirinto de becos estreitos que abriga a Chiesa di San Francesco, uma igreja do século XIV com um tranquilo mosteiro. ― Google

QUEEN

 LOVE OF MY LIFE (LEGENDADO)

FRASES ILUSTRADAS

sábado, 24 de setembro de 2022

O NOME DOS BOIS

José Horta Manzano

Uma conjectura atormenta filósofos desde a Grécia antiga.

A coisa e seu símbolo são convergentes ou inapelavelmente antinômicos?

Em palavrório accessível, a questão é: mudando o símbolo muda-se a coisa?

Os franceses, com sua longa experiência em matéria de conflitos, afrontamentos, revoluções e guerras, ensinam a «appeler un chat un chat» – se for um gato, há que dizer que é um gato. Esse dito popular exorta o bom povo a não ter medo de dizer as coisas como elas são. Dar nome aos bois, diríamos nós outros. Diríamos? Dizíamos, distinto leitor, dizíamos.

Até alguns anos atrás, os contorcionismos verbais se restringiam a suavizar tabus geralmente de ordem sexual. Todas as palavras que pudessem, de perto ou de longe, remeter ao sexo eram evitadas. Até fenômenos fisiológicamente naturais como a trivial menstruação tinham seus nomes eludidos. Dizia-se que a moça estava «naqueles dias».

Costumes mudam com o passar do tempo. Não há que ser empacado nem caprichoso, que o mundo é assim mesmo. A sociedade evolui e, com ela, as modas, as palavras, as expressões. De uns tempos para cá, essa guinada tem-se acelerado em nosso País. É fenômeno importado, mas pegou forte, alastrou-se como fogo em palha seca.

Uma lista de nomes e expressões a banir foi criada. E esse rol tende a se avolumar a cada dia. Não se fala mais assim, não se diz mais isso, nem pensar em pronunciar aquilo. Fica a desagradável impressão de que mentores mal-intencionados se puseram de acordo para acirrar ânimos, aprofundar fossos entre extratos sociais, separar o povo em campos distintos e antagônicos.

Palavras estranhas – e nem sempre bem escolhidas – nos vêm sendo impostas. Mulato, por exemplo, palavra a execrar hoje em dia, deve ser substituída por afrodescendente. Ora, há que ter em mente que todos os mulatos são também eurodescendentes, se não, não seriam mulatos. Por que, raios, o afro- teria precedência sobre o euro-? Devemos enxergar aí uma nova discriminação?

O Brasil já foi um país muito mais livre. O que digo pode soar estapafúrdio para os mais jovens, mas é o que ressinto. Éramos pobres, sim, mas podíamos sair à rua a qualquer hora sem medo de enfrentar violência, não precisávamos viver enjaulados como bichos no zoológico, a porta de casa dispensava tranca. E era natural dar nome aos bois.

Hoje os brasileiros são mais ricos que meio século atrás (ou menos pobres, se preferirem), mas vivem na apreensão permanente do assalto, da violência, da bala perdida, do sequestro relâmpago. São obrigados a cercar-se de jaulas, câmeras de segurança, porteiros, vigias. E, para coroar tudo, como morango em cima de bolo de aniversário, já não se pode falar como antes. Temos de filtrar nossas palavras, pesar nossas expressões, policiar nosso discurso.

Será que, desde que fomos assaltados pelo “politicamente correto”, teremos sido capazes de resolver a conjectura secular dos filósofos? Será que, mudando o nome da coisa, mudamos também a essência dela? Será que o mulato transfigurado em euro-afrodescendente será mais respeitado, mais valorizado, mais favorecido, mais feliz?

Se assim for, chegou a hora de enfiar o grande Ataulfo Alves no mesmo balaio ao qual já foram condenados Monteiro Lobato e o Saci-Pererê. Seu samba Mulata Assanhada, de 1956, tem de ser banido do cancioneiro nacional por motivo de vocabulário inapropriado.

E é bom que preparem um balaio de bom tamanho. Muita gente fina vai ter de se acomodar lá dentro. Gente do quilate de Ary Barroso, Chico Buarque, Noel Rosa, isso só para começar. Pelas regras de hoje, estão todos em pecado mortal.

Publicado originalmente em 13 dez° 2012.

Fonte: brasildelonge.com