Martha Medeiros
O meu jeito de evitar a ansiedade é me concentrando no agora, no instante presente. Me ligo 100% no lugar onde estou, com quem estou e no que estou fazendo. Assim, ganho foco, dou atenção plena ao outro e não fico me perdendo em projeções inúteis, deixando o pensamento escapulir para um lugar sem retorno. Até o sono melhora.
Isso sempre foi algo natural em mim, talvez o hábito da leitura ajude nesta concentração. Mas aí veio a pandemia e aquele estresse todo. Lidei razoavelmente bem com a situação, já que não perdi ninguém próximo e meu cotidiano não se alterou muito. Eu parecia tranquila em minha compenetrada quietude, até que a vacina chegou e os dias começaram a voltar ao velho ritmo: encontros entre amigos, viagens a trabalho, vida social. E só então percebi minha dificuldade em recuperar o ritmo anterior. Achava que não, mas também me encontro emocionalmente bagunçada. Eu, que tomava ansiolítico só em casos excepcionais, uma ou duas vezes por ano, passei a olhar para a cartela como se fosse uma caixa de Bis.
Para completar, semana passada perdi um amigo por infarto fulminante, aos 59 anos. Um amigo da minha juventude, da época em que eu era publicitária. Junto à imensa tristeza, duas coisas ficaram claras para mim. Uma delas é que temos que reavaliar nossas urgências. Refletir sobre essa nossa absurda disponibilidade online. Reagir à pressão para dizer "sim" a tudo o que nos é proposto, como se tivéssemos que compensar a parada brusca de um ano e meio. Calma, não temos que compensar nada, e sim continuar em frente encontrando soluções para viver melhor, e não problemas para morrer mais rápido.
A súbita ausência dele me fez ver, também, que além do presente momento, desse instante que tanto valorizo, o passado é muito valioso. Na hora em que recebi a notícia da morte do meu amigo, me vi diante de uma onda de recordações: a casa que nossa turma alugava na praia, as aventuras amorosas discutidas em mesas de bar, nossa imaturidade cheia de sonhos, a narrativa frenética das experiências vividas, nossos filhos nascendo, as interrogações jogadas para a frente, para um tempo que desconhecíamos - este aqui. Descobri que não quero mais seguir adiante sem olhar para trás, ajustei meu retrovisor sentimental.
Pretendo me manter no foco, mas "estar aqui e agora" não depende mais de rendição a esta modernidade esquizofrênica. Não preciso atender a expectativas febris nem competir comigo mesma. Contra a ansiedade, incluo agora a saudade. Celebro o passado que me moldou e, por ora, penso apenas em cuidar bem da minha saúde, que isso também é cuidar de quem a gente ama. Tempo, entrei num acordo contigo.
Zero Hora: 11/12/21 O Globo: 12/12/21
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